A fazer fé no que é divulgado na imprensa de hoje, afinal, quem foi escutado não foi o Presidente da República, mas sim o Primeiro-Ministro.
Por tabela é certo, e não porque a escuta lhe fosse primariamente dirigida.
Mas o que objectivamente se pode constatar é que quem autorizou e promoveu uma escuta que atingiu o Primeiro-Ministro, sem que sobre ele impendesse suspeita de nada, não foi capaz de garantir a confidencialidade de um telefonema, cujo conteúdo estava protegido pelo segredo de justiça. E, se a imprensa não estiver a inventar, foram divulgados desses telefonemas, matérias que nada têm a ver com o caso que deu origem às escutas.
Se pensarmos que no mundo em que vivemos, sem terem desaparecido os golpes de Estado clássicos feitos na linguagem fria das armas, se vai afirmando o perfil de novos métodos golpistas, destinados a fazerem com doçura o que os velhos golpes de Estado fariam com brutalidade, é legítimo reflectir sobre o potencial golpista deste tipo de práticas.
É possível que se esteja perante a simples continuação de uma rotina perversa que, apesar da sua frequência crescente, mais não vise do que um sensacionalismo doentio, gerado na voragem da competição desesperada entre níveis de leitura e audiência. Mas seria estulto descartar-se por completo a hipótese de estarmos perante um episódio ou um ensaio que, no fundo, mais ou menos assumidamente, representa uma recusa de aceitação dos resultados eleitorais e a preparação de uma tentativa de os contornar.
É certo que uma fuga de informação que quebre, em si mesma, uma confidencialidade legalmente protegida, por si só, está muito longe de poder ser vista como um golpe de Estado. No entanto, se no futuro se constituir um novo paradigma de golpe de Estado, tecido de uma multiplicidade de procedimentos subtis e suavemente não assumidos como tais, que se conjugue num resultado final almejado, certamente que entre eles se contarão procedimentos deste tipo.
A notícia mais relevante não está, pois, no conteúdo de uma escuta de um telefonema que alguém fez a este primeiro-ministro, mas sim na revelação de que em Portugal uma escuta, legalmente promovida pelas entidades competentes por uma razão que não envolve o primeiro-ministro, pode ser difundida publicamente com toda a naturalidade e toda a impunidade. Ou seja, qualquer alto responsável do Estado democrático, legitimamente investido no exercício das suas funções, pode ver divulgado na praça pública o teor de quaisquer conversas telefónicas que sejam tidas com ele.
2 comentários:
Parece que o problema não é de quem é escutado.
É que há escutadores profissionais que,quando lhes apetece,divulgam as escutas e "formam" a opinião.
Paciência.
Foi a "democracia" possível...
Absolutamente, parece começar a ficar claro quem é que é efectivamente escutado...
Mais, a questão parece no limite configurar-se para a construção de uma tentativa de assassinato político, que aliás diga-se em abono da verdade, não é nada de novo, antes pelo contrário.
RA
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