quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

À procura da esquerda perdida


Veltroni demitiu-se da liderança do Partido Democrático (PD), tornando ostensiva a gravidade da crise vivida pela esquerda italiana. A gota de água que o levou a esse gesto dramático foi uma derrota pesada que o PD acabou de sofrer na Sardenha.

O partido que se apresentou como feliz mutação renovadora de uma esquerda fragmentada e incapaz de governar em conjunto, ao assumir-se como pólo hegemónico de toda essa parte do espectro político, parece afinal atolado no seu próprio labirinto, incapaz de se assumir como contraponto forte do pesadelo “berlusconiano”.

O cimento de uma escolha participada do líder, em Outubro de 2007, na qual participaram mais de três milhões de italianos, dos quais 75,6% optaram por Veltroni, tendo os restantes 25% sido repartidos por vários outros candidatos, não foi suficiente para gerar uma verdadeira consistência política.

O Partido Democrático é a fase mais recente de uma longa evolução, iniciada em 1990 pelo Partido Comunista Italiano, que então se transformou em Partido Democrático da Esquerda, tendo-se mais tarde transformado em Democratas de Esquerda e pertencendo ao Partido Socialista Europeu, desde 1992. Força liderante da Coligação da Oliveira, que deu suporte a governos liderados por R. Prodi e por M. d’Alema , os DS viriam a fundir-se, em 2007, com uma parte dos destroços da defunta democracia cristã italiana, agrupados na “Margarida”, dando assim origem ao referido Partido Democrático.

Durante esse acidentado trajecto, o ex-PCI, foi perdendo fragmentos, que deram origem a novos partidos. Foi o caso da Refundação Comunista, do Partido dos Comunistas Italianos e mais recentemente da Esquerda Democrática, todos eles resultantes de cisões do ex-PCI.

Estas organizações, mais alguns dos restos do velho Partido Socialista Italiano e Os Verdes, conseguiram apresentar-se unidos nas últimas eleições legislativas italianas na Coligação Arco-íris, que, olhando-se para anteriores eleições, poderia aspirar, com realismo, a ter entre oito e dez por cento dos votos.
No entanto, ao contrário do que viera acontecendo nas últimas eleições, essa área da esquerda apresentou-se a sufrágio completamente diferenciada do partido hegemónico da esquerda, agora sob a veste do novo Partido Democrático, o qual fora aberto a acordos com forças de esquerda moderada, como é o caso da Itália dos Valores, mas recusara qualquer acordo com a Coligação Arco-íris.

Os partidos dominantes da esquerda e da direita entenderam-se numa engenharia eleitoral, alegadamente destinada a favorecer a chamada governabilidade, mas de facto apostada em encostar à parede os partidos com menor expressão eleitoral.

A direita ganhou as eleições legislativas e Berlusconi voltou ao poder. O Partido Democrático, embora derrotado, ficou como a força larguissimamente dominante da oposição de esquerda. Surpreendentemente, a Coligação Arco-íris foi varrida quer do Senado, quer do Câmara de Deputados.

Desde então, as cores do arco-íris parecem ter-se desagregado e várias têm sido as cisões nos partidos que o constituíam. O caso mais visível foi o da cisão na Refundação Comunista, que ficou quase reduzida a metade.

Mas, desde as derrotas nas legislativas, têm-se sucedido os maus resultados eleitorais para o Partido Democrático(PD). Uma excessiva mansidão, no modo de combater Berlusconi, fez com que a Itália dos Valores se viesse afirmando como o foco mais decidido de oposição, pese embora a sua reduzida expressão parlamentar. Nas sondagens tem-se aproximado do PD.

Estão à porta eleições europeias. O PD aderiu a mais uma manobra de engenharia eleitoral, ao concordar com uma cláusula barreira de 4%, abaixo da qual os partidos italianos não elegerão ninguém para o Parlamento Europeu.

A saída de Veltroni, à beira de eleições europeias, especialmente dramáticas par o PD pode ser prelúdio da implosão do próprio partido. Na verdade, para além do mau momento, em termos de sondagens, que os resultados na Sardenha só confirmaram, a Europa é uma instância, em que a vida do PD se complica: uma parte quer continuar dentro do Partido Socialista Europeu, enquanto a outra se recusa peremptoriamente a isso.

O PD queria ser sujeito histórico, a sua longa marcha , porém, em vez de ser um arejamento aberto ao futuro , parece converter-se num penosos rosário de renúncias e de auto-descaracterização. E, aprisionada no seu protestativismo infecundo, a esquerda da esquerda , em vez de aproveitar a deriva direitista do PD para se reforçar e crescer, parece caminhar lentamente para a irrelevância.
Ou seja, as duas esquerdas italianas parecem apostadas numa competição perversa, em que cada uma delas se excede numa estranha procura de implosão.

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