A educação é um factor determinante do desenvolvimento. Dificilmente conseguiremos romper os actuais bloqueios que tolhem a sociedade, sem a sua impregnação profunda pelo binómio educar-e-aprender. Na verdade, o desenvolvimento do processo educativo, a conquista de condições de uma verdadeira aprendizagem ao longo da vida, não são apenas instrumentos de uma melhoria da qualidade do nosso desenvolvimento e da vida em sociedade, são também antecipações de um outro quotidiano mais universalmente humanizado.
A impregnação da sociedade pelo processo educativo não se faz sem limites. Não se pode exigir à escola o que só é alcançável através de profundas transformações económicas e sociais. Aliás, o excesso de expectativas pode inquinar a prossecução dos próprios objectivos que lhe são atribuídos.
É imperioso reafirmar o princípio da responsabilidade do Estado pela educação pública, encarada como um dos vectores estruturantes do desenvolvimento social, como um dos espaços centrais da qualificação e da civilização dos seres humanos, como um insubstituível gerador de cidadania e de humanidade.
Além disso, se é condição necessária, para se chegar a uma sociedade justa, uma equilibrada partilha do trabalho, do rendimento e dos tempos livres, é vital o papel da educação nesse processo. Por isso, é indispensável assegurar o papel propulsor do Estado, na permanente adequação do sistema de ensino às crescentes exigências da sociedade.
Devemos equacionar os problemas levantados pela sociedade da informação, cuja evolução aponta para nos conduzir a uma verdadeira sociedade do conhecimento. O que está em causa é um processo gradual e complexo, necessariamente longo, implicando uma cadeia de objectivos estratégicos devidamente conjugados e impondo uma pilotagem democraticamente legitimada e radicada no interesse público.
Tudo isto se complica porque um dos aspectos predatórios do capitalismo actual é a tentativa de tornar o ensino numa mera prestação de serviços mercantis. Sendo a educação um processo de humanização radicado na aquisição de conhecimentos, na integração social das novas gerações, na afirmação da identidade cultural dos povos, instância decisiva na construção do nosso futuro colectivo, não pode deixar de ser uma responsabilidade que cabe, em primeira linha, ao Estado, ao poder democrático, enquanto expressão política do bem público.
A política educacional deve desenvolver-se com base num conjunto bem determinado de vectores que a estruturem e é importante destacar um dos mais relevantes: o envolvimento dos professores na prossecução dos objectivos e na dinâmica de implantação dessa política. Esse envolvimento e a dignificação da profissão docente em todos os seus aspectos são condição sine qua non do êxito de qualquer política educativa. Êxito que também depende da clarividência dos seus impulsionadores políticos, quanto aos bloqueamentos que a tolhem e aos desafios que enfrenta. Registemos algumas das maiores dificuldades.
Esta globalização capitalista, ao eliminar quadros de referência tradicionais, ao apagar pontos de ancoragem identitária e ao abrir novos espaços de competição selvagem, representa, para cada sistema educativo, um vendaval de novos desafios. No caso português, corre em paralelo o processo de integração europeia, que não deixa de ser uma pressão autónoma para o sistema educativo.
O desabrochar da sociedade de informação e do conhecimento oferece novos meios à educação, mas obriga, a novos métodos e a novas atitudes, impondo, por si só, novas exigências, quer no plano científico, quer no plano didáctico, quer no plano pedagógico.
Os problemas da massificação do ensino, agravados pelo enfraquecimento da hegemonia da escola, como lugar difusor de conhecimentos e de cultura, não impediram que se tornasse mais ostensiva, em termos de futuro, a centralidade do conhecimento a que através da escola se pode ter acesso. Os cidadãos angustiados por bloqueamentos sociais e culturais, sem expressão política clara e imediata, tendem a esperar da escola uma excessiva realização dos seus anseios.
E assim, paradoxalmente, quando é maior a importância da escola, mais forte parece ser a deslegitimação social que a atinge. A estagnação estrutural da escola e os bloqueamentos sociais existentes levam às pulsões de anarquia que perturbam o seu quotidiano. E, neste contexto difícil, um outro dilema se perfila: é quando a autoridade dos professores parece mais precária, no dia-a-dia da escola, que se mostra mais necessária uma pedagogia mais convivial.
Tem ganho actualidade o imperativo de se empreender uma reforma da educação de largo alcance, necessariamente profunda e prolongada, que enfrente e resolva os problemas de que padece o nosso sistema educativo. Circunscrevendo-nos ao caso português, é indispensável encontrar novas respostas para os problemas atrás referidos
Destaque-se a entrada no sistema educativo de sectores sociais, na sua quase totalidade, antes arredados da escola ou, pelo menos, arredados dos níveis de escolaridade mais elevados, bem como o facto de essa democratização do ensino não ter sido acompanhada de um correspondente aumento de bem-estar social e do nível cultural das famílias que potenciasse e sedimentasse essa democratização.
Por outro lado, o progresso de todos os ramos do saber, quer científicos, quer humanísticos, indutor de novos horizontes de informação e complexidade, bem como o desenvolvimento das novas tecnologias, impregnaram o cerne do próprio processo de ensino/aprendizagem de novas oportunidades e de novos problemas.
Estes factores seriam suficientes para se justificar uma radical transformação do processo de formação de professores, mas essa necessidade tem vindo a ser enormemente potenciada pelas sequelas de uma política de desresponsabilização do Estado, lançada pelo cavaquismo, nos anos 80. Não houve, depois, capacidade ou vontade política para reverter essa deriva que degradou dramaticamente toda a formação de professores no nosso país, com base numa visão neoliberal da educação, cuja lógica está já a dar os seus frutos dramáticos na conjuntura económica mundial que atravessamos. Daí que defendamos que este deve ser o primeiro e urgente passo: preparar cuidadosamente e pôr em prática um novo sistema de formação de professores, em todos os graus de ensino, adequado aos tempos que atravessamos e aos problemas que enfrentamos.
Será nesse quadro que devem ser implantados novos processos de avaliação dos professores e das organizações escolares, que acompanhem a recuperação necessariamente lenta da qualidade da formação de professores, hoje drasticamente comprometida. Uma avaliação que, numa primeira fase, se irá testando a si própria e coadjuvando o processo de requalificação dos instrumentos e das práticas de formação de professores, entretanto desencadeado, para que se chegue a um tempo em que possa desempenhar, com justiça e equilíbrio, uma função apreciativa do mérito dos professores, com um reflexo adequado nas suas carreiras e remunerações.
Pode compreender-se que, quanto às dramáticas querelas que têm perturbado o funcionamento das escolas e a atmosfera política do país, a propósito da avaliação dos professores, o essencial não é saber quem tem razão, pois pequeno será sempre o benefício para o sistema educativo, se continuar a ser esquecida a degradação do sistema de formação de professores que o cavaquismo iniciou e se arrasta há mais de vinte anos. Empolar a importância da avaliação dos professores, desconsiderando a degradação da sua formação, é apenas a estéril inversão de um problema, atacando-lhe as consequências e deixando intactas as causas.
Vejamos, sinteticamente, a importância de algumas vertentes da política educativa.
Um elemento nuclear dessa política é a generalização e a qualificação do ensino pré-primário, na esteira do que tem vindo a ser feito. Apenas se chama a atenção para as virtualidades do envolvimento do sector cooperativo e social como protagonista deste processo numa perspectiva de incentivo à dinamização endógena do tecido social, numa área em que a proximidade é um factor do máximo relevo.
É tempo também de ser reapreciada, no seio do PS, a política seguida no que diz respeito ao modelo de gestão das escolas, adoptado nas mais recentes opções assumidas nessa matéria. Efectivamente, elas representam uma ruptura com as opções políticas há muito seguidas pelo partido nesta, sendo nalguns casos visivelmente tributárias de perspectivas conservadoras, alheias aos valores que estruturam a identidade do PS.
No mesmo sentido, é muito importante que se proceda a uma avaliação objectiva das consequências do chamado processo de Bolonha e do Regime Jurídico do Ensino Superior que procurou projectá-lo no nosso país. Desse modo, poder-se-á preparar um sério processo de correcção dos aspectos que prejudicam a qualidade e o desenvolvimento do ensino superior em Portugal.
Algumas incongruências parecem, na verdade, evidentes. Procurou estimular-se a aquisição de novas competências, como se elas não dependessem do alargamento dos conhecimentos correspondentes. Exacerbou-se um certo imediatismo do concreto, como se o raciocínio abstracto não fosse um esteio determinante da capacidade de pensar. Quando a complexidade do real e a quantidade da informação crescem exponencialmente, reduziram-se as cargas horárias e o número de anos lectivos, aligeirando-se os currículos. Toda a lógica dos novos órgãos de poder nas Universidades e no Politécnico reflecte uma enorme desconfiança no papel que deve ser protagonizado pelos estudantes, bem como na própria democracia.
A Universidade como espaço científico e crítico está em perigo.
Parece claro que o PS não pode seguir para o ensino superior a mesma lógica que já recusa expressamente para a sociedade. Na verdade, o pensamento que guiou as acções que no plano económico conduziram o mundo para o drama que vivemos é do mesmo tipo daquele que informou o Processo de Bolonha e o RJIES. Seria trágico que só acordássemos para esse perigo, quando nas nossas Universidades eclodisse uma crise paralela à que hoje abala o mundo da economia.
Em síntese, defendemos o início de um amplo processo de reforma da educação, à luz do qual iremos compreendendo quais os caminhos que merecem continuar a ser percorridos, quais os que devemos abandonar.
Ter uma política de educação errática, tributária de instâncias internacionais, hoje de credibilidade duvidosa, numa navegação de cabotagem à vista, é correr um enorme risco de comprometer por décadas o futuro do nosso povo.
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