domingo, 20 de julho de 2008

O General sem medo e nós

Um amigo de sempre, o Luís Perdigão de Andrade, telefonou-me perguntando se já tinha visto um livro sobre a campanha do Humberto Delgado, quase só composto de fotografias, algumas tiradas em Viseu, em duas das quais era mencionada a presença de ambos.

Chamou-me a atenção para alguns erros, o mais grosseiro dos quais era o de chamar Vasco da Gama Fernandes a Álvaro Monteiro, um histórico expoente da oposição democrática no Distrito de Viseu, que a fotografia mostrava a discursar.

O livro, " As Eleições de 1958 - Humberto delgado na campanha do Norte" tem como autores Teresa Henrique e Miguel Nunes Ramalho, tendo sido editado pela Prefácio.

Comprei-o. Uma das fotografias era muito semelhante a uma que eu já tinha, mas a outra não. Esta última é uma fotografia carregada de simbolismo: um grupo de estudantes, quase todos do Liceu de Viseu, estende as suas capas para que o General lhes passe por cima. É um gesto de homenagem supremo, que os estudantes podiam fazer, mas que raramente faziam, tal era a sua importância simbólica






Uma legenda identifica alguns dos presentes: Valentim Alexandre, António José Lopes Ribeiro, Luís Andrade, Rui Namorado, José Augusto Rocha e Jorge Teixeira. Duplica o Luís Andrade, desdobrando-o em Luís Perdigão de Andrade, como se fossem dois; mas deixa passar alguns em claro. Pelo menos, identifico na fotografia mais três estudantes: o poeta António Franco Alexandre ( irmão do Valentim ), o Joaquim Ortigão e o António Carlos Gil Ribeiro.

Hoje, quando passaram mais de trinta anos sobre o 25 de Abril, há-de parecer trivial a memória desta fotografia. Mas quem tenha vivido nesse tempo fechado e agreste sabe o que então significava, sendo-se jovem com menos de vinte anos, mostrar-se na assumida e ostensiva visibilidade da capa e batina, na primeira fila dos que apoiavam Delgado.

Éramos poucos, mas ninguém nos pode tirar a honra de lá termos estado. A vida atirou aquele punhado de jovens pelos caminhos mais diversos, com protagonismos distintos nos vários planos da vida cívica, cultural, profissional e política. Que eu saiba, na pluralidade dos vários trajectos, nenhum traiu a verticalidade daquela presença e daquele gesto que a fotografia fixou. Estivemos longe de ser heróis, mas quando pudemos exprimir, naquela tão verde juventude, a resistência ao salazarismo e a solidariedade para com os que ousaram erguer-se, não faltámos. E hoje, passado meio século, temos o enorme privilégio de podermos dizer, para nós próprios, que nos honramos daquele passado, que nos honramos do nosso passado, mesmo que ele se concentre naquele fim de tarde em Viseu.

Por isso, a todos eles, alguns dos quais nunca mais vi nestes anos tão breves, envio daqui um abraço comovido.

E para sublinhar um pouco essa memória, que vai tomando um irresistível tom sépia, publico mais duas fotografias que guardo desde então.




Na primeira, estou ao lado do general. Do outro lado do General, sorri o Dr. Álvaro Monteiro, por detrás do qual espreita o Joaquim Ortigão. Entre o General e o Dr. Álvaro Monteiro, vislumbra-se o Sobral, velho companheiro da sociedade “Os Caspas, que nunca mais vi. Um polícia , diligente, policia, uma capa negra ergue-se ao fundo em ovação e o povo espalha-se com esperança pela Praça. A Luísa Pessoa entrega ao General um ramo de flores.


Nesta segunda fotografia, em dois camarotes do velho Teatro Avenida, agrupam-se, além de outros, alguns dos estudantes que vimos nas outras fotografias . Lá estou eu, entre o Valentim Alexandre e o Jorge Teixeira; mais acima o José Augusto Rocha, já estudante em Coimbra. Ao lado do Valentim, está o silgueirense Carlos Gil Loureiro, irmão mais velho do saudoso Jorge Dias Loureiro, ambos prematuramente desaparecidos. Depois, podem ver-se o Joaquim Ortigão, o Raúl, o José Pessoa, o Carlos Martins Pereira, o Zé Lopes Ribeiro, o Fernando Madeira, o José Sequeira, o Amaral e outro silgueirense, o Heitor Gomes; entre outros, que não consigo identificar.

Disseram que perdemos as eleições. Hoje, sabemos, no entanto, que naquela praça, em muitas praças, naquele teatro, em muitos teatros, o ditador começou a esvair-se, a ditadura começou a agonizar. E aquela esperança não foi perdida.

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