Em repetidas eleições parlamentares parciais para preenchimento de lugares deixados vagos pelos seus titulares, os péssimos resultados alcançados pelos trabalhistas britânicos, têm vindo a soar, com força crescente, como verdadeiros toques de finados, acentuando o desastre político que os atingiu nas recentes eleições autárquicas. As sondagens globais apontam no mesmo sentido.
Mas uma recente eleição parlamentar parcial, ocorrida numa das circunscrições de Glasgow, transformou o negrume ameaçador do horizonte numa tempestade verdadeiramente desabada. Na verdade, nas eleições anteriores, a vitória dos trabalhistas, neste círculo eleitoral que lhes era tradicionalmente fiel, havia sido folgada, tendo eles atingido os 60%. Desta vez, surpreendentemente, desmoronando-se em quase vinte pontos percentuais, foram derrotados pelos nacionalistas escoceses.
O sorriso aflito do Primeiro-ministro britânico vai-se transformando lentamente num esgar de sofrimento. Será que o Labour Party o sacudirá como quem se liberta de uma praga fatal que está a puxar o Partido para o abismo de uma derrota histórica?
Se o sacudir mansamente, como fez com Blair, deixando-o tratar da própria sucessão como quem tivesse uma herança preciosa a transmitir, arrisca-se a continuar a descer pelo poço da desgraça, numa vertigem de auto-punição que o pode condenar ao inferno de um terceiro lugar, com o que isso tem de fatal no sistema eleitoral britânico.
Se assumir sem ambiguidades o fracasso histórico da terceira via, reduzindo-a à sua dimensão de expediente eleitoral, que, na maior parte dos casos, arranhou apenas a superfície dos problemas que disse enfrentar, sem realmente os resolver, talvez encontre de novo um caminho, que não seja um atalho de equívocos com prenúncio de desastre.
De facto, hoje pode ver-se, com clareza, à luz do exemplo inglês, que a terceira via não teve qualquer resultado palpável como factor de transformação da sociedade britânica, no sentido dos valores identificadores do trabalhismo. Geriu diligentemente a sociedade tal como ela é, mas sem a ter melhorado no sentido de uma maior igualdade e de uma justiça socialmente visível.
Com uma ou outra diferença de pormenor, a Grã-Bretanha está, passada uma década trabalhista, como teria estado se tivessem sido os conservadores a governar. Ou seja, a terceira via assegurou as vitórias eleitorais e a sua repetição, em termos tais que perdeu toda a energia transformadora, inscrita no código genético e na razão de ser do trabalhismo. E assim mostra que as cosméticas, induzidas pelo “marketing” eleitoral que ceda ao oportunismo político, confundindo arejamento prospectivo com rendição estratégica, não conseguem mais do que preparar um derrota estratégica pelo acumular matreiro de manobras tácticas , mesmo que vitoriosas.
Mas o colapso da terceira via britânica não é um desastre meramente insular. Também ameaça os vários membros do Partido Socialista Europeu, na medida em que este num ou noutro caso com nitidez, noutros mais levemente, se deixou atrair pela música “blairista”.
Aliás, a marca indelével da terceira via é o servilismo de Blair perante a inacreditável administração Bush, o que deixa compreender melhor que a sua busca de uma via nova, longe de ser uma ousadia inovadora, é uma complacência encapotada para com o tipo de sociedade em que vivemos, como se servilmente quisesse garantir aos poderes de facto, que se um governo “blairista” alguma vez existir seria seguro que o essencial da desigualdade e dos privilégios ficariam na mesma, por mais lustro que tivesse a pose reformista do respectivo governo. E, na verdade, assim foi.
A equívoca terceira via, e os seus sucedâneos ou parentes, seguem, com expressões e ritmos diferentes, uma mesma trajectória de esgotamento. Quem o não compreender, quem se quiser conformar com isso, arrisca-se a mergulhar fundo no desastre político.
Sem comentários:
Enviar um comentário