Visita a Auschwitz
Aqui dormiu a morte repetida
um dia muitos dias tantos dias
Resta agora esta vergonha lenta
esta suja vergonha repetente
E o próprio silêncio sepultado
de si mesmo se guarda adormecido
Caminha-se com passos redobrados
a cólera contida na garganta
Os olhos do martírio vão seguindo
a sombra desregrada da amargura
Os pássaros da noite vão voando
num sórdido trajecto envilecido
Em cada num de nós foi construída
uma casa de dor e desespero
Já são nossos irmãos os que morreram
nas fogueiras de um ódio consentido
Foram nossos irmãos os que perderam
o tempo que nos deram generosos
Acesa apenas a centelha humana
nas cinzas humilhadas da derrota
Guardamos os seus nomes letra a letra
nas mais fundas palavras da revolta
Em Auschwitz morre lentamente
a morte mais cansada e repetida
São nossos os cabelos resguardados
nessa torpe memória enlameada
São nossos os óculos quebrados
olhando-nos ainda massacrados
Continua subindo o horizonte
um silêncio de cinza e de vergonha
Terminou a visita a tarde cai
um soluço regressa na garganta
Visitámos o medo em estado puro
o ódio desregrado sujo duro
Saímos como irmãos desembainhados
no próprio coração da liberdade
[Rui Namorado]
domingo, 22 de maio de 2011
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2 comentários:
Parabéns pelo poema (muito forte )
Grande meditação. Tão forte quanto a violência de Auschwitz.
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