domingo, 1 de maio de 2011

RETRATOS DA DIREITA COMO EMBUSTE



1. “Mais sociedade”, esse conglomerado de engomadinhos, devidamente temperado por um ou outro renegado mais ostensivo, junta-se, fingindo que pensa, apenas para desenrolar com estrondo mediático a lista das conveniências de alguns patrões de luxo, que pretendem aproveitar a presença da troika neoliberal, para imaginarem novas maneiras de levar ainda mais longe a exploração dos trabalhadores e o confisco de bens públicos pela voracidade ilimitada dos barões do capital.

2. Tal como antes as matilhas salazarentas pretendiam perseguir como culpados de um crime de opinião os portugueses que não pensavam como eles, algumas das suas projecções ideológicas actuais, revestidas pelo verniz neoliberal, querem perseguir como culpados de um crime de governação os governantes democraticamente escolhidos pelos portugueses, que não governaram (ou não governem) como eles queriam.


Isto é, se a direita ganha as eleições governa; se ganha o PS, ou governa como a direita governaria se ganhasse ou metem-no em tribunal.



3.O espaço mediático foi invadido por um enxame de comentadores, de jornalistas, de capatazes intelectuais de grandes interesses, de advogados de negócios, de professores de economia falando do estrangeiro, de graves especialistas sociais de inenarráveis banalidades, de inertes politólogos de laboratório. Falando muitas vezes perante verdadeiras obtusidades jornalísticas, vão poluindo os nossos ouvidos com ladainhas previsíveis que traduzem, na sua prosa embrulhada de ideólogos ainda verdes, o jargão neoliberal de antes da actual crise, servido como se continuasse com as mãos limpas, apesar do desastre para onde nos levou.

Essas carcaças engravatadas, mais ou menos jovens, mais ou menos senatoriais, dividem-se em dois grandes grupos, embora , por vezes se desorientem embrulhando os dois grupos dentro de si próprios.



Num deles alinham os que insultam grosseiramente o PS e o governo, culpando-os da crise financeira internacional desencadeada nos USA, da tendência da banca internacional para ignorar a ética e roçar a fronteira da criminalidade organizada; atirando-lhes para cima as culpas pela especulação nos mercados das dívidas soberanas e pelo estranho mix de conveniências e tecnicidade, que parece guiar as agências de “rating”. São os que acusam o PS e o Governo do essencial das consequências do neoliberalismo ( que afinal defendem ), pretendendo imputar-lhes, como grave responsabilidade, o facto de não serem suficientemente neoliberais. São os que parecem querer mandar o PS e o governo para Peniche, para Caxias, ou quiçá para o próprio Tarrafal. Se pudessem...

No outro grupo, situam-se os que, sem deixarem de atribuir também ao PS e ao Governo todas as culpas que consigam imaginar, determinam que o PS tem que participar numa solução de poder como disciplinado acólito da direita.

Trata-se pois de uma cambada de ideias que se atropelam no espaço mediático, numa imensa operação de propaganda, que, no entanto, não tem um norte que verdadeiramente a oriente. De facto, ora parece querer pôr o PS e o Governo na cadeia, ora parece querer obrigá-lo a partilhar o poder com a direita. É como se tivessem medo que os seus desajeitados intérpretes politico-institucionais excedam a margem de asneira que, da sua própria natureza, esperam. E,por isso, querem dispor de alguns socialistas que impeçam os sesu capatazes de cairem em todos os pequenos abismos que o dia a dia da governação lhes ponha pela frente.



4. Fiquei emocionado. Desta vez a direita colocou-se toda na balança da luta eleitoral. Não estou, no entanto, seguro que essa sofreguidão táctica, não a faça incorrer em sobreriscos estratégicos. De facto, a direita classicamente organiza-se, desdobrando-se em centros de poder dispersos, entre os quais avultam quer os centros de poder económico, que de facto mandam, quer os seus partidos políticos, protagonizados por capatazes profissionais, alguns dos quais necessariamente de luxo. Para potenciar a própria eficácia , a intercomunicação entre as duas esferas é fisiológica e discreta.

Assistimos agora, pelo lado do PSD, à quebra dessa discrição, a uma verdadeira desocultação do que estava escondido. Talvez tenha sido uma precipitação, gerada pela vertigem dos acontecimentos, mas o facto é que se transformou numa verdadeira experiência de um teatro do absurdo. Bem na frente dos nossos olhos, os mandatários fingem mandatar os seus próprios mandantes, para que estes venham, em praça pública, dar-lhes como conselhos as orientações políticas que lhes transmitiram já como ordens nos fisiológicos canais da informalidade.


Eles talvez tenham temido que o descrédito público, que desgastou particularmente os agentes político-partidários da direita, possa ultrapassar o eleitoralmente suportável, julgando poder minorar esse risco com o apadrinhamento público ostensivo de uns tantos agentes dos poderes de facto económicos. Porém, os riscos de fugirem aos rotinados canais normais são grandes. Por exemplo, a provável ausência dos habituais filtros ideológicos, preparados para travarem as medidas mais brutais ou para as envolverem nos sete véus da dissimulação, pode fazer com que os destinatários da propaganda acabem por perceber aquilo que lhes deveria ser ocultado. Ou seja, que aquela gente defende principalmente os seus negócios, a rentabilidade do seu capital, se possível no quadro dos interesses nacionais, se necessário contra eles.


Na verdade, o que realmente entrou em cena não foi um generoso impulso para "mais sociedade", mas um egoístico apego a "mais negócios".

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