As diversas sondagens respeitantes às próximas eleições legislativas, publicadas durante as últimas semanas, se esquecermos algumas oscilações que se acabaram por revelar como circunstanciais, apontam para duas incertezas, dificilmente revertíveis nesta última semana de campanha eleitoral. Não é certo se o partido mais votado virá a ser o PSD ou o PS, dada a escassa diferença entre ambos, apesar de o primeiro surgir reiteradamente com um ou dois pontos percentuais de vantagem. E não é certo se a soma de votos no PSD e no CDS superará a dos votos no PS, no BE e no PCP, tal como não é certo se o CDS sozinho conseguirá ter tantos votos, por si só, como o BE e o PCP juntos. Parece, no entanto, mais provável uma maioria parlamentar de direita do que a concretização desta última hipótese.
Se este cenário se não alterar, o CDS será o partido mais próximo de obter um reforço estratégico da sua posição, uma vez que, conjugando as intenções de voto que sobre ele recaem com o contexto político, está prestes a destacar-se significativamente do lote dos pequenos partidos e a desempenhar um papel charneira no cenário pós-eleitoral.
Em contrapartida, quer o BE quer o PCP, correm o risco de sofrer uma derrota estratégica. Tendo ambos escolhido o PS como inimigo principal, não conseguiram gerar um cenário que projectasse essa posição, de modo a romper a dicotomia entre um governo de direita puro e duro e um governo do PS ou com a sua presença. Por isso, objectivamente, perderam qualquer autonomia estratégica, tendo-se convertido em armas da direita contra o PS, o que, num plano secundário, indirecto e de médio prazo, implica que, de algum modo, também se combatem a si próprios. O PCP parece ter tomado consciência desse problema, na medida em que nos últimos dias ajustou o seu discurso, no que diz respeito às suas relações com o PS, mas não foi capaz de romper o bloqueamento que sempre o tem embaraçado no caminho para uma laicização do seu relacionamento com esse partido.
Na verdade, se a direita tiver maioria parlamentar e se o BE e o PCP descerem ou estagnarem, ficará materializada a derrota estratégica acima referida. De facto, a linha seguida por esses dois partidos, continuando a ser questionável, podia ter algum êxito, à luz da sua própria lógica, se a sua luta contra o PS se traduzisse num enfraquecimento deste partido e num reforço deles os dois, de modo a que, mesmo não sendo o PS o partido mais votado, a direita não ficasse em maioria. De outro modo, não podendo separar a sua linha de orientação dos frutos que ela ajude a criar, ficarão politicamente estigmatizados por qualquer resultado eleitoral que abra a porta a uma conjuntura socio-económica que suscite mais descontentamento, nas suas bases sociais de apoio, do que aquele que foi nelas suscitado pelo governo cessante.
O PSD conserva boas hipóteses de ser o partido mais votado e de vir a liderar um governo de direita. No entanto, será provavelmente confrontado com a necessidade de uma parceria governamental com um CDS muito mais forte do que aquilo que pensava. Mas, salvo qualquer inesperado acidente político, a maioria absoluta que parecia estar de início ao seu alcance tornou-se numa miragem irrealista. Ele pode assim correr o risco de obter uma vitória eleitoral com um gosto amargo. Corre na verdade o risco de ser um vencedor tangencial, forçado a coligar-se com um CDS em expansão, num governo acossado pelo exterior. E, pior do que isso, nem sequer está a coberto do risco de perder, o que será para a sua actual direcção uma ironia objectiva devastadora.
O PS foi empurrado para estas eleições, porque a direita estava firmemente certa que o esmagaria. Uma enorme coligação de poderes fácticos e dos seus braços mediáticos pegou nos partidos da direita ao colo e decidiu assaltar o poder. Numa sofreguidão de hostilidade e menosprezo pelo PS, procurou simultaneamente esmagá-lo eleitoralmente, decidir por ele quem deveria liderá-lo, para aproveitar depois o que dele restasse e obrigá-lo a coonestar e apoiar tudo o que os seus núncios partidários, assim instalados no governo, decidissem fazer a bem dos seus interesses e do reforço do seu poder.
Mas as coisas começaram a correr-lhes mal: o eleitorado não ficou muito agradado com o golpe de mão que derrubou o governo, a nova liderança do PSD foi lentamente descambando para uma caricatura de si própria, o seu cabecilha foi tropeçando na sua inconsistência ideológica, na sua inexperiência política, num certo radicalismo neoliberal algo primário, e em alguns dos seus mais directos esteios, que se revelaram verdadeiros idiotas políticos. Entusiasmado com a fragilidade da liderança do PSD o manhoso leader do CDS ferrou as canelas de Passos Coelho e não mais as largou. O BE e o PCP, como acima se disse, não conseguiram assumir uma linha estratégica própria no combate ao PS, deixando-se absorver e instrumentalizar pela única lógica anti-Ps realmente operativa nesta conjuntura, a da direita. Tudo isso permitiu ao PS voltar a respirar com algum desafogo. E, a pouco e pouco, voltou a subir a montanha. Hoje, a uma semana das eleições, não tem a certeza de as não perder; mas, ao contrário do que seria sequer imaginável há dois meses atrás, os seus adversários já receiam de novo uma vitória sua. A combatividade de Sócrates é um engulho crescente para a matilha mediática arregimentada para o derrubar e o povo socialista está a erguer-se. Também no quotidiano da campanha se percebe que a luta não está decidida.
Para todos os partidos, seja qual for o resultado eleitoral, o período subsequente ao dia das eleições vai ser complexo e difícil. Mas o PS tem seguido uma via que o coloca em boa posição nesse difícil cenário, quando, ao contrário do que muitos pensavam, se mostrou aberto ao diálogo com todos os partidos, sem ignorar a circunstância de alguns deles terem assinado o compromisso com a "troika" e outros não, alargou o seu espaço de manobra no período pós-eleitoral. Em contrapartida, todos os partidos que afirmaram peremptoriamente que não aceitavam qualquer coligação com ele, estreitaram a sua própria margem de manobra e alargaram a do PS. E alguns deles, situados à direita, desautorizaram até grosseiramente os muitos notáveis seus apoiantes que tão maviosamente apelaram em público a consensos vastos, há uns tempos atrás, julgando estar a favorcê-los e a embaraçar o PS. Afinal, enganaram-se.
Se todo este cenário se tornar mais evidente nesta semana final da campanha, o PS pode daí tirar vantagem. Na verdade, será difícil valorizar o mérito de pequenas propostas, quando a atitude e a posição política geral de quem as faz revele afinal uma enorme incompetência estratégica. Por outro lado, será mais fácil passar por cima de detalhes programáticos que desagradem, quando o sentido estratégico geral da caminho proposto for reconhecido como lógico, congruente e harmonizável com as atitudes parcelares que forem sendo tomadas. Na verdade, é mais fácil optar por um caminho que nos leve a algum lado, ainda que polvilhado por dificuldades e erros, do que dar primazia a flores oferecidas num atalho para lado nenhum.