Também não faria sentido que se trovejasse com tanta pompa em defesa do que é uma banalidade em qualquer Estado de Direito: todos os cidadãos que cometam crimes ou incorram em ilegalidades, mesmo que sejam políticos designados democrática e legitimamente, ficam sujeitos às sanções previamente cominadas para o respectivo tipo de infracções.
Portanto, Passos Coelho só pode ter querido defender a criminalização e a responsabilização civil por actos políticos. Talvez, num plano subjectivo, apenas tivesse querido sublinhar a crença sem limites que tem na infalibilidade das suas ideias e das suas propostas e o repúdio visceral que lhe merecem as ideias dos outros, em especial as do actual governo. Talvez tenha apenas querido dar mais uma pincelada na sua imagem de político com sangue na guelra; ou excitado pelo ruído dos talheres dos militantes laranja, atacando ferozmente o lombo assado, tivesse subido um pouco alto demais na parede da sua imaginação. Não importa. Se foi fruto de reflexão o tipo de ferocidade demonstrado é significativo, mas se apenas reflectiu, num automatismo de circunstância, as camadas profundas das opções políticas de Passos Coelho, também não deixa de o ser.
E o que se projecta dessas camadas profundas da ideologia “passista” carece do mínimo de salubridade democrática. Se o adversário político não é apenas alguém que está errado, que representa preferências políticas diferentes das nossas, que exprime interesses sociais radicados em posições distintas no seio da pirâmide social, passando a ser um prevaricador, um criminoso que é preciso castigar, isso só pode significar que está de regresso o modo totalitário de olhar para a política. Numa lógica idêntica, outros, nos seu tempo, transformaram os seus adversários em traidores à Pátria, perseguindo-os; outros consideraram que quem fosse seu adversário só podia estar louco e meteram-nos em manicómios. Pela nossa parte, vivemos em Portugal, uma boa parte do século XX, sob um regime que olhava para os seus opositores como criminosos. Era então que se falava em crimes políticos, que afinal eram apenas comportamentos que reflectiam opiniões políticas distintas das que o salazarismo considerava como as únicas verdadeiras e legítimas, as suas.
É esta a genealogia das posições assumidas por Passos Coelho. Podemos pois, parafraseando com alguma liberdade um clássico da nossa literatura, dizer quanto a elas: “ sob o manto estéril do neoliberalismo, no plano económico, o rigor forte do autoritarismo, no plano político”.
A direita portuguesa não esquece nem desiste. Sob a camada de um verniz democrático, mesmo que para muitos psicologicamente sincero no plano individual, nas camadas ideológicas mais profundas continua estruturalmente em hibernação a permanente saudade dos tempos em que conduzia o poder sem o incómodo da democracia.
Foi isso que Passos Coelho revelou, mostrando também que, mesmo que possa ser um perigoso predador no plano superficial do teatro político-mediático, no plano mais fundo da sua estrutura ideológico-política, não passa ainda de um garnisé.
3 comentários:
Essa ideia do "garnisé" Passos Coelho nem sequer é original. Foi há dias defendida por outro garnisé do mesmo ou pior calibre, o Super-Sindicalista do Sindicato dos procuradores do Ministério Público, Dr. João Palma, nos seguintes termos:
"Impunidade de quem governa
01-Nov-2010
João Palma - Sempre que se tenta responsabilizá-los, os titulares de cargos públicos respondem, invariavelmente, que é ao povo que compete avaliá-los e julgá-los através do voto, em eleições.
Perante o descalabro financeiro das contas públicas, cabe perguntar se é suficiente o ‘julgamento’ em eleições viciadas por manipulações de toda a ordem, que influenciam o voto dos eleitores. A sensação geral é de que somos todos enganados. E que os que escolhemos se servem de nós e do nosso voto para nos enganar em proveito próprio.
É urgente que a democracia se salve e fortaleça, invertendo o rumo de descrédito acentuado, e se evite o recurso a homens providenciais. São necessários novos mecanismos de responsabilização dos titulares de cargos públicos. A começar pelos membros do Governo.
Se o Primeiro-ministro e o Ministro das Finanças são pródigos nos gastos públicos, se fazem uma gestão ruinosa do país e dos impostos pagos pelos portugueses, concebe-se que continuem civil e criminalmente impunes?
JOÃO PALMA (PRESIDENTE SMMP) | 01.11.2010"
Les beaux esprits toujours se rencontrent...
Caro Rui,
Fiz link...
Abraço,
OC
Realmente, é uma sinergia muito conveniente... Mas, se os magistrados de facto se mantivessem magistrados, julgo que a contribuição já seria efectiva. Por outro lado e não menos importante, na minha modesta opinião, e sendo os tribunais um orgão de soberania, toda esa questão começa a montante. juízes e magistrados do ministério público sindicalizados e a fazerem greve?! Max como?! Assm não bate, nem nunca baterá "a bota com a perdigota". Ah, e proferem declarações, como aquelas que todos ouvimos, a propósito do pacote de medidas para toda a função pública, como se no caso dos magistrados e juízes, tal decisão resultasse de perseguição/vingança. Ora, estas declarações, além de muito graves, eram passíveis de tratamento judicial. Mas... para quê! Não sei se me faço enender...
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