domingo, 14 de novembro de 2010

COLIGAÇÕES E EMBOSCADAS


Há hoje um governo do PS sem apoio parlamentar maioritário na Assembleia da República por duas razões cumulativas. A primeira radica-se no facto de o PS ser o partido com um maior número de deputados eleitos; a segunda resulta da incapacidade de o conjunto dos partidos de todas as actuais oposições se entenderem para a viabilização de um governo que os envolvesse a todos.

Há uma conjuntura nacional difícil para a qual contribuíram fortemente factores internacionais. Há um período de alguns meses durante o qual não é constitucionalmente possível a realização de eleições. Tudo isso abriu a porta a um estado de quase-necessidade que contribuiu muito para tornar possível um entendimento entre o Governo e o PSD para a viabilização do orçamento, que tudo indica que venha a conduzir à sua aprovação.

Alguns dos expoentes politico-reflexivos mais ocos que se espraiam pelo espaço mediático, fazendo coro com a direita mais radical, têm advogado um governo de salvação nacional que,excluindo o PCP e o BE, significaria que o PS se associaria à direita, passando a ser uma minoria no novo governo. A direita ganharia, por força de uma política de corredores, o que os eleitores atempadamente lhe negaram. Outros, mais modestos, advogam um prosaico bloco central que abrangesse apenas o PS e o PSD. Outros falam apenas numa coligação sem lhe assinalarem os limites. Não me parece que qualquer desses caminhos nos salve, por si só, seja do que for, mas acho natural que o debate político se trave nesse terreno.

Já me parece uma insuportável intromissão na esfera soberana do PS a desfaçatez com que vozes que lhe são exteriores advogam a substituição de Sócrates, como condição para que se materialize o caminho que eles próprios sugerem. Ou estão de má-fé, usando essa proposta de coligação para empurrarem para cima do PS uma hipotética culpa pela sua recusa, que sabem tanto mais inevitável quanto a fazem preceder por uma condição impossível; ou ignoram a mais elementar tabuada de qualquer negociação política, que exclui naturalmente que cada um dos parceiros pretenda decidir quem representa os outros, e nesse caso são politicamente incompetentes.

Não vêem que se , por absurdo, o PS aceitasse tão intolerável cominação, se estaria a condenar a uma quase certa implosão ? Implosão essa que, sendo a devastação de uma área política nuclear da nossa democracia, não deixaria também de a ferir muito profundamente. O PS deve ter a noção(e julgo que a tem ) que, embora com graus de importância distintos, nenhum dos partidos das oposições parlamentares é politicamente dispensável na actual conjuntura. Mas a recíproca não é menos verdadeira: as oposições devem perceber o que representaria de dramático para democracia portuguesa, na conjuntura actual, o esvaziamento do PS.

Seria , por isso, um bom contributo para a decência do debate político que cada um defendesse o que lhe aprouvesse quanto a acordos e coligações, mas que deixasse de se sentir ungido pelo estranho poder de mandar em casa alheia.

É que, não o esqueçamos, só não há uma alternativa imediata ao Governo PS, porque as oposições, que em conjunto detêm uma maioria de deputados na Assembleia da República, não são capazes de (ou não querem ) ser a base de um governo que a todas representasse. É, por isso mesmo, ainda mais estranho que alguém pretenda fazer impender sobre o PS a responsabilidade pela solução de um problema que , verdadeiramente, só existe pela incapacidade ou pela vontade conjugada de todos os partidos da oposição.

1 comentário:

Carta a Garcia disse...

Caro Rui,
Excelente, fiz link para "A Carta a Garcia".Obrigado.
Abraço.
OC