sábado, 6 de novembro de 2010

AINDA A CRIMINALIZAÇÃO DA POLÍTICA


1. O Horta Pinto, velho amigo que tem a amabilidade de fazer com frequência comentários neste blog, num que fez ao texto que aqui escrevi sobre a estranha concepção de Passos Coelho quanto à mistura da justiça com a política, deu a conhecer um dos seus mestres, o Delegado Palma, Presidente do Sindicato dos Mag. do Min. Público, velejador confesso e alegado latifundiário alentejano, que teve que desmentir Ângelo Correia, quando este o identificou publicamente como militante alentejano do PSD.


O texto é um arrazoado onde são visíveis as marcas de um pensamento reaccionário, que termina com a pérola seguinte: "É urgente que a democracia se salve e fortaleça, invertendo o rumo de descrédito acentuado, e se evite o recurso a homens providenciais. São necessários novos mecanismos de responsabilização dos titulares de cargos públicos. A começar pelos membros do Governo. Se o Primeiro-ministro e o Ministro das Finanças são pródigos nos gastos públicos, se fazem uma gestão ruinosa do país e dos impostos pagos pelos portugueses, concebe-se que continuem civil e criminalmente impunes? ".


2. Sem querer, o homem revela o cerne da sua posição ideológica, ao considerar como um recurso cogitável, para resolver problemas criados em democracia, o poder de um homem providencial, aliás um eufemismo para designar a imposição de uma ditadura. Subliminarmente paira aqui um dos fantasmas mais reaccionários da direita : os desgraçados ditadores são uns pobres sacrificados que só têm que ser ditadores porque as malvadas das democracias criam problemas que só se podem resolver em ditadura.


Nesse mesmo registo, o Delegado Palma sustenta a responsabilização criminal e civil de um órgão de soberania , cuja legitimidade democrática se radica nos deputados eleitos pelos portugueses, aos quais cabe em última instância julgar o mérito das políticas praticadas e sancionar com o seu voto o que lhes parecer mal. Um ex-Secretário -Geral de um Sindicato para cuja presidência foi eleito numa lista sem concorrentes por uns imensos 426 votos, dotado dessa enorme representatividade corporativa, arvora-se assim em distribuidor de receitas de duvidoso carácter democrático. Não é a primeira vez que a figura se esmera em afirmações de agressão trauliteira ao governo democrático, estando, pela tacanhez de algumas delas, a sua credibilidade abaixo de zero. No entanto, é chocante que um Sindicato dos Magistrados do Ministério Público tenha à sua frente sem oposição uma figura com uma marca ideológica tão reaccionária e com uma ausência de senso tão profunda. Aos deputados e aos governos, no máximo só temos que os suportar quatro anos se partilharmos uma eventual rejeição com a maioria do eleitorado, mas ao Delegado Palma do Minstério Público, que nenhum de nós escolheu somos obrigados a suportá-lo nessa função toda a vida. E, ainda por cima, o referido agente do MP usa um megafone sindical para expressar os seus juízos políticos pessoais contra o actual Governo e o PS. Megafone esse, que aliás só lhe foi dado, porque o Partido que apoia o Governo que ele tão visceralmente odeia, reconheceu aos magistrados do MP o direito de disporem de sindicatos.


3. Mostrando que o que já hoje escrevi sobre Passos Coelho não é uma trovoada sobre um erro fortuito de um líder inexperiente, a referida figura já hoje insistiu na mesma tecla da criminalização da política.


Tudo isto, talvez possa a ajudar a esquerda a compreender que há uma direita histórica que existe e se mantém latente com saudades dos bons velhos tempos. E os seus bons velhos tempos são tempos de pesadelo, para todos nós. Por isso, embora ache natural e até positivo o debate político entre as esquerdas, quando sustentem posições distintas, acho suicida para todas elas que não aprendam a distinguir entre o confronto entre a esquerda e a direita e os confrontos dentro da esquerda. De facto, o cúmulo do fracasso estratégico, de qualquer linha política de cada uma das esquerdas, é a sua conversão em instrumento utilizável pela direita, para se beneficiar a si própria.

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