Um cartel de detentores de capital com capacidade de investimento especula com as necessidades de crédito de Portugal e de outros países. A manobra mais recente foi a notícia de que Portugal caminhava para o colapso económico e por isso os juros da dívida pública subiam. Mas se eles estivessem realmente convencidos de que havia um risco real de incumprimento não faziam subir os juros. Pura e simplesmente, não emprestavam.
Dizer que o cartel de investidores só nos ataca porque somos economicamente frágeis, absolvendo-o assim da perversidade do ataque, é admitir que é legítimo um tipo de sociedade em que o forte esmaga o fraco, imputando a este a culpa pela sua fraqueza e ignorando a maldade do forte que perpetrou o ataque. É inviável que uma sociedade que pactue com isso possa sobreviver em democracia. A União Europeia não permite que um dos seus membros, por militarmente fraco que seja, possa ser atacado por uma potência exterior. Porque admite um ataque de banqueiros e outros investidores que pode deixar sequelas mais duradouras do que uma invasão militar?
Se a União Europeia não é suficiente forte, ou suficientemente solidária, para impedir isso, não merece existir. E se, mesmo assim, sobreviver, acabará por sofrer nos seus países mais poderosos aquilo que cobardemente consentiu que fosse feito aos seus membros mais desprotegidos.
De facto, quando o próprio FMI reconhece que não há base objectiva, a não ser um cálculo especulativo, para agravar a taxa de juro cobrada a Portugal, mas continua a encarar o nosso país como se ele tivesse uma culpa que o próprio FMI reconhece que ele não tem, está a passar a si próprio um certificado de cinismo do mais alto grau.
Dizer que o cartel de investidores só nos ataca porque somos economicamente frágeis, absolvendo-o assim da perversidade do ataque, é admitir que é legítimo um tipo de sociedade em que o forte esmaga o fraco, imputando a este a culpa pela sua fraqueza e ignorando a maldade do forte que perpetrou o ataque. É inviável que uma sociedade que pactue com isso possa sobreviver em democracia. A União Europeia não permite que um dos seus membros, por militarmente fraco que seja, possa ser atacado por uma potência exterior. Porque admite um ataque de banqueiros e outros investidores que pode deixar sequelas mais duradouras do que uma invasão militar?
Se a União Europeia não é suficiente forte, ou suficientemente solidária, para impedir isso, não merece existir. E se, mesmo assim, sobreviver, acabará por sofrer nos seus países mais poderosos aquilo que cobardemente consentiu que fosse feito aos seus membros mais desprotegidos.
De facto, quando o próprio FMI reconhece que não há base objectiva, a não ser um cálculo especulativo, para agravar a taxa de juro cobrada a Portugal, mas continua a encarar o nosso país como se ele tivesse uma culpa que o próprio FMI reconhece que ele não tem, está a passar a si próprio um certificado de cinismo do mais alto grau.
9 comentários:
Excelente texto.
Copiado para o Luminária.
Telegraficamente.
Subscrevo na íntegra.
Parabens!
( bento )
Telegraficamente.
Subscrevo na íntegra.
Parabens!
( bento )
Só posso agradecer a Xa2 por ter potenciado a difusão do meu texto.
Mas não gostaria que lhe fossem acrescentadas palavras, mesmo que seja apenas uma, sem que fique claro que se trata de um acrescento que não é da minha responsabilidade.
Excelente comentário, Rui. Tinha acabado de ver o deputado Nuno Melo a defender o cartel antes de ler esta tua reflexão. A UE só pode estar dominada pelo ultra liberalismo!
Caro Rui,
Perdoe-me esta invasão...
Podia fazer aqui, ainda por cima sem ser convidado, um longuíssimo comentário sobre o que escreveu, mas duvido que conseguisse ser suficientemente claro para o fazer mudar de opinião naquilo em que estamos em desacordo sobre o seu texto, pelo que prefiro não o fazer.
Também não faço ideia dos seus conhecimentos de economia e finanças, pelo que corro o risco de dizer algo que já sabe.
Mas deixe-me dizer-lhe que o risco de um empréstimo não se mede em saber "antes" se o devedor vai ter capacidade de o pagar "no fim", porque não há oráculos no mundo da finança. Mede-se pela probabilidade esperada do o vir a pagar, ou não, e a taxa de juro deve pelo menos cobrir esse risco.
Por exemplo, se a probabilidade de não receber no fim for de 50%, a taxa de juro que cobre esse risco é de 100%. Se o devedor de um crédito de 100 não pagar, o credor recebe 0, se o pagar, recebe 200, o que tem um valor médio ponderado de 100.
O problema não é tão simplista como isto, que pretende apenas ilustrar que quando o risco previsto sobe, a taxa de juro cobrada também deve subir.
Caro Manuel V. Pires:
Não se considere invasor. Considere-se bem-vindo.
O que eu pretendi sublinhar foi que : 1) neste caso, o "mercado de capitais" tem traços que o aproximam do cartel; 2) há uma apreciável componente especulativa na subida dos juros; 3 ) a importância desse desvio especulativo é suficientemente grande, para que vozes representativas do FMI e da UE, o tenham dito com a clareza contida que é timbre destas instâncias internacionais;4) que uma UE, que não é capaz de proteger os sesu membros destas agressões económicas é uma entidade que corre sérios riscos de colapso em tempestades futuras.
Isto não significa que os investidores não introduzam nas suas decisões os cálculos de risco correspondentes ao actual "estado da arte" nestas matérias. Mas nestes casos estão bem longe de se moverem apenas por regras de racionalidade económica.Pelo contrário, actuam simultaneamente como investidores e como predadores.
Agredeço as boas vindas, ainda por cima com a noção que provavelmente tenderemos mais a discordar do que a concordar.
Concordo com a maior parte do que diz aqui. Os mercados, resultado da intervenção não hierarquizada de múltiplos intervenientes independentes num negócio, correm sempre o risco de manipulação, de cartelização, de conluio (colusão, como dizem os tradutores apressados).
Mas essas formas de cooperação entre concorrentes colocam em causa os objectivos do mercado, prejudicam-no, e são consideradas práticas ilegais e mesmo criminais em muitos países.
E até pode acontecer que o preço alto actual dos juros do crédito à república portuguesa se deva a conluio, e não à avaliação independente e objectiva por cada um dos credores. Porque se fosse assim, e um credor avaliasse que um juro de 4% ou 5% seria suficiente para se remunerar do risco, não deixaria outro credor ganhar um leilão com juro de 6,5%.
Os mercados, quando funcionam estritamente de acordo com as regras da concorrência, podem ser mais justos do que parece, mesmo que cada interveniente procure apenas maximizar o seu próprio lucro. Mas o conluio é muito difícil de detectar e provar judicialmente.
No entanto, penso que atribuirmos a responsabilidade da nossa situação aos mercados nos desvia da tomada de consciência do nosso problema real, e da procura de soluções para ele.
E o nosso problema real é a dependência do crédito, e não a voracidade dos credores. Se não tivessemos de recorrer ao crédito (já agora, ouvi ontem um comentador dizer que o leilão da próxima semana será o último até ao fim do ano) ser-nos-ia indiferente que o credores nos quisessem exigir juros de 3% ou de 30% (já agora, quando comprei casa em 1985 fiquei a pagar juros de 35%), e os credores fariam provavelmente fila com ofertas de crédito a preços irrecusáveis.
A solução de fundo para o nosso problema é, pois, conseguir excedentes orçamentais, para ir amortizando dívida e reduzir gradualmente a nossa exposição aos mercados, e não lamentarmo-nos da sua voracidade.
1. Como sou socialista, não acho que, no seio de uma sociedade capitalista, haja uma boa solução duradoura para os principais problemas das sociedades actuais.
Como defendo o gradualismo reformista na transformação social, não acho que o quanto pior melhor tenha algo de positivo. Compreendo, por isso, que, se é certo que os partidos socialistas não devem renunciar a uma sociedade outra, não podem também esquecer, como problema imediato, a necessidade de que esta sociedade vá funcionando tão bem quanto possível.
Não sendo viável ir muito mais longe, neste lugar, na discussão iniciada,apenas quero dizer que estou longe de menosprezar muitos dos problemas que afligem, no plano estrutural e estratégico, a nossa economia, mas estou convencido de que muitos deles foram e são profudamente agravados pelo facto de a nossa subalternidade, ter tornado possível uma verdadeira e continuada trasnferência de renda para fora do nosso país.
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