Mas se algum inesperado vulto se erguer numa súbita coragem, para dizer estou aqui, ainda se terá que perguntar se partilha a adesão ao essencial do caminho percorrido, apenas exacerbando detalhes num arremedo de demarcação, ou se, realmente, se afirma pela convicção de ser necessário enveredar por um outro caminho, qualitativamente distinto do que tem vindo a ser trilhado.
Se estivermos perante uma demarcação substancial, ficará aberta a porta para um Congresso útil que, valendo naturalmente pelas suas opções mais estruturantes , valeria também, desde logo, pelo tipo de debate em que necessariamente se traduziria. Mas, neste ponto, há que sublinhar que de modo nenhum, se poderá aferir a profundidade e a autenticidade de qualquer alternativa pelo grau de veemência do discurso. Veemência que facilmente o poderá aprisionar num tom insultuoso, em detalhes conjunturais ou em trivialidades. Mas deve também estar-se atento ao risco de o saudável vigor crítico praticado no interior do PS se alimentar das agendas políticas da propaganda dos nossos adversários.
A consistência e a radicalidade das demarcações de fundo são factores qualificantes do debate e indícios de uma utilidade objectiva para o Partido dos protagonismos em que se traduza. Os insultos, os processos de intenções, as vozearias, que se encerram em questões menores, são apenas indício de primarismo político, facilmente apropriáveis pelos quadrantes políticos adversários, como armas ao seu serviço. Verdadeiramente, quem seguir por esses caminhos sôfregos e crispados, quer no assalto aos virtuais castelos do poder quer na sua defesa, não será, por certo, um elemento da seiva da vida política, podendo, pelo contrário, contribuir para o seu descrédito. E nunca poderá ser encarado como um protagonista de uma acção cívica, mas pode ser olhado com um simples galaró de combate, absorvido pela fúria estéril de um rixa que só pode contribuir para tornar a vida política mais rasteira e abafada.
Só uma radicalidade estratégica, resolutamente ancorada num horizonte socialista, poderá dar sentido a qualquer alternativa, rompendo a estéril disputa gerada por uma espécie de concorrência entre perfis individuais ou entre tribos. Dito isto, não se deve cair no erro de julgar que qualquer proposta de uma orientação política alternativa se pode limitar a este ponto de partida. Mas, sem este ponto de partida, nenhuma verdadeira alternativa se pode construir.
2. Quem do exterior do PS pensar que, sem recurso a novas eleições, Sócrates deve ser substituído como primeiro-ministro ou que deve ser substituído no PS por um novo líder num próximo Congresso, pode merecer discordância, mas não passa a fronteira da irracionalidade ou da hipocrisia, se o fizer como simples cidadão que exprime uma opinião.
Mas, se disser o mesmo, na qualidade de um actor político que quer contribuir para ver concretizado o que diz, merece uma observação. Pode ser encarado de duas maneiras. Numa primeira hipótese, essa posição é um simples fingimento. Fingimento de quem, achando embora que Sócrates deve continuar, por julgar que essa continuidade beneficia os seus adversários, diz o contrário, por pensar que assim reforça a hipótese de que isso não aconteça. Quem assim proceda, podendo ser qualificado como cínico, não deve ser considerado como politicamente estúpido. A sua estratégia pode ser eticamente repugnante, mas tem uma lógica que a torna compreensível.
Numa segunda hipótese, esse actor político diz o que pensa e quer. Ou seja, ele quer ver Sócrates pelas costas, mesmo que o Governo continue a ser do PS . Nesse caso, a sua tomada de posição pública é uma atitude grosseiramente estúpida de um ponto de vista político.
Realmente, quanto mais relevantes e numerosas forem as vozes exteriores ao PS, apontando nesse sentido, menos provável será que o PS as acolha positivamente. De facto, devia fazer parte da informação mínima de qualquer actor político português, a fortíssima improbabilidade de o PS alguma vez consentir que lhe ditassem do seu exterior quem deve ser o seu secretário-geral, ou quem deve ser indicado para liderar um governo do PS. E quanto mais os seus adversários, ou seja quem for do seu exterior, falarem nisso, mais se acentuará essa improbabilidade, bem como o repúdio por essa via no interior do Partido. De facto, cada voz pública nesse sentido reforça a irredutibilidade da sua recusa.
Por isso, pode afirmar-se, com segurança, que os actores politicos exteriores ao PS, que publicamente insistam na ideia de que o Partido deve fazer com que Sócrates saia da chefia do Governo e da sua liderança, ou