1. Apoiei Mário Soares nas últimas eleições presidenciais e continuo a pensar que, na conjuntura que então se atravessava, perante o perfil político assumido pelas várias candidaturas e dadas as circunstâncias particulares que rodearam a respectiva apresentação, foi essa a melhor opção sendo eu, então como agora, militante do PS.
Passaram cinco anos, durante os quais Manuel Alegre e o PS conseguiram gerir um relacionamento mútuo, naturalmente complexo, sem que se separassem e sem que nenhum deles perdesse a face, no plano por si ocupado. Na campanha eleitoral para as recentes eleições legislativas, tive a oportunidade de participar nas ovações com que foi possível brindarmos Manuel Alegre num comício do PS. Todos sabemos que sem a interferência positiva de Alegre, provavelmente, não estaria hoje à frente da Câmara Municipal de Lisboa um socialista. As circunstâncias que rodeiam o novo governo do PS também são novas e estamos a sair penosamente de uma crise do capitalismo mundial, com reflexos graves em Portugal e na União Europeia, que a esquerda tem permitido que se oculte por detrás da malvadez circunstancial de uns poucos.
Estamos hoje, por isso, numa situação diferente, pelo que encaro uma segunda candidatura de Manuel Alegre como tendo um significado político distinto daquele que teve em 2006, o que não me impede de reconhecer que a força política própria que lhe deu o resultado da primeira candidatura é um importante recurso político da segunda. Por isso, há muito que me parece que seria uma boa hipótese de combate político uma nova candidatura de Manuel Alegre às eleições presidenciais, o que me levou, há cerca de um mês atrás, a tornar público, num semanário de circulação nacional, o meu apoio a essa possível candidatura. Congratulo-me, por isso, naturalmente, que ela se tenha confirmado.
Sou amigo e admirador de Manuel Alegre há muitos anos, mas não é por isso que o apoio. Durante esses largos anos estive muitas vezes de acordo com ele e muitas vezes em desacordo. Apoio-o, porque acho que uma candidatura dele, na actual conjuntura, é a única que pode ter repercussões positivas na descrispação geral das esquerdas nas relações ente si, para além de ser a que melhor se pode articular com os interesses prospectivos e de largo prazo do partido de que sou militante, o PS. Digo, articular: o que implica diferenciação e complementaridade, lealmente pactuadas com proveito para ambas as partes, rumo a um desenlace auspicioso. Por tudo isto,encaro-a como uma candidatura potencialmente vencedora, que pode desencadear uma dinâmica popular de esperança num horizonte libertador. E, mesmo que não vença, pode deixar bons frutos imediatamente consumíveis.Mas, insisto, pode ganhar.
2. Entra-se agora num período em que o pré-candidato fica particularmente exposto a um leque alargado de riscos políticos. Ocorrem-me, de momento, dois riscos gerais de sentido oposto que a nova candidatura de Manuel Alegre pode correr: fazer supostamente a vontade aos novos apoiantes (sejam eles pessoas ou organizações), apresentando-se como uma dinâmica que nada tem a ver com a sua primeira candidatura; fazer supostamente a vontade aos apoiantes dessa candidatura, apresentando a nova como simples reprodução da primeira. É o próprio candidato que tem que conseguir mostrar objectivamente a sua fidelidade aos objectivos mais amplos e englobantes da sua primeira candidatura e o rasgo de futuro que empresta novidade, uma nova amplitude e um novo sentido, à segunda.
É da natureza das coisas que os partidos políticos, que se disponham a apoiar Alegre, queiram retirar desse apoio proveitos políticos próprios. É condição da sua sobrevivência que o candidato consiga manter essa procura de proveitos dentro dos limites do razoável. É claro, que é positiva a convergência de vários partidos no apoio a esta candidatura, mas seria estulto esquecer que o apoio do PS, não sendo condição necessária para a sua apresentação, é indispensável para que Manuel Alegre tenha hipóteses de ser eleito e para que a sua candidatura possa ter uma influência positiva na reanimação da esquerda, no seu todo. Isso não significa que o candidato deva aceitar uma qualquer menorização do seu protagonismo pessoal, no processo em causa, mesmo em benefício do partido politicamente nuclear do espaço que pretende abranger, o que aliás nem sequer seria do interesse desse partido, que precisa de ter um presidente de esquerda no topo do Estado. Mas se Manuel Alegre não deve aceitar submergir-se, mesmo perante um Partido com mais de 35% de expectativas de voto, muito menos pode consenti-lo a um outro Partido com pouco mais de 10% de expectativas de voto , ainda por cima assente numa das franjas radicais do eleitorado.
Seria também politicamente muito salutar que aqueles que ao longo destes últimos anos mais claramente se tenham feito conotar com o candidato, compreendessem que em nada beneficiam a nova candidatura, continuado a comportar-se como se ainda estivessem aprisionados na ressaca da primeira. Instituírem-se em porteiros de um imaginário Olimpo, para perguntarem aos que chegam se reconhecem o grande erro de só apoiarem a segunda candidatura e terem desapoiado a primeira, é verdadeiramente suicida. Subirem ao banco da própria fogosidade e interpelarem directamente, nesses termos, figuras públicas que estejam ou possam vir a estar nessa situação, excede o imaginável. A partir de agora, o que está em causa é a conquista de novos apoiantes e não o fechamento de um qualquer quadrado de indefectíveis, mais ou menos crispados. O que está em causa é uma competição política e não uma troca de vénias ou de farpas, sejam elas as mais saborosas e sofisticadas.
Também seria bom que se encarassem com mais serenidade as manobras pífias que uns poucos dentro do PS têm posto em prática para travarem o apoio do Partido a Manuel Alegre. Distingo essas manobras das posições de Mário Soares. Quanto às primeiras, ou implicaram abusivamente figuras que expressamente os desautorizaram, ou apoiaram-se em nomes que, em si próprios, seriam garantia de uma derrota humilhante. A única importância que esses proto-pré-candidatos adquiriram foi a de terem sido contrapostos a um pré-candidato, esse sim, politicamente relevante.
Por mim, defensor das eleições primárias para escolha do candidato a apoiar pelo PS, seria esse o caminho mais simples e linear. Nessa competição, bater-me-ia pelo candidato que apoio, estando certo que a sua vitória seria folgada e que essas primárias seriam um excelente impulso para a campanha eleitoral externa que naturalmente se seguiria. Mas, se não há primárias não é por causa daqueles que, tal como aconteceu comigo, defenderam essa solução dentro do PS, mas por culpa daqueles que, sucessivamente maioritários dentro do Partido, têm vindo a resistir, ano após ano, a essa inovação política dia a dia mais indispensável.
Com Mário Soares o problema é mais complexo, por estar impregnado por uma enorme carga afectiva, potenciada pelos elos pessoais que uniram a ambos durante décadas. É claro que o apoio de Mário Soares não será indispensável para que possa surgir uma nova candidatura presidencial de Manuel Alegre, mas a vitória deste último ficaria mais próxima com esse apoio.
Esperemos que mais para diante possa haver uma aproximação entre ambos, sendo certo que é esta uma daquelas pendências que só os dois pessoalmente podem resolver. Seja como for, quem tenha ouvido e lido um e outro, ao longo dos últimos anos, certamente terá reparado que no essencial e prospectivamente, no plano global e estratégico, há uma grande proximidade entre as posições de um de outro. Por isso, para essa convergência o essencial, na minha opinião, já está adquirido, faltando o que é mais episódico e conjuntural, embora difícil. De qualquer modo, insisto, eis um terreno onde só os dois protagonistas se podem mover com proveito.
Como muitos socialistas das diversas sensibilidades internas do PS, apoio esta candidatura de Manuel Alegre à Presidência da República sem ter apoiado a primeira, por achar que ela vai permitir que o elejamos como Presidente, o que será bom para Portugal, mas também para a esquerda, em geral, e para o PS, em particular. Somamo-nos assim aos muitos outros socialistas que já apoiaram Alegre nas eleições anteriores e sabemos que se as regras democráticas forem respeitadas, há-de vir a ser essa a posição oficial do PS.