Mais uma vez, após seu expresso consentimento, dou a palavra ao Pio Abreu no Grande Zoo. São três manifestações do “estranho quotidiano” que nos rodeia, que pela sua unidade temática vão ser transcritas em conjunto. Aliás, foi recentemente divulgada em livro pela Dom Quixote uma colectânea deste tipo de crónicas de J. L. Pio Abreu, tendo exactamente como título “Estanho Quotidiano”.
Estes textos falam por si; e falam bem. Alertam-nos para uma pirataria moderna melifluamente ungida por imaginária virtude e falsamente revestida de um alegado rigor, que mais não é do que um colete de ferro, destinado a impedir que as nossas sociedades evoluam para novos patamares de justiça e de liberdade.
É como se nos quisessem impor um falso critério de excelência, cuja única finalidade é prender-nos irremediavelmente à mediocridade.
Mas, percorramos as três crónicas do Pio Abreu saídas no DestaK, ao longo deste mês de Janeiro de 2010.
1. A corja
8/1/2010
Uma vantagem da crise foi livrar-nos da petulância dos economistas liberais. Eles, que nos anos 90 sonhavam um mundo perfeito comandado pelo Mercado, que apregoavam as vantagens do Estado mínimo, que viam como crime a injecção de moeda pelos Bancos Centrais, que apontavam como modelo a Islândia e a Irlanda, que achavam seguros os negócios do Lehman Brothers, calaram-se e esconderam-se quando viram tudo isso ruir numa crise que não souberam prever.
Quando apareciam, envergonhadamente, era para pedir a salvação dos bancos e felicitar os Governos que o faziam. Já aceitavam a injecção de dinheiro, achavam bem a nacionalização dos Bancos e que os Estados se endividassem para os salvar. Até pediam ética na actividade económica, chegando a criticar os ordenados milionários e a existência de Offshores.
Foi assim que os Bancos foram salvos e a sua crise acabou. Mas continua a crise das empresas a quem eles cobram juros elevadíssimos, aumentando, por arrasto, o desemprego. O problema já não é dos Bancos, mas sim dos Governos que perdem receita e gastam na protecção social. Mas o pior é que estão aí de novo os economistas em todo o seu esplendor.
E o que dizem eles agora? O mesmo que há 10 anos, quando glorificavam a Islândia e a Irlanda: que o Estado não se pode endividar e, como perde receita e aumenta a despesa, só lhe resta vender-se. Vender-se, a começar pelas escolas e hospitais, dizem eles. A mim, dá-me vontade de dizer que nos livrem dessa gente. O seu receituário já fez mal que chegue.
2. O homem do fraque
15/1/2010
Lembram-se do homem do fraque? Era uma alternativa às “cobranças difíceis”. Um homem vestido com um fraque acompanhava o devedor para todo o lado, chamando a atenção para o “caloteiro”. Quem o contratava era, evidentemente, o credor, esperando assim que a vergonha do perseguido o levasse a pagar.
Os Estados também têm o seu homem do fraque. Pertence às agências de rating que, entretanto, introduziram algumas diferenças. Ele não assinala quem deve (quase todos os Estados devem), mas quem não tem possibilidade de pagar o que deve. Além disso, ele não é pago pelos credores, mas sim pelos devedores. Talvez lhe paguem para que se mantenha longe. De facto, enquanto a crise já corria, com grandes instituições e alguns Estados a falir, ele não assinalou qualquer risco para os credores.
Para recuperar a credibilidade perdida, as agências de rating estão aí de novo. Descobriram que só acertam quando trazem más notícias, como aconteceu em tempos no Canadá. Basta prever algum risco para que a reacção dos mercados e o aumento dos juros endividem mais o Estado. O pior é que os Bancos locais ficam com o negócio estragado porque, também eles, passam a pagar taxas de risco. A simples profecia faz realizar o desastre.
O homem do fraque anda agora na Europa. Está na Grécia, que teve de recorrer ao FMI. Foi à Espanha, a França e ao Reino Unido, por adoptarem medidas keynesianas para vencer a crise, o que parece ser crime. Mas veio também a Portugal para condicionar o próximo orçamento. Os nossos banqueiros andam assustadíssimos.
3 . CDSs
22/1/2010
Suponha o leitor que acaba de descobrir que terá uma vida curta. Tem vários seguros de vida mas precisa do dinheiro agora. Pode então nomear algumas pessoas como beneficiários, com a condição de lhe pagarem. Como a indemnização estará próxima, elas pagarão bem o benefício que lhes oferece. Mas a venda dos seguros de vida fará com que os compradores fiquem atentos à sua saúde: se um médico certificar que está mais doente, os seguros valerão mais, e mais gente se dispõe a comprá-los. A revenda começa então a ser um negócio. Quanto mais doente estiver, maiores os lucros de quem aposta na sua morte rápida. Imagina agora o que lhe pode acontecer?
Se este cenário é ficção, ele existe com os seguros sobre a vida económica de empresas e nações, os CDS (Credit Default Swaps). Compram-se e vendem-se num mercado desregulado e deixaram de cumprir os objectivos para que foram criados. Várias vozes, incluindo as de Obama, Alan Greenspan, Warren Buffet e Myron Scholes, que participou na organização dos swaps, avisaram para o perigo que representam e clamam por regulação. George Soros tem demonstrado que o seu valor, agravado pela especulação, já não reflecte a saúde das empresas e nações, sendo antes factor de destruição que pode gerar novas crises.
Da influência dos CDSs na crise actual, já ninguém se lembra. Estes produtos tóxicos estão de novo a enriquecer os ex-falidos Bancos de Investimento e a destruir a saúde das nações. Contam com a ajuda das agências de rating que, para já, nos diagnosticaram uma “morte lenta”.
Estes textos falam por si; e falam bem. Alertam-nos para uma pirataria moderna melifluamente ungida por imaginária virtude e falsamente revestida de um alegado rigor, que mais não é do que um colete de ferro, destinado a impedir que as nossas sociedades evoluam para novos patamares de justiça e de liberdade.
É como se nos quisessem impor um falso critério de excelência, cuja única finalidade é prender-nos irremediavelmente à mediocridade.
Mas, percorramos as três crónicas do Pio Abreu saídas no DestaK, ao longo deste mês de Janeiro de 2010.
1. A corja
8/1/2010
Uma vantagem da crise foi livrar-nos da petulância dos economistas liberais. Eles, que nos anos 90 sonhavam um mundo perfeito comandado pelo Mercado, que apregoavam as vantagens do Estado mínimo, que viam como crime a injecção de moeda pelos Bancos Centrais, que apontavam como modelo a Islândia e a Irlanda, que achavam seguros os negócios do Lehman Brothers, calaram-se e esconderam-se quando viram tudo isso ruir numa crise que não souberam prever.
Quando apareciam, envergonhadamente, era para pedir a salvação dos bancos e felicitar os Governos que o faziam. Já aceitavam a injecção de dinheiro, achavam bem a nacionalização dos Bancos e que os Estados se endividassem para os salvar. Até pediam ética na actividade económica, chegando a criticar os ordenados milionários e a existência de Offshores.
Foi assim que os Bancos foram salvos e a sua crise acabou. Mas continua a crise das empresas a quem eles cobram juros elevadíssimos, aumentando, por arrasto, o desemprego. O problema já não é dos Bancos, mas sim dos Governos que perdem receita e gastam na protecção social. Mas o pior é que estão aí de novo os economistas em todo o seu esplendor.
E o que dizem eles agora? O mesmo que há 10 anos, quando glorificavam a Islândia e a Irlanda: que o Estado não se pode endividar e, como perde receita e aumenta a despesa, só lhe resta vender-se. Vender-se, a começar pelas escolas e hospitais, dizem eles. A mim, dá-me vontade de dizer que nos livrem dessa gente. O seu receituário já fez mal que chegue.
2. O homem do fraque
15/1/2010
Lembram-se do homem do fraque? Era uma alternativa às “cobranças difíceis”. Um homem vestido com um fraque acompanhava o devedor para todo o lado, chamando a atenção para o “caloteiro”. Quem o contratava era, evidentemente, o credor, esperando assim que a vergonha do perseguido o levasse a pagar.
Os Estados também têm o seu homem do fraque. Pertence às agências de rating que, entretanto, introduziram algumas diferenças. Ele não assinala quem deve (quase todos os Estados devem), mas quem não tem possibilidade de pagar o que deve. Além disso, ele não é pago pelos credores, mas sim pelos devedores. Talvez lhe paguem para que se mantenha longe. De facto, enquanto a crise já corria, com grandes instituições e alguns Estados a falir, ele não assinalou qualquer risco para os credores.
Para recuperar a credibilidade perdida, as agências de rating estão aí de novo. Descobriram que só acertam quando trazem más notícias, como aconteceu em tempos no Canadá. Basta prever algum risco para que a reacção dos mercados e o aumento dos juros endividem mais o Estado. O pior é que os Bancos locais ficam com o negócio estragado porque, também eles, passam a pagar taxas de risco. A simples profecia faz realizar o desastre.
O homem do fraque anda agora na Europa. Está na Grécia, que teve de recorrer ao FMI. Foi à Espanha, a França e ao Reino Unido, por adoptarem medidas keynesianas para vencer a crise, o que parece ser crime. Mas veio também a Portugal para condicionar o próximo orçamento. Os nossos banqueiros andam assustadíssimos.
3 . CDSs
22/1/2010
Suponha o leitor que acaba de descobrir que terá uma vida curta. Tem vários seguros de vida mas precisa do dinheiro agora. Pode então nomear algumas pessoas como beneficiários, com a condição de lhe pagarem. Como a indemnização estará próxima, elas pagarão bem o benefício que lhes oferece. Mas a venda dos seguros de vida fará com que os compradores fiquem atentos à sua saúde: se um médico certificar que está mais doente, os seguros valerão mais, e mais gente se dispõe a comprá-los. A revenda começa então a ser um negócio. Quanto mais doente estiver, maiores os lucros de quem aposta na sua morte rápida. Imagina agora o que lhe pode acontecer?
Se este cenário é ficção, ele existe com os seguros sobre a vida económica de empresas e nações, os CDS (Credit Default Swaps). Compram-se e vendem-se num mercado desregulado e deixaram de cumprir os objectivos para que foram criados. Várias vozes, incluindo as de Obama, Alan Greenspan, Warren Buffet e Myron Scholes, que participou na organização dos swaps, avisaram para o perigo que representam e clamam por regulação. George Soros tem demonstrado que o seu valor, agravado pela especulação, já não reflecte a saúde das empresas e nações, sendo antes factor de destruição que pode gerar novas crises.
Da influência dos CDSs na crise actual, já ninguém se lembra. Estes produtos tóxicos estão de novo a enriquecer os ex-falidos Bancos de Investimento e a destruir a saúde das nações. Contam com a ajuda das agências de rating que, para já, nos diagnosticaram uma “morte lenta”.
1 comentário:
Boa postagem.Assunto actual a merecer uma leitura atenta.
O Grande Zoo continua no bom caminho.
João Rocha
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