sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Uma imprensa antidemocrática

Faço uma pequena pausa nas minhas férias, para transcrever mais um texto publicado na excelente revista brasileira de grande circulação, CartaCapital. "Uma imprensa antidemnocrática ", é o título do artigo, assinado por Maurício Dias. Trata-se de um comentário a posições assumidas por um importante pensador brasileiro da actualidade, Wanderley Guilherme dos Santos. E é isso, precisamente, que mais justifica a reprodução do texto . Ei-lo:


Uma imprensa antidemocrática
28/08/2009



A imprensa brasileira tem sido adversária histórica das instituições representativas do País.” Essa frase, um dos mais duros veredictos já feitos sobre a imprensa brasileira, é de Wanderley Guilherme dos Santos, professor aposentado de teoria política da UFRJ, fundador do Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro (Iuperj) da Universidade Candido Mendes, e consagrado pela Universidade Autônoma do México, em 2005, um dos cinco mais importantes cientistas políticos da América Latina. Ela é parte do começo de uma conversa em torno da histórica tendência golpista da imprensa brasileira, que começa assim: “Com o fim da Segunda Guerra Mundial terminou também o Estado Novo brasileiro, ditadura civil que se iniciara em 1937. No mundo todo, mas em particular no Brasil, as elites políticas tradicionais se viram acompanhadas por um eleitorado em torno de 7 milhões, mais de dez vezes superior ao da Primeira República, e um movimento sindical legalizado e participante de algumas estruturas estatais, como os institutos de pensões e aposentadorias dos trabalhadores urbanos”. Segundo ele, a imprensa brasileira “sem embargo da retórica democrática”, tornou-se a principal adversária das instituições representativas. “A exemplo de toda a imprensa, denominada grande, latino-americana, “jamais hesitou em apoiar todas as tentativas de golpe de Estado, quando estas significavam a derrubada de presidentes populares ou o fechamento de congressos de inclinação mais democrática”, denuncia Wanderley Guilherme. “No Brasil – prossegue –, não existe um só jornal de grande circulação que se posicione a favor dos respectivos congressos nacionais, nas esparsas ocasiões em que estes parecem funcionar.” Por outro lado, ele anota que “toda vez que a direita recrudesce nas urnas, sempre encontra a simpatia midiática”. “No Brasil, o único período em que o governo contou com o respaldo de algum jornal de certa respeitabilidade foi durante o segundo governo Vargas, com a Última Hora. Não houve um único jornal popular, de grande circulação no Brasil, durante esse período”, diz Wanderley Guilherme. Última Hora também foi o único reduto jornalístico contra o golpe de 1964, que toda a mídia apoiou. Sem qualquer constrangimento. Conceitualmente, ele lembra, a imprensa, além de ser um instrumento de difusão de informação e análise, é um ator político “na medida em que forma opinião, agenda demandas e que, eventualmente, beneficia ou cria obstáculos para governos”. Wanderley Guilherme comenta: “A imprensa brasileira exerce, e tem todo o direito, de ter opinião e preferências políticas. No Brasil, no entanto, ela diz que apenas retrata a realidade. É falso. Há muito da realidade que não está na imprensa e há muito do que está na imprensa que não está na realidade”. Não é novidade no mundo democrático. Novidade, como explica Wanderley Guilherme, é presumir e passar a impressão de que isso não acontece. “A imprensa brasileira não tolera a ideia de governos independentes, autônomos em relação às suas campanhas. Isso implica um caminho de duas mãos. Significa que ela terá de sobreviver sem os governos. Então, é preciso que os governos precisem dela”, conclui. É um retrato do momento que o Brasil atravessa no alvorecer do século XXI.

1 comentário:

António Horta Pinto disse...

A questão é pertinentíssima. Até que ponto é que há, mesmo nos países democráticos, "liberdade de expressão"? Há liberdade de expressão para os cidadãos "mediáticos"; mas não a há para os outros. Se Pacheco Pereira resolver escrever uma série de asneiras sobre futebol, ou Cristiano Ronaldo quiser dizer uma série de disparates sobre política, todos os jornais estarão dispostos a publicar esses chorrilhos de asneiras, só porque são assinados por cidadãos "mediáticos".Mas se, por exemplo, o Rui Namorado escrever um artigo inteligentísssimo sobre política, provavelmente nenhum jornal importante estará disposto a publicá-lo, pela única razão de ele não ser mediático. Como diz o provérbio, "vale mais caír em graça do que ser engraçado". Verdadeira liberdade de expressão só a há em certa "blogosfera", como esta, em que qualquer anónimo cidadão como eu pode dizer o que pensa. Mas a quantas pessoas chega o que aqui se diz? 20? 30? Que é isso comparado com os 150.000 que lêem o "Expresso"?