domingo, 13 de setembro de 2009

Sondagens, crispação e magia

Se tivermos em conta as cinco sondagens divulgadas pela comunicação social portuguesa, depois das eleições europeias de Junho passado, a maior parte das quais saídas nos últimos dias e todas elas respeitantes às intenções de voto nas próximas eleições legislativas, verificamos a existência de uma relativa estabilidade nos resultados.

E essa estabilidade não deixa de ser relevante, apesar de nem todas as sondagens terem seguido o mesmo critério para a distribuição dos indecisos. No entanto, se da verdadeira hecatombe da credibilidade das sondagens, suscitada pela discrepância entre elas e os resultados das recentes eleições europeias, não tiver havido alguma recuperação, o interesse prestado a todas elas será certamente escasso.

Assim, todos esperaremos pelas primeiras projecções das consultas feitas à boca das urnas, no próximo dia 27, para ficarmos com uma ideia dos resultados eleitorais que condicionarão o país nos próximos anos.

De facto, para se saber qual será o partido mais votado será desta vez necessário esperar pelo “fim do jogo”. E mesmo assim, há sondagens que apontam para o risco de, sendo pequena a diferença, o partido mais votado não ser o que fica com mais deputados, especialmente se esse partido for o PS.

Mas também parece claro que a direita (PSD+CDS) poucas probabilidades tem de atingir a maioria absoluta, já que em nenhuma das sondagens ficou acima dos 41%, patamar aliás muito próximo do que alcançou nas eleições europeias. Ou seja, no seu todo, a direita parece estagnada eleitoralmente.

Isto significa que as probabilidades de um governo do PSD, sozinho ou acompanhado, são diminutas. A não ser que tenha êxito a manobra que consiste em dar valor político absoluto, como pressuposto da ocupação do governo, ao facto de um partido ser o mais votado ou dispor do maior número de deputados. De facto, ao contrário da obtenção de uma maioria parlamentar pela direita, é uma hipótese possível, à luz das sondagens existentes, que o PSD tenha mais votos ou mais deputados que o PS.

Alguns ideólogos da direita e comentadores do complexo mediático dominante têm vindo a sussurrar subtilmente a ideia que essa manobra é algo de constitucionalmente natural ou até imperativo. Nada de mais mistificatório. O que nos diz o art.187 da Constituição da República Portuguesa é o seguinte: “O Primeiro-Ministro é nomeado pelo Presidente da República, ouvidos os partidos representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais.” Ou seja, é o conjunto dos resultados eleitorais, pela relação de forças global que projectem no seu todo, que têm que ser tidos em conta na decisão do Presidente da República. O legislador constitucional não fala "no maior número de deputados" nem "no partido mais votado", apenas por que não concedeu a qualquer desses possíveis pressupostos uma relevância absoluta. Se tivesse concedido, tê-lo-ia naturalmente dito.


É claro que é um elemento muito importante dos resultados eleitorais o facto de um partido ser o mais votado (e, principalmente, o facto de ser o partido com mais deputados). Normalmente, essa circunstância não se confronta com outros aspectos do conjunto dos resultados eleitorais que a possam secundarizar. Mas há casos em que isso acontece.


O cenário, atrás admitido como possível, de termos o PSD como partido vencedor no quadro de uma maioria parlamentar de esquerda é um deles.


E, se assim for, ou o Presidente da República se assegura expressamente, ao ouvir os partidos políticos, que não será aprovada uma moção de rejeição do programa de governo do PSD, ou só lhe restará um de dois caminhos: suscitar uma coligação de esquerda como base de um governo, ou encarregar o PS como o mais votado partido de esquerda de formar um governo minoritário, no pressuposto de que o PCP e o BE não convergirão com a direita numa eventual moção de rejeição do programa desse governo.


Que o Presidente da República tente forçar a complacência do PS para com um governo do PSD, no quadro de uma relação de forças em que a direita é minoritária, parece-me eticamente discutível e democraticamente insustentável. Que o PS possa, seja em que circunstâncias for, ceder a essas hipotéticas pressões, parece-me inconcebível. Seria, aliás, de uma ironia amarga, que as insuficiências da direita e as conveniências presidenciais de Cavaco, viessem a ser pagas pelo suicídio político do PS.


Por isso, tenho defendido, nos órgãos próprios do Partido, que o PS deveria tornar claro durante a campanha eleitoral que, correspondendo ao modo como a direita o tem tratado e se tem referido à sua política, apresentaria uma moção de rejeição de qualquer governo de direita, fosse ele minoritário ou maioritário. Ao PCP e ao BE caberia depois posicionarem-se quanto a isso. Se também declarassem apoiar qualquer moção de rejeição de qualquer governo de direita apresentada pelo PS, o PR ficaria desde logo objectivamente deslegitimado para convidar o PSD a formar governo, no caso de a direita estar em minoria na Assembleia da República. Se aceitassem viabilizar um governo minoritário do PSD, dando seguimento à convergência anti-PS que têm praticado, seriam corresponsáveis por essa solução.


E não se invoque a legitimidade formal de um bloco central para forçar a referida complacência do PS. De facto, continua vivo o contraponto entre a esquerda e a direita, apesar de não ser essa a única clivagem que caracteriza o cenário político actual e de não ser homogéneo qualquer dos dois campos daí resultantes. Fingir que esse contraponto não existe, para mais depois de uma campanha eleitoral em que sempre esteve presente, seria defraudar estruturalmente a vontade que assim tivesse sido expressa pelo eleitorado.


Aliás, sem menosprezar as diferenças existentes dentro de cada campo quanto à avaliação da actual crise e ao modo como se lhe deve responder, há uma clara clivagem entre a esquerda e a direita, quanto ao sentido estratégico e quanto à tipologia dessa resposta. Por isso, sob pena de uma profunda incoerência, para não falar na indignidade que seria esquecer a miserável campanha que a direita tem feito contra o PS, ele não pode viabilizar qualquer governo de direita, co-responsabilizando-se, implícita mas irremediavelmente, pela sua governação.


Quanto aos outros partidos, o BE parece ter seguro um terceiro lugar confortável, sendo uma surpresa se o CDS escapar do último.


Há, entretanto, uma atmosfera algo carregada pelo receio de que alguns poderes de facto economicamente relevantes possam vir a pressionar alguns partidos políticos para que de uma maioria clara de esquerda possa resultar um governo de direita.


Por mim, limito-me para já a recordar que, quando, em 1985, dominados pelas respectivas estratégias presidenciais, o PS, o PRD e o PCP, dispondo em conjunto de uma larga maioria parlamentar, permitiram que o PSD governasse sozinho durante dois anos, embora não tivesse chegado a ter 30% dos votos, abriram assim a porta a 10 anos de cavaquismo. O PS demorou esses dez anos a recuperar, o PCP não voltou a atingir os níveis eleitorais anteriores ao cavaquismo e o PRD desapareceu em poucos anos.

E nada nos diz que uma nova tergiversação da esquerda não dê origem a uma nova década de hegemonia da direita, o que, nas actuais circunstâncias, implicaria custos politico-sociais inimagináveis.

3 comentários:

Ademar Santos disse...

Meu caro Rui Namorado

Concordo no essencial com o que escreveste aqui. Só não sei se o teu PS aceitará deixar cair Sócrates para poder chegar a um entendimento de governo com o BE e a CDU. Esta seria, sem duvida, a melhor solução de esquerda para o país. Como tu, decerto, já percebeste, com Sócrates... o PS está sozinho. Fez asneiras a mais em matérias nevrálgicas e inviabilizou, à partida, qualquer entendimento com o BE e a CDU.

Um abraço

Rui Namorado disse...

Caro Ademar:

Não conheço na longa história de acordos inter-partidários nenhum que tenha tido como primeiro passo a exigência para que um dos partidos mude de lider. Por isso, essa condição prévia é, na prática, uma recusa de acordo.
E como tal será encarada pelos eleitores de esquerda, quando forem penalizados com a instituição de um poder de direita, que não reflecte a relação de forças saída das eleições.

Um abraço.

João Pedro Freire disse...

Caro Rui Namorado,
O problema de Sócrates é que ele e a sua direcção consideram que toda a governação dos últimos 4 anos "não tem falhas", "não merece ser alterada" e até a consideram de "esquerda" (é claro que "moderna" ...).
Quando se fala de Sócrates como um obstáculo para qualquer entendimento à esquerda, a grande questão são precisamente as políticas de que ele não abdica, por exemplo, a relacionada com os professores. Sócrates, contra as opiniões criticas existentes no PS, imagina-se como o "centro do mundo" e isso prejudica qualquer diálogo.
É claro que quando se inicia um diálogo entre partidos diferentes, à esquerda, nenhum partido pode colocar como condição que o outro partido mude de líder. Essa é uma decisão que cabe sempre aos militantes do partido em causa. E no caso do PS, os militantes deveriam reflectir sobre a sua direcção política, caso o PS perca a maioria absoluta e empate ou fique atrás do PSD. Será que se isso acontecer, não será correcto afirmar que a actual direcção do PS falhou nos seus objectivos políticos e foi chumbada pelo eleitorado quanto às políticas que desenvolveu nos últimos 4 anos ?
Mas falhando Sócrates, o PS continua a ser imprescindível para uma solução governativa de esquerda. Uma solução que surge da constatação da existência de uma maioria social de esquerda e que terá de ter expressão política na convergência de todos os partidos de esquerda representados na Assembleia da Republica que sair de 27 de Setembro.
João Pedro Freire
Tribuna Socialista http://militantesocialista.blogspot.com