Uma estadia recente em Sevilha, para participar num Congresso, de que dei notícia neste blog, proporcionou-me a oportunidade para fixar alguns dos instantes dessa cidade.
Breves deambulações, permitiram-me recordar a Sevilha que o grande poeta brasileiro já desaparecido, João Cabral de Melo Neto nos deixou no seu inolvidável livro, "Sevilha Andando". Num relance regressemos a alguns poemas desse livro.
CIDADE CÍTRICA
Sevilha é um grande fruto cítrico,
quanto mais ácido, mais vivo.
Em geral, as ruas e pátios
arborizam limões amargos.
Mas vem da cal de cores ácidas,
dos palácios como das taipas,
o sentir-se como na entranha
de luminosa, acesa laranja.
GAIOLA DE CHUVA
Não tem Sevilha a chuva triste:
mesmo se a chuva cai em cordas,
Sevilha guarda dentro o sol
como um canário na gaiola.
A chuva é fora e apaga a cal
mas trás as rejas das janelas,
dentro do que fora é cárcere,
há flor da alma, vivo-amarela.
O ARENAL DE SEVILHA
Já nada resta do Arenal
de que contou Lope de Vega.
A Torre do Ouro é sem ouro
senão na cúpula amarela.
Já não mais as frotas das Índias,
e esta hoje se diz América;
nem a multidão de mercado
que se armava chegando elas.
Já Rinconete e Cortadilho
dormem no cárcere dos clássicos
e é ponte mesmo, de concreto,
a antiga Ponte de Barcos.
Urbanizaram num Passeio
o formigueiro que antes era;
só, do outro lado do rio,
ainda Triana e suas janelas.
SEVILHA E O PROGRESSO
Sevilha é a única cidade
que soube crescer sem matar-se.
Cresceu do outro lado do rio,
cresceu ao redor, como os circos,
conservando puro seu centro,
intocável, sem que seus de dentro
tenham perdido a intimidade:
que ela só, entre todas as cidades,
pode o aconchego de mulher,
pode o macio existir do mel,
que outrora guardava nos pátios
e hoje é de todo antigo bairro.
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