sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Arcaicos e vaidosos!


Paleontólogos chineses descobriram o pavãosauro. É uma simbiose de pavão e lagarto, tendo vivido neste nosso planeta há 160 milhões de anos. Com uma cauda colorida semelhante à do pavão, não conseguia, no entanto, voar. Segundo alguns cientistas, o pavãosauro é o dinossauro mais próximo das aves.

A referência à sua incapacidade para voar é que me levou a procurar com atenção alguns sobreviventes no Portugal de hoje. Rapidamente, me apercebi de como era grande em Portugal o número de dinossauros que se pavoneavam pelas ruas num exacerbar de vaidade. Arcaicos e vaidosos ? Mas isso é o pavãosauro!

Afinal, muito antes dos paleontólogos chineses, já os portugueses conviviam todos os dias com dinossauros vaidosos que nem pavões.

Círculos crispados


Vi uma parte da mais recente “Quadratura Círculo”. Desta vez só com a participação de Pacheco Pereira (PP) e Lobo Xavier (LX).

LX pareceu algo tenso. PP pareceu-me crispado. Crispado, como se estivesse revoltado contra a realidade, como se a crise, antes de mais, lhe tivesse pregado uma partida. Um e outro, mas principalmente o segundo, estavam verdadeiramente ferozes contra tudo o que cheirasse a governo. Hiper-reactivos contra Sócrates. Aveludadamente, complacentes quanto à Dr.ª Ferreira Leite.

Ambos pareciam saber que a crise em curso deixou a direita de governo ideologicamente descalça, que o neoliberalismo dominante ficou drasticamente deslegitimado. E é isso, decerto, que tanto os preocupa.

Esperemos que não seja a inépcia da esquerda a permitir-lhes , a curto prazo, respirarem de alívio. E isso poderá muito bem acontecer, se a esquerda se repartir entre os que exigem o enterro do capitalismo nos próximos dias, e os que continuam a engolir os embustes ideológicos com que direita os tem paralisado, deixando-se arrastar para uma perigosa irrelevância histórica.

Fraternidade



Com a autorização do autor, publico o texto do J.L.Pio Abreu, "Fraternidade" que saiu hoje no Destak. É de algum modo um diálogo com o Alberto Martins. Conversa entre velhos amigos.

Fraternidade

"Com a queda do muro de Berlim, acabou o fundamentalismo de Estado; com crise actual, acabou o fundamentalismo de Mercado". Foi assim que o Dr. Alberto Martins, na Assembleia da República, assinalou o fim das soluções radicais para as aspirações humanas. O fundamentalismo de Estado tentou promover a igualdade à custa da liberdade. O Mercado, sem contenção, promove a liberdade mas também a desigualdade.

Liberdade e igualdade fazem parte dos ideários utópicos desde a Revolução Francesa. No entanto, podem ser antagónicas. Muito sabiamente, os revolucionários tiveram de lhes acrescentar a fraternidade para resolver a contradição. Não o conseguiram, como logo se percebeu pelo uso excessivo da guilhotina.

Ernst Friedrich Shumacher, autor de Small is Beautiful, escreveu no seu último livro, Um Guia Para os Perplexos, que os problemas humanos são tipicamente divergentes e levam a soluções contraditórias. Para os resolvermos, teremos de subir a outro nível e elevarmo-nos um pouco mais na nossa humanidade.

A fraternidade é um valor de nível superior que concilia liberdade e igualdade. Nem os franceses revolucionários nem os sistemas seguintes foram capazes de subir a esse nível. Sabendo dos enganos, seremos nós capazes de o fazer?

A resposta pode estar na tecnologia da globalização que o capital aproveitou desde a primeira hora. O capital não é fraterno. Mas cada pessoa pode agora usar a mesma tecnologia para promover a fraternidade.

J. L. Pio Abreu

O doce perfume da banca privada


Num artigo publicado no Diário de Notícias de hoje, assinado por Helena Tecedeiro, sobre a Islândia, foram integradas falas de islandeses.

Cito dois extractos com ecos dessas falas: “Zangados com o Governo que privatizou os bancos e com os banqueiros que deixaram o país à beira da falência, os islandeses garantem que vão superar a crise e sair reforçados.” E mais adiante: “E os alvos do descontentamento são vários: o Governo de Geir Haarde por ter privatizado os bancos, mas também, e sobretudo, os próprios banqueiros”.

Foi preciso que a palavra dos islandeses levantasse o véu e dissesse o que o complexo mediático –neoliberal cuidadosamente ocultou, apesar da floresta de notícias sobre a Islândia com que nos tem brindado e onde tudo foi dito menos esta incómoda verdade. Pode dizer-se: privatização escondida com falência de fora.

Aguardo pois com curiosidade a voz sábia dos papagaios de penugem economicista que desde sempre nos bombardeiam com diatribes contra o arcaísmo da banca pública e com a excelência modernaça da banca privada.


Mas espero, também, que nenhum douto pavão laranja ( ou de uma qualquer cor afim) nos continue a vender a urgência da privatização da Caixa Geral de Depósitos, como ápice virtuoso de uma economia saudável.

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Caridade aos pobres banqueiros !


No diário espanhol Público, foi hoje difundida esta pequena pérola de humor que vos faculto, com a devida vénia.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Desastre financeiro ou crise sistémica?


Do site da revista internacional Utopie-Critique, retirei o texto de Samir Amin que abaixo transcrevo.


Este reputado intelectual africano, nasceu em 1931 no Cairo, filho de pai egípcio e de mãe francesa, ambos médicos. Em Paris, estudou política, estatística e economia. Entre 1957 e 1960, trabalhou na administração egípcia, na área do desenvolvimento económico. Nos três anos seguintes, foi Conselheiro do Governo do Mali. Entre 1970 e 1980, foi director do Instituto Africano de Desenvolvimento Económico (IDEP), com sede no Senegal (Dakar). Desde 1980, é director do Foro do Terceiro Mundo (Third World Forum), uma associação internacional, constituída por intelectuais da África, Ásia e América Latina, sediada em Dakar. É também autor de uma vasta e prestigiada obra.

No texto que se segue, ele procura discutir se estamos a viver um desastre financeiro ou uma verdadeira crise sistémica. Para além do mérito intrínseco do texto, o seu interesse é reforçado pelo facto de exprimir um ponto de vista de um intelectual do Sul. De facto, é sempre útil caldear o eurocentrismo endémico, que tantas vezes nos ilude, com a argúcia de outros olhares experientes, vindos de outras paragens.

E, ouso repetir, cada dia que passa, é mais evidente a urgência de se apostar num novo pensamento crítico, como ponto de partida para que novos horizontes possam ser pensados e se encontrem caminhos que nos levem até eles.


Debacle financière, crise systémique ?
Réponses illusoires et réponses nécessaires
La crise financière était inévitable

Nous n'avons pas été surpris par l'explosion brutale de cette crise, que j'avais d'ailleurs évoquée il y a quelques mois alors que les économistes conventionnels s'employaient à en minimiser les conséquences, notamment en Europe. Pour saisir sa genèse, il faut se débarrasser de la définition courante du capitalisme que l'on définit aujourd'hui comme « néo-libéral mondialisé ». Cette qualification est trompeuse et cache l'essentiel. Le système capitaliste actuel est dominé par une poignée d'oligopoles qui contrôlent la prise des décisions fondamentales dans l'économie mondiale. Des oligopoles qui ne sont pas seulement financiers, constitués de banques ou d'assurances, mais de groupes intervenant dans la production industrielle, dans les services, les transports, etc. Leur caractéristique principale est leur financiarisation. On doit entendre par là que le centre de gravité de la décision économique a été transféré de la production de plus value dans les secteurs productifs, vers la redistribution des profits occasionnée par les produits dérivés des placements financiers. C'est une stratégie poursuivie délibérément non par les banques mais par les groupes « financiarisés ». Ces oligopoles ne produisent d'ailleurs pas de profits, ils raflent tout simplement une rente de monopoles par le biais de placements financiers.
Ce système est extrêmement profitable aux segments dominants du capital. Ce n'est donc pas une économie du marché, comme on veut le dire, mais un capitalisme d'oligopoles financiarisés. Cependant la fuite en avant dans le placement financier ne pouvait pas durer éternellement, alors que la base productive ne croissait qu'à un taux faible. Cela n'était pas tenable. D'où la dite « bulle financière », qui traduit la logique même du système de placements financiers. Le volume des transactions financières est de l'ordre de deux mille trillions de dollars alors que la base productive, le PIB mondial est de 44 trillions de dollars seulement. Un multiple gigantesque. Il y a trente ans, le volume relatif des transactions financières n'avait pas cette ampleur. Ces transactions étaient destinées à titre majeur à la couverture des opérations directement exigées par la production et le commerce intérieur et international La dimension financière de ce système des oligopoles financiarisés était - ais je déjà dit - le talon d'Achille de l'ensemble capitaliste. La crise devait donc être amorcée par une débâcle financière.

Derrière la crise financière, la crise systémique du capitalisme vieillissant

Mais il ne suffit pas d'attirer l'attention sur la débâcle financière. Derrière elle, se dessine une crise de l'économie réelle car la dérive financière elle-même va asphyxier la croissance de la base productive ; les solutions apportées à la crise financière ne peuvent que déboucher sur une crise de l'économie réelle. C'est-à-dire une stagnation relative de la production, avec ce qu'elle va entraîner ; régression des revenus des travailleurs, accroissement du chômage, précarité grandissante et aggravation de la pauvreté dans les pays du sud. On doit maintenant parler de dépression et non plus de récession.
Et derrière cette crise se profile à son tour la véritable crise structurelle systémique du capitalisme. La poursuite du modèle de la croissance de l'économie réelle telle que nous le connaissons et de celui de la consommation qui lui est associé, est devenu, pour la première fois dans l'histoire, une véritable menace pour l'avenir de l'humanité et de la planète.
La dimension majeure de cette crise systémique concerne l'accès aux ressources naturelles de la planète, devenues considérablement plus rares qu'il y a un demi siècle. Le conflit Nord/Sud constitue de ce fait l'axe central des luttes et des conflits à venir.
Le système de production et de consommation/gaspillage en place interdit l'accès aux ressources naturelles du globe à la majorité des habitants de la planète, les peuples des pays du sud. Autrefois un pays émergent pouvait prélever sa part de ces ressources sans remettre en question les privilèges des pays riches. Mais aujourd'hui, ce n'est plus le cas. La population des pays opulents - 15% de la population de la planète - accapare pour sa seule consommation et son gaspillage 85% des ressources du globe, et ne peut pas tolérer que des nouveaux venus puissent accéder à ces ressources, car ils provoqueraient des pénuries graves qui menaceraient les niveaux de vie des riches.
Si les Etats-unis se sont donnés l'objectif du contrôle militaire de la planète, c'est parce qu'ils savent que sans ce contrôle ils ne peuvent pas s'assurer l'accès exclusif à ces ressources. Comme on le sait, la Chine, l'Inde et le sud dans son ensemble ont également besoin de ces ressources pour leur développement. Pour les Etats-Unis, il s'agit impérativement d'en limiter l'accès et, en dernier ressort, il n'y a qu'un moyen, la guerre.
D'autre part, pour économiser les sources d'énergie d'origine fossile, les Etats-Unis, l'Europe et d'autres développent des projets de production d'agro-carburants à grande échelle, au détriment de la production vivrière dont ils accusent la hausse des prix.

Les réponses illusoires des pouvoirs en place

Les pouvoirs en place, au service des oligopoles financiers, n'ont pas de projet autre que celui de remettre en selle ce même système. Les interventions des Etats sont d'ailleurs celles que cette oligarchie leur commande. Néanmoins le succès de cette remise en selle n'est pas impossible, si les infusions de moyens financiers sont suffisants et si les réactions des victimes - les classes populaires et les nations du Sud - demeurent limitées. Mais dans ce cas le système ne recule que pour mieux sauter et une nouvelle débâcle financière, encore plus profonde, sera inévitable, car les "aménagements" prévus pour la gestion des marchés financiers et monétaires sont largement insuffisants, puisqu'ils ne remettent pas en cause le pouvoir des oligopoles.
Par ailleurs ces réponses à la crise financière par l'injection de fonds publics faramineux pour rétablir la sécurité des marchés financiers, sont amusantes : alors que les profits avaient été privatisés, dès lors que les placements financiers s'avèrent menacés, on socialise les pertes! Pile, je gagne, face, tu perds.

Les conditions d'une réponse positive véritable aux défis

Il ne suffit pas de dire que les interventions des Etats peuvent modifier les règles du jeu, atténuer les dérives. Encore faut il en définir les logiques et la portée sociales. Certes on pourrait en théorie revenir à des formules d'association des secteurs publics et privés, d'économie mixte comme pendant les trente glorieuses en Europe et de l'ère de Bandoung en Asie et en Afrique lorsque le capitalisme d'Etat était largement dominant, accompagné de politiques sociales fortes. Mais ce type d'interventions de l'Etat n'est pas à l'ordre du jour. Et les forces sociales progressistes sont elles en mesure d'imposer une transformation de cette ampleur ? Pas encore à mon humble avis.
L'alternative véritable passe par le renversement du pouvoir exclusif des oligopoles, lequel est inconcevable sans finalement leur nationalisation pour une gestion s'inscrivant dans leur socialisation démocratique progressive. Fin du capitalisme ? Je ne le pense pas. Je crois en revanche que de nouvelles configurations des rapports de force sociaux imposant au capital à s'ajuster, lui, aux revendications des classes populaires et des peuples, est possible. A condition que les luttes sociales, encore fragmentées et sur la défensive dans l'ensemble, parviennent à se cristalliser dans une alternative politique cohérente. Dans cette perspective l'amorce de la longue transition du capitalisme au socialisme devient possible. Les avancées dans cette direction seront évidemment toujours inégales d'un pays à l'autre et d'une phase de leur déploiement à l'autre.
Les dimensions de l'alternative souhaitable et possible sont multiples et concernent tous les aspects de la vie économique, sociale, politique. Je rappellerai ici les grandes lignes de cette réponse nécessaire :
(i) la ré invention par les travailleurs d'organisations adéquates permettant la construction de leur unité transcendant l'éclatement associé aux formes d'exploitation en place (chômage, précarité, informel).
(ii) la perspective est celle d'un réveil de la théorie et de la pratique de la démocratie associée au progrès social et au respect de la souveraineté des peuples et non dissociée de ceux-ci.
(iii) se libérer du virus libéral fondé sur le mythe de l'individu déjà devenu sujet de l'histoire. Les rejets fréquents des modes de vie associés au capitalisme (aliénations multiples, patriarcat, consumérisme et destruction de la planète) signalent la possibilité de cette émancipation.
(iv)se libérer de l'atlantisme et du militarisme qui lui est associé, destinés à faire accepter la perspective d'une planète organisée sur la base de l'apartheid à l'échelle mondiale.
Dans les pays du Nord le défi implique que l'opinion générale ne se laisse pas enfermer dans un consensus de défense de leurs privilèges vis-à-vis des peuples du Sud. L'internationalisme nécessaire passe par l'anti impérialisme, non l'humanitaire.
Dans les pays du Sud la stratégie des oligopoles mondiaux entraîne le report du poids de la crise sur leurs peuples (dévalorisation des réserves de change, baisse des prix des matières premières exportées et hausse de ceux des importations). La crise offre l'occasion du renouveau d'un développement national, populaire et démocratique autocentré, soumettant les rapports avec le Nord à ses exigences, autrement dit la déconnexion. Cela implique :
(i)la maîtrise nationale des marchés monétaires et financiers
(ii)la maîtrise des technologies modernes désormais possible
(iii)la récupération de l'usage des ressources naturelles
(iv)la mise en déroute de la gestion mondialisée dominée par les oligopoles (l'OMC) et du contrôle militaire de la planète par les Etats-Unis et leurs associés.
(v)se libérer des illusions d'un capitalisme national autonome dans le système et des mythes passéistes.
(vi)La question agraire est en effet au cœur des options à venir dans les pays du tiers monde. Un développement digne de ce nom exige une stratégie politique de développement agricole fondée sur la garantie de l'accès au sol de tous les paysans (la moitié de l'humanité). En contrepoint les formules préconisées par les pouvoirs dominants - accélérer la privatisation du sol agraire, et transformer le sol agraire en marchandise- entraînent l'exode rural massif que l'on connaît. Le développement industriel des pays concernés ne pouvant pas absorber cette main d'œuvre surabondante, celle ci s'entasse dans les bidonvilles ou se laisse tenter par les aventures tragiques de fuite en pirogue à travers l'Atlantique. Il y a une relation directe entre la suppression de la garantie de l'accès au sol et l'accentuation des pressions migratoires.
(vii)L'intégration régionale, en favorisant le surgissement de nouveaux pôles de développement, peut elle constituer une forme de résistance et d'alternative ? La régionalisation est nécessaire, peut être pas pour des géants comme la Chine et l'Inde, ou même le Brésil, mais certainement pour beaucoup d'autres régions, en Asie du sud-est, en Afrique ou en Amérique Latine. Ce continent est un peu en avance en ce domaine. Le Venezuela a opportunément pris l'initiative de créer l'Alba (Alternative bolivarienne pour l'Amérique latine et les Caraibes) et la Banque du Sud (Bancosur), avant même la crise. Mais l' Alba - un projet d'intégration économique et politique - n'a pas encore reçu l'adhésion du Brésil ni même de l'Argentine. En revanche, le Bancosur, censé promouvoir un autre développement, associe également ces deux pays, qui jusqu'à présent ont une conception conventionnelle du rôle de cette banque.
Des avancées dans ces directions au Nord et au Sud, bases de l'internationalisme des travailleurs et des peuples, constituent les seuls gages de la reconstruction d'un monde meilleur, multipolaire et démocratique, seule alternative à la barbarie du capitalisme vieillissant. Plus que jamais le combat pour le socialisme du 21 ième siècle est à l'ordre du jour.
( Este texto é uma versão abreviada da apresentação feita por Samir Amin, Presidente do Forum Mundial das Alternativas, num encontro ocorrido em Caracas, em 13 de Outubro passado. O título original da apresentação foi,”À luz da crise em curso, as condições de uma renovação socialista”).

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Ainda os resultados das eleições no PS


A lista liderada por Mário Ruivo distribuiu uma nota informativa em que corrigia os dados transmitidos pela comunicação social, quanto aos resultados verificados nas recentes eleições ocorridas na Federação de Coimbra do PS. Assim diz-nos que:

O número total de votantes foi de 3510 (+80) [ultrapassa em 10 votantes, os 50% de 7000]
A Lista liderada por VB teve 2086 (+32) -59,43 %
A Lista liderada por MR teve 1424 (+48) -40,56 %

Informa também que triunfou nos concelhos de Arganil, Mira, Oliveira do Hospital, Pampilhosa da Serra e Vila Nova de Poiares. Inclui ainda neste conjunto o concelho de Coimbra, mas acrescentando o inciso”incluindo sectoriais”. Como não são indicados números, ficamos sem saber se essa vitória depende dos resultados das secções sectoriais. Se assim for, a informação não é exacta, dado que as secções sectoriais não têm âmbito concelhio, mas sim distrital, pelo que não devem se imputadas a qualquer dos concelhos, individualmente considerado.

Enumera ainda as secções em que saiu vitoriosa, mas uma vez que não indica o os números não podemos avaliar a importância de cada uma dessas vitórias.

Por fim, esclarece que para a eleição de delegados ao XIII congresso distrital essa candidatura não apresentou lista de delegados em 27 secções. Provisoriamente, informa que a Lista A elegeu 275 delegados e a Lista B 418.

domingo, 26 de outubro de 2008

PS de Coimbra: comentando as eleições internas


1. O abalo mundial destas últimas semanas, ao tornar ostensiva a inviabilidade estrutural do modelo capitalista neoliberal, trouxe para a praça pública mais um indício da inviabilidade da sobrevivência da humanidade (ou, pelo menos, de sociedades que não sejam pesadelos), num contexto capitalista.
É certo que não foi lavrada nenhuma escritura que assegure o fim do capitalismo e a correspondente eclosão de novos amanhãs que cantem. Mas foi inequivocamente aberta uma nova era de responsabilidade e risco para os Partidos da Internacional Socialista.
Pelo menos na Europa, eles têm que se tornar em partidos muito diferentes daquilo que hoje são, se quiserem estar em condições de desempenhar um papel impulsionador, numa via reformista que apresse a saída do capitalismo tal com ele é, remediando, porém, desde já as injustiças e desigualdades sociais mais gritantes, de modo a tornar realista a aspiração a que o provável despontar de um pós-capitalismo tenha o rosto socialista.

Esta é uma questão estratégica, de longo prazo, que não pode ficar de fora das preocupações de cada socialista, individualmente considerado. E, por isso mesmo, se qualquer movimentação colectiva, dentro dos partidos socialistas, ocorrer à margem desta nova problemática, dificilmente não se está perante uma simples e inócua rotina que, parecendo ser acção, pode não ser mais do que um mero sonambulismo político.

Todos os que estiveram atentos à campanha interna, que decorreu até ontem na Federação de Coimbra do PS, terão podido constatar que a exuberância de eventos, de declarações de apoio e de textos de opinião que procuraram mostrar o músculo político dos candidatos, só muito ao de leve deixaram penetrar nesse círculo de ferro a atmosfera agitada do mundo em que vivemos.

2. O resultado do acto eleitoral que ontem decorreu, fazendo fé no site do Diário de Coimbra, foi de quase 60%, para Victor Baptista (VB) e de pouco mais de 40%, para Mário Ruivo (MR), não tendo a soma dos votos em ambos superado a barreira dos 50% dos eleitores, em condições de votar, que, segundo dados oficiosos, era de 7000 inscritos.

De facto, de acordo com a referida fonte, VB teve 2054 votos e MR 1376, o que somando apenas 3430, ficou abaixo de metade de 7000. Portanto, VB teve 29,3% de apoio relativamente ao universo dos possíveis votantes e MR teve o apoio de 19,6 % desse mesmo conjunto. Constata-se, também, que ambos os candidatos não conseguiram ter os votos correspondentes ao número de militantes que anunciaram como seus apoiantes, ou como participantes na soma dos seus jantares e reuniões. Houve pois uma larga fatia de militantes socialistas que não se sentiram motivados a manifestar uma opção expressa nesta consulta, embora o tenham feito, com toda a probabilidade, por razões entre si muito diversas.

Deve sublinhar-se, aliás, que o problema do fraco índice de mobilização dos inscritos no PS em eleições internas, nem é um problema novo, nem é um problema que se circunscreva a Coimbra, mas é claramente um problema que hoje existe na Federação de Coimbra. Será sempre um problema que justifica que se procure minorá-lo, mas é um índice particularmente preocupante, quando se está à beira de uma decisiva série de eleições.

Na verdade, dificilmente se atingirão nessas eleições os resultados de que o PS precisa, para prolongar com estabilidade o ciclo da sua hegemonia político-institucional, se ele não conseguir mobilizar e transmitir ao seu eleitorado um novo entusiasmo. E será improvável consegui-lo, se não partir para as lutas eleitorais com os seus militantes mobilizados e dispostos a baterem-se realmente.
Para isso, há condições políticas a preencher que têm natureza nacional; mas, não deixa de haver outras com dimensão distrital. Nomeadamente, pode ser verdadeiramente devastador pensar-se que basta a repetição aplicada das rotinas para se abrirem novas portas, tal como é necessário.
E, particularmente, quer as federações distritais, quer as estruturas concelhias, podem ser decisivas no êxito dos combates autárquicos. Mais uma vez, fazendo o que é preciso fazer para que se lancem grandes movimentos populares de apoio aos candidatos do PS e evitando deixarem-se encerrar no tricot dos pequenos poderes, das pequenas ambições, das pequenas carreiras, que, por mais humanamente compreensíveis que sejam, podem ser nesta conjuntura um erro fatal.

3. Um balanço completo desta campanha e das virtualidades e limitações envolvidas pela conjuntura saída desta pugna interna do PS só tem sentido depois de realizado o Congresso federativo. Por enquanto, são apenas possíveis considerações introdutórias como as que acabo de fazer.

sábado, 25 de outubro de 2008

Pixordices 19 - A distracção de Salazar




O Sr. Santos escreveu mais um livro. Por profissão é megafone de televisão: diz notícias nos telejornais e faz perguntas parvas aos senhores que se sentam à sua frente para dizerem umas tantas sábias larachas, sobre assuntos de que se dizem especialistas.

O Sr. Santos baseou-se nas vidas do vô-vô e da vó-vó que namoraram sem autorização. Gente antiga, vivente nos anos trinta do século passado, em pleno salazarismo.

Ora, do alto dos seus romances o Sr. Santos quis dizer-nos como eram toscos os democratas que espalharam a lenda de uma desafeição dos portugueses, quanto ao Dr."Botas" de Santa Comba. E, luminoso, esclareceu-nos, dizendo que o povo estava farto da primeira república e, por isso, considerou o salazarismo um verdadeiro bálsamo. O Sr. Santos esqueceu-se de que essa novidade era afinal, simplesmente, a lenga-lenga repetida pela propaganda oficial do regime fascista, ao longo de dezenas de anos.E assim não se terá apercebido que apenas levianamente estava a ressuscitar a versão oficiosa do salazarismo sobre Salazar.
Se o que Sr. Santos afirmou, tivesse sido verdade, poderia ter-se dito: Pena terá sido que o Dr. Salazar não tivesse sabido dessa grande novidade. De facto, se na época ele desconfiasse que tinha esse apoio acrisolado do povo português não teria certamente hesitado: teria feito eleições livres e decentes, uma vez que era certo ganhá-las. Como julgava o contrário, o nosso Ditador não fez tal coisa.
Pois é . Ficámos a saber que, ao contrário do que ele próprio julgava, o Dr. Salazar tinha afinal o apoio do povo português.

É pelo menos o que pretende o inefável Sr. Santos, mostrando uma infeliz verdade: o facto de se terem escrito dois, três ou mesmo quatro romances, mesmo lidos por muita gente, não vacina contra o dislate.

Sugiro um título para o novo romance do Sr. Santos: "Um Santos contra a república" ou "D. Salazar I, o bem-amado".

Na FEUC: mais uma sessão do Ciclo Integrado



Uma vez mais, do Júlio Mota recebi o anúncio de evento que abaixo reproduzo na íntegra. Chama-nos à atenção para mais uma realização sobre um tema de actualidade. Não a devemos perder.


Ciclo Integrado de Cinema, Debates e Colóquios na FEUC

27 -10-2008


Ciclo temático:


Economia Global, Mercadorização e Interesses Colectivos:


Pessoas, Mercadorias, Ambiente e Paraísos Fiscais


Auditório da Faculdade de Economia

Teatro Académico Gil Vicente.

" O grupo de docentes da FEUC dinamizador e organizador (em colaboração com os estudantes do Núcleo de Estudantes de Economia da FEUC e com o apoio da Coordenação do Núcleo de Economia) do Ciclo Integrado de Cinema, Debates e Colóquios na FEUC vem com a presente informar que irá decorrer, a 27 de Outubro, a segunda sessão do ciclo temático Economia Global, Mercadorização e Interesses Colectivos: Pessoas, Mercadorias, Ambiente e Paraísos Fiscais, no auditório da Faculdade de Economia e no Teatro Académico Gil Vicente.
.
A segunda sessão deste Ciclo enquadra-se na problemática Economia global e interesses Colectivos versus mercadorização e tem como tema central Novas Forças de Poder na Economia Global, Financeirização e Processos de Mercadorização Nesta sessão falar-se-á assim da Economia Global a partir de dois ângulos de análise: por um lado, o peso predominante da dimensão financeira, análise esta que ficará a cargo de Ben Fine, da Universidade de Londres; e, por outro, o da violência da apropriação dos recursos de África, exemplo típico do que se entende por mercadorização, violência essa que é o ponto de passagem, o ponto da transformação dos produtos em mercadorias no mercado global. Estes últimos aspectos ficarão sobretudo a cargo de Brice Mackosso, do Congo Brazaville.
A sessão começa às 15 horas com as conferências de Ben Fine e Brice Mackosso na Faculdade de Economia sendo comentadores Adelino Fortunato e Stuart Holland, ambos da FEUC. À noite, no Teatro Académico de Gil Vicente, será projectado o filme Sombra do livro sagrado de Arto Halonen, Finlândia que, na semana passada, foi nomeado para melhor filme documentário europeu de 2007.



Programa detalhado

Hora: 15:00
Local: Auditório da Faculdade de Economia

Conferências:


Ben Fine

Da financeirização ao neo-liberalismo: O envolvimento neo-liberal


Brice Mackosso

A gestão dos recursos naturais na África: impacto político económico e social

Comentários:


Adelino Fortunato (FEUC)
Stuart Holland (FEUC)


Hora: 21:15
Local: Teatro Académico de Gil Vicente

Filme/Documentário:

Sombra do livro sagrado


Arto Halonen, 2007


Debate

O filme Sombra do livro sagrado, de Arto Halonen, já foi premiado em diversos festivais.
No Teatro Académico Gil Vicente, serão distribuídas gratuitamente duas brochuras: uma com os textos base das conferências e com um texto inédito de Stefaan Marysse (Universidade de Antuérpia) sobre as relações entre África e a China, sobre a questão se assistimos ou não à existência de um imperialismo vermelho em marcha; e uma segunda brochura com textos sobre o filme e sobre a ética (ou ausência dela) das multinacionais a operarem em países ricos em matérias-primas.

Sinopse do filme

O filme Sombra do Livro Sagrado é uma audaciosa e exuberante sátira política que nos fala da cumplicidade das empresas multinacionais no apoio e na legitimação do ditador Saparmurat Niyazov, do Turquemenistão, um dos mais notórios e brutais violadores à escala mundial dos direitos humanos. Niyazov, auto-nomeado presidente vitalício, transformou uma remota república da Ásia central num dos regimes mais opressivos, megalómanos e estranhos da história recente. O Turquemenistão, que faz fronteira com Kazakistão, Uzbequistão, Afeganistão e Irão, é igualmente uma das maiores reservas de petróleo e gás natural do mundo. Esta dotação de recursos atraiu os líderes mundiais e as maiores empresas multinacionais, que deixam de lado os conceitos morais e ajudam a manter o regime de pé, para garantir negócios altamente rentáveis.
A expressão “Livro Sagrado” no título do filme refere-se ao livro Ruhnama escrito por Niyazov, que é uma mistura da lenda e do seu próprio pensamento neurótico e que funciona como peça central na arquitectura da sua ditadura, mesmo mais do que serviu “o pequeno livro vermelho” de Mao. O Ruhnama foi inteiramente integrado no sistema educativo do Turquemenistão, ensinado nas aulas de literatura e matemática, e a sua memorização é exigida mesmo para obter uma carta de condução. Desejando ser o 13º profeta do Islão, Niyazov irritou muitos dos líderes religiosos muçulmanos do país com as suas tentativas de tornar o Ruhnama tão proeminente como o Corão, encarcerando mesmo aqueles que o criticam.
Sombra do Livro Sagrado revela que os royalties que estas empresas pagaram ao regime de Niyasov nunca beneficiaram o povo do Turquemenistão. Em vez disso, os lucros são esbanjados no embelezamento da capital do país, Ashgabad, com estátuas de Niyasov em ouro e uma enorme escultura, iluminada, do Ruhnama no parque central da cidade.
Quando, em 2006, Niyasov morreu vítima de um ataque cardíaco, vislumbrou-se uma curta oportunidade para democratizar o sistema político. Mas, a comunidade internacional e as empresas multinacionais reagruparam-se em torno de um novo ditador, Gurbanguly Berdymuhammadov, que apresenta grande semelhança física com o anterior ditador. Diz-se que também está a escrever um livro.…


Sem outro assunto e certos da vossa atenção e da vossa presença, que antecipadamente agradecemos, apresentamos os nossos cumprimentos. "

Pela Comissão Organizadora


Júlio Marques Mota

O muro de Berlim do capitalismo


O Júlio Mota enviou-me, depois de o ter traduzido, o texto do deputado do Partido Socialista Francês e Presidente do Conselho Geral de Saône-et-Loire, Arnaud Montebourg, publicado no diário francês “Le Monde” em 21.10.08.
É esse texto que abaixo se transcreve. Montebourg é um dos expoentes mais brilhantes da nova geração de dirigentes socialistas franceses. Animou uma das mais criativas correntes de esquerda dentro do PSF, continuando a ser uma figura de proa na competição política actualmente em curso, no seio do partido a que pertence.

Os socialistas têm que estar à altura dos novos desafios que se lhes colocam, em França, na Europa, no Mundo. E os socialistas portugueses não podem ser dados como ausentes desse combate, sendo certo que uma das mais insidiosas formas de ausência é o refúgio em lugares comuns mais ou menos justificativos, mais ou menos superficiais, numa ladainha insípida que pode alimentar telejornais, mas não contribui em nada para a abrir novos caminhos como é indispensável.
Por este e por outros meios, comecemos a romper o silêncio...



O muro de Berlim do capitalismo
Arnaud Montebourg


" Esta crise é, desde o desmoronamento do muro de Berlim, a mais grave derrota que conheceu uma ideologia, com o seu cortejo de passos às cegas, de mentiras e de propaganda. O quase desaparecimento de Wall Street é, em certa medida, a queda do muro de Berlim do capitalismo liberal e mundializado. A ideologia do mercado livre, o comércio livre, a finança livre e a recusa obsessiva da intervenção da política na economia é um dogma que atinge a estupidez e conduz ao inferno. O nosso governo empenha-se profundamente na arte de compor e encher de radares e de polícias as nossas estradas; no entanto, a única estrada sobre a qual recusou obstinadamente desde há anos que aí instalassem linhas brancas, radares e guardas é a da finança, onde a liberdade não conhece nem moral nem virtude.
A questão da ordem pública para assegurar a segurança da economia está, pois, em cima da mesa, como há, de resto, uma ordem pública em matéria sanitária, ambiental ou anti-terrorista, a fim de assegurar a segurança das pessoas e dos bens. Lutar contra as zonas de não direito, é o dever de um Estado. Hoje, a finança tornou-se uma zona de não direito à escala mundial. E é ela que assusta os cidadãos, aforradores, assalariados, empresários. É dela que os Estados nos devem proteger, mesmo se eles próprios organizaram a sua própria impotência política.
Os líderes mais liberais, entre os quais está Nicolas Sarkozy, não têm nenhuma credibilidade nas suas declarações, evocando não se sabe que refundação do capitalismo, uma vez que a responsabilidade que lhes cabe, ao terem recusado com toda a violência do seu dogmatismo qualquer medida de regulamentação ou de limitação, é pois esmagadora. Este presidente faz, em conjunto com o patronato reunido em torno da sua associação, o Medef, a apologia da sacro-santa auto-regulação: é tão pouco eficaz e credível para lutar contra uma fraude como a dos títulos subprimes da mesma forma que o é a autodisciplina num grupo de pré-delinquentes..
O mesmo podemos dizer quanto à fascinação que exerceu sobre este homem a louca criatividade da finança americana, ao ponto ter influenciado as suas próprias propostas, uma vez que ele defendia ultimamente a ideia de aumentar o acesso ao crédito hipotecário para as famílias de fracos aos rendimentos, o que significava transplantar os créditos em créditos subprimes em França. E o mesmo podemos igualmente dizer quanto à sua recusa em acabar com os paraísos fiscais, bancários e judiciais, como o Luxemburgo ou a City de Londres que, no seio da União Europeia, organiza um verdadeiro dumping regulamentar e desregulador.
Este pobre Jean-Claude Juncker, primeiro-ministro do Luxemburgo e presidente do Eurogrupo, vê Dexia desmoronar-se por ter agido de modo inconsciente com a sua bênção de liberal obsessivo. E ele é o mesmo que nos tratava, a Vincent Peillon e a mim próprio, durante os nossos inquéritos parlamentares sobre os paraísos fiscais europeus “de sheriff-inquisidores”; é o mesmo que protegeu a manutenção no sector privado da câmara de compensação Clearstream, de práticas e métodos bem contestáveis! São estes mesmos europeus ultraliberais que deixaram as Bolsas tornarem-se empresas privadas e desde a fusão de NYSE com Euronext sob a alçada do direito americano ultra-leve!
Quem acreditará nestes responsáveis capazes de impor o contrário que proclamaram? Cabe, por conseguinte, à esquerda rearmar a política para lutar contra a finança louca.. Deve fazê-lo tendo sempre presente que também não está isenta de críticas nesta matéria. Também se deixou-se atordoar com as miragens e as promessas de crescimento que prometiam os liberais; também sucumbiu à crença que a liberalização dos movimentos de capitais iria facilitar o financiamento das empresas e, por conseguinte, beneficiar os assalariados.
Repor a ordem na economia passa pela luta contra a insegurança financeira: primeiro, desarmar os delinquentes potenciais que são os banqueiros; seguidamente, reforçar o arsenal legislativo de repressão, para criar verdadeira uma ordem pública económica que dispõe de sanções à medida, apropriadas. É imperativo restringir os instrumentos que permitem especular. É necessário pôr um termo - e por conseguinte proibir - a titularização dos créditos pelos bancos, que é um meio para estes se descartarem do risco. Os bancos que emprestam dinheiro a uma família ou uma empresa devem manter-se como credores e manter o crédito nas suas contas, até ao reembolso completo.
A crise actual impõe também que se retorne a uma divisão clara e nítida das actividades entre a economia real e a financeira. A mistura dos tipos de actividades que foi autorizada entre os bancos de investimento, de depósito e de seguro estão na origem da queda do banco franco-belga Dexia, assim como do segurador americano AIG. porque os seus dirigentes quiseram desenvolver-se também na actividade de assegurar os investidores contra as perdas especulativas. A crise actual impõe também proibir aos actores financeiros como os hedge funds (fundos especulativos) que andem a especular nos mercados. A loucura da especulação não poderia ser detida sem um enquadramento rigoroso das formas de remuneração dos operadores na alta finança, que só conhecem - -quer ganhem quer percam - apenas as suas comissões, os seus bónus! Mas o que é mais importante, será fazer com que estas interdições sejam respeitadas. Onde é que estavam os poderes públicos e as famosas autoridades reguladoras supostamente independentes? As autoridades de supervisão do sector financeiro (Autoridade dos mercados financeiros, Comissão bancária, Banco de França,) são dirigidos por personalidades procedentes do mundo financeiro. E o seu interesse está ligado ao das pessoas que supervisionam. O resultado, é que não controlam nada. É por conseguinte necessário alterar o modo de nomeação destes responsáveis. É necessário uma presença dos deputados, representantes de assalariados, de pequenos accionistas, dos clientes dos bancos nestas instâncias, verdadeiros braços armados das políticas.
Uma vez este sector posto sob controlo, é necessário imaginar um outro meio para financiar a economia. Não é anormal que, numa economia de mercado, certos sectores estejam sujeitos a um monopólio público, quando o sector privado mostrou que era incapaz de cumprir a sua tarefa. A finança é este sector. E vê-se o risco que existe por se confiar a instituições privadas o cuidado de financiar toda a actividade económica de um país. As fontes de crédito secam-se e a economia corre o risco de parar. Como mostram-no as práticas do micro crédito, seria por conseguinte saudável confiar a instituições com fins não lucrativos a distribuição do crédito. A criação de um serviço público do crédito, que seja gerido pela Caísse des Dépôts et Consignations, uma instituição sólida que soube permanecer afastada da especulação, poderia responder às necessidades de financiamento da economia.
A crise mostra também que o dogma liberal subjacente à construção europeia não protege nem o cidadão nem a economia. Que sentido tem hoje os termos de livre concorrência ou a proibição dos auxílios estatais quando tudo está a desabar? Para que serve um Banco Central Europeu obcecado por uma inflação que não sabe jugular, e um crescimento em quese empenhou em abafar?
Os cidadãos aceitarão uma Europa reforçada se sabem que as instituições os beneficiam e não apenas ao mundo da finança. A hora não é mais para as medidas tímidas, do laisser-faire, para a fatalidade do mundo da finança como este vai. A política deve rearmar-se e aproveitar o desmoronamento da finança para impor as suas regras do jogo e sem medo. E não deve contentar-se em passar para a caixa registadora como sempre o fez, em virtude do bom e velho provérbio que quer que se privatize os lucros e que se socializem os prejuízos."


[Artigo publicado em Le Monde de 21.10.08]

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

No PS de Coimbra: horizontes fechados


No "Diário de Coimbra" de hoje, foi publicado o texto que abaixo transcrevo, subscrito pelo Luís Marinho e por mim.
No PS de Coimbra: horizontes fechados
Luís Marinho e Rui Namorado*

A Federação de Coimbra do PS percorreu uma trajectória descendente, no decurso dos mandatos de Victor Baptista, na linha do que já prevíamos aquando da Campanha para as eleições internas, de há dois anos atrás. Tal se manifesta na perda do PS como força socialmente relevante e activa na cidade e no distrito, bem como no recuo da influência política junto do poder central, mesmo (e principalmente) quando se está perante um governo nosso. Nenhum militante da Federação de Coimbra faz parte do actual governo. Nenhum deputado do distrito de Coimbra pertence à direcção do grupo parlamentar e é voz corrente que a direcção nacional do partido e o governo ouvem mais facilmente algumas figuras públicas locais, não filiadas no PS, do que os responsáveis distritais do Partido. Mesmo nas lideranças de órgãos regionais de nomeação política, é escassa a presença de quadros oriundos do nosso distrito. No plano autárquico, o PS tem visto a sua influência reduzir-se, permanecendo longe das presidências das câmaras de Coimbra, Figueira, Cantanhede, Oliveira de Hospital e Montemor, municípios de referência que, num ou noutro momento, já tiveram presidentes socialistas.

Nas eleições anteriores Victor Baptista defrontou e venceu uma alternativa clara, liderada pelo Luís Marinho, que lhe opunha caminhos nitidamente diferentes, apontando para modos de funcionamento do Partido radicalmente distintos.
Uma parte dos socialistas que se envolveram nessa alternativa estava disposta a apoiar, uma vez mais, uma candidatura de clara oposição, que actualizasse e radicalizasse a sua contraposição, em face do que tem sido o situacionismo na Federação de Coimbra nos últimos anos. Entendiam que só assim se protegeria a perenidade de uma identificação com a base eleitoral do Partido, fazendo-a compreender com clareza que no PS havia, pelo menos, um sector que, reiteradamente, se demarcava sem ambiguidades da neblina reinante.
No entanto, dentro dos apoiantes do actual Presidente e da sua maioria política, cavou-se uma dissidência, da qual brotou a candidatura de Mário Ruivo. Podia ter sido um sinal positivo, sintoma de enfraquecimento do situacionismo, se tivesse baseado a sua afirmação numa via própria que, separando-se de Victor Baptista, assumisse com nitidez um de dois rostos: ou ser uma terceira via entre a linha seguida por Victor Baptista e a via alternativa polarizada pela candidatura de Luís Marinho; ou juntar-se a esta última. Não foi isso o que aconteceu.
A dissidência de Mário Ruivo, procurou captar, para simples séquito da sua liderança, todo o sector que, dois anos antes, tinha enfrentado Victor Baptista. E esta táctica, para além do erro de base que a inquinou, traduziu-se em episódios objectivamente hostis à continuidade da alternativa mantida por Luís Marinho, chegando longe na utilização de insinuações, mentiras e fantasiosos compromissos, retirados de um arsenal alheio à ética. Procurou, por esses meios, apropriar-se de um espaço político a que era estranha, em vez de construir uma alternativa nova, revelando assim um mimetismo fatal, relativamente aos métodos e às atitudes que imputava à liderança de Victor Baptista e que dizia querer combater.

Esse pecado original da campanha de Mário Ruivo não foi, no entanto, suficiente para impedir uma parte dos socialistas que haviam aderido, dois anos antes, à candidatura de alternativa liderada por Luís Marinho, de passarem a apoiar Mário Ruivo. E nem sequer impediu que alguns elementos do núcleo mais activo daquele projecto tivessem desertado.
Uns e outros, antes disponíveis para uma candidatura de alternativa clara, foram atraídos pela miragem (visivelmente ilusória, se for tida como certa) de um vitória fácil, ou não resistiram ao risco (que certamente julgaram maior do que aquilo que era) de uma nova derrota. Trocaram a clareza de uma verdadeira alternativa de ruptura, pela dissidência liderada por Mário Ruivo.

A perda desses apoios, mas principalmente as deserções referidas, enfraqueceram suficientemente o conjunto dos que continuaram convencidos de que só uma verdadeira alternativa podia preencher todos os objectivos políticos pretendidos, levando-os a ponderar se continuava a ser politicamente útil uma candidatura desse tipo, nas novas condições assim criadas.
A própria marcha dos acontecimentos foi tornando mais nítido que uma candidatura de ruptura não concitava, na actual conjuntura pelo menos, apoios suficientes, mesmo da parte de militantes que se haviam manifestado prévia e publicamente pela continuidade do projecto de ruptura. Sucederam-se os silêncios, os telefones surdos, as conversas do desencanto, os desejos de afastamento, os cansaços oportunos, os olhares baixos, as fugas às horas marcadas, enfim, toda uma série de expedientes de quem hesita na hora decisiva.
Por nós, estamos convencidos de que, em abstracto, para a clarificação interna e para a credibilidade externa do PS, teria sido útil uma nova candidatura liderada por Luís Marinho, que desse continuidade e aprofundasse o trabalho antes desenvolvido. Não se manifestaram suficientes apoios para esta via, por erro, pensamos, de alguns camaradas, que, tendo aderido há dois anos a um projecto politicamente coerente e sólido, se deixaram agora seduzir por ilusórios apelos conjunturais.
E é esta volatilidade, mesmo entre os mais críticos dentro da nossa Federação, que nos faz descrer da viabilidade de, no quadro limitado da Federação de Coimbra do PS, se poder abrir a porta a uma verdadeira renovação do Partido. Talvez seja mais útil agir no plano nacional, mesmo que privilegiando, num primeiro momento, a força das ideias, e deixando para mais tarde a solidez dos apoios.
São estas as razões que fazem com que nos alheemos da actual disputa, em curso na Federação de Coimbra do PS: não nos identificamos com o situacionismo vigente, mas não nos reconhecemos nesta oposição. Por isso, não apoiamos Victor Baptista, nem Mário Ruivo.
Assim, não nos esquivamos pelo silêncio de participar na vida interna do PS. Damos testemunho público do que pensamos e do que sentimos, propondo a nossa parte da verdade e sendo-lhe fiéis.
Concluímos, homenageando os socialistas que partilham a nossa posição e nos dão a honra de estar connosco nesta mesma ambição renovadora.
* Militantes socialistas

domingo, 19 de outubro de 2008

Construir um pensamento crítico



Mais uma vez, recorro à revista brasileira de grande circulação CartaCapital. Que eu saiba, esta é a única revista brasileira de grande circulação internacional que não participou na suja tentativa de enlamear o Presidente Lula, durante os meses que antecederam a sua reeleição. Campanha, aliás, dirigida, precisamente, a impedir essa reeleição e que contou com a cumplicidade das oposições e com fortes suportes institucionais. Falhou como sabemos. Hoje, em pleno segundo mandato Lula tem um índice de aprovação do eleitorado que roça os 80%, o que constitui um verdadeiro record político. Muitos dos políticos que então insultaram Lula disputam agora o privilégio de se confessarem seus apoiantes. Ao contrário, da Veja e até da Isto É, a CartaCapital incorpora um pensamento crítico, não estando atrelada aos interesses e aos preconceitos da direita brasileira.
É pois com a devida vénia que transcrevo, seguindo os caminhos da internet, dois textos que encontrei no sítio da referida revista, cujo interesse me parece evidente e que merecem ser conhecidos. Tal como tem acontecido com outros textos, transcrevê-los não significa que concorde com eles, ou com tudo o que digam, significa apenas que entendo que nos podem ajudar a reflectir e enriquecem a nossa informação.
O primeiro é um incisivo comentário de um reputado jornalista brasileiro, Mino Carta, que é também uma referência da referida revista. Datado de 17 de Outubro de 2008, tem como título
“Depois de Berlim, Nova York”.
O segundo é uma entrevista com o filósofo esloveno Slavoj Žižek (do qual há poucos dias transcrevi neste mesmo blog um outro texto seu) feita por
Antonio Luiz Monteiro Coelho da Costa , publicada no mesmo dia que o texto anterior, sob o título de “Poderes distribuídos”.


Primeiro texto : artigo de Mino Carta

Depois de Berlim, Nova York
Mino Carta

Gostaria que os tempos fossem bem menos propícios para os especuladores do que para os economistas. Convém escolher com cuidado os vilões. Creio que a lista tenha de começar pelos grandes sacerdotes da religião do deus mercado. Está na moda dizer que os economistas falharam sinistramente nas suas análises. Nem todos. Indispensável é reservar um capítulo especial para os jornalistas que no Brasil deitam falação sobre economia no vídeo e nas páginas impressas. Nos últimos anos atingiram um grau de prosopopéia nunca dantes navegado. CartaCapital orgulha-se de veicular nesta edição uma sugestão de Nirlando Beirão na sua seção Estilo: que as senhoras e os senhores acima tirem longas férias. E por que não, digo eu, aposentá-los? Há os vigários e há quem caiu em seu conto. A crise pune os crédulos com ferocidade. Sabemos de antemão que muitos entre os vendedores de fumaça sairão incólumes da monumental enrascada. Como indivíduos, ao menos. E assim caminha a humanidade. Resta o fato, contudo: mais um muro ruiu. O outro muro. Wall em língua inglesa, idioma do império. Quando o Muro de Berlim caiu debaixo das picaretas libertadoras, há 19 anos, proclamou-se o fracasso do chamado socialismo real. Agora cai o wall nova-iorquino e se busca, em desespero, a reestruturação de um Estado forte depois da ola global das privatizações. Quem fracassa no caso? No mínimo, o capitalismo neoliberal. Na queda de Berlim, soçobra a URSS. E na queda de Nova York? O império de Tio Sam, descalço, exibe os pés de argila. Dezenove anos atrás não faltou quem, enquanto esfregava as mãos de puro contentamento, decretasse o fim das ideologias, como se não houvesse mais espaço para as idéias. E agora, que dizer? Que o neoliberalismo foi jogada do acaso, despida do apoio de qualquer idéia? Se for assim, concluiremos que resultou de uma soberba insensatez. O que, de alguma forma, faz algum sentido. O monstro criado virou-se contra os criadores. Talvez não passassem de aprendizes de mágico: conhecem o abracadabra desencadeador, mas não sabem pôr fim à magia desastrada. Falemos do pretenso fim da ideologia. Quem sustenta mostra seus limites. Gostaria de dizer, porém, que antes ainda da idéia vem a ética. É por aí que se abre a chance de sair da selva e escapar às suas leis. É possível o ser ético em um mundo que acentua as desigualdades? Ou aceitar a miséria, a doença, a fome, a degradação humana como coisas da vida? Cada qual faça suas escolhas ideológicas. Para ficar no campo da economia política, que seja marxista, keynesiano, schumpeteriano etc. etc., desde que o propósito não se limite à garantia da liberdade e busque a igualdade sem o temor do anátema dos donos do poder, que o pretenderá subversivo, terrorista, comunista e por aí afora. A liberdade sem igualdade tem valor escasso e limites escancarados. Quando, no caso do endeusamento do mercado, não se torna, automaticamente, fator decisivo da desigualdade. Em detrimento do gênero humano em peso. A lição nunca foi tão atual.

Segundo texto : Entrevista com Slavoj Žižek


Professor da European Graduate School, candidato a presidente da Eslovênia no início dos anos 90, Slavoj Zizek é um dos expoentes da filosofia mundial. Antes de chegar ao Brasil para o lançamento de seu mais recente livro, A Visão em Paralaxe (Boitempo, 512 págs., R$ 74), Zizek concedeu por e-mail uma entrevista à CartaCapital, na qual analisa as conseqüências da debacle financeira internacional.

Segundo ele, trata-se, além de uma crise do capital, de um fenômeno de natureza geopolítica. “O século americano terminou”, diz Zizek. No lugar, teremos a formação de diversos centros de capitalismo global, inclusive na América Latina. Confira abaixo a íntegra da entrevista:



CartaCapital: A elite da América Latina, mesmo quando se pretende “progressista”, tende a assumir o ponto de vista da classe dominante dos EUA e Europa, por ter um universo cultural de matriz européia e continuar a tomar por modelo o Hemisfério Norte. Ao mesmo tempo, vive uma realidade histórica muito diferente e convive com classes dominadas parcialmente formadas por outras matrizes culturais e que tende a desenvolver outro ponto de vista, talvez mais próximo dos países colonizados da África e Ásia. Esse caso especial de “visão em paralaxe” pode ser relacionada aos problemas específicos desta região do mundo?



Slavoj Zizek: Concordo, mas o perigo que vejo aqui, à espreita, é a tentação de traduzir a luta emancipatória global como uma luta antiocidental (ou mesmo antiamericana), isto é, praticar silenciosamente uma versão esquerdista do "choque de civilizações". Essa é uma catástrofe política, uma mistura total das verdadeiras linhas de frente políticas, onde regimes e movimentos protofascistas de repente surgem como "aliados antiimperialistas"...



CC: Nas principais entidades políticas do Ocidente, há um esvaziamento da política e do debate parlamentar em proveito do fortalecimento dos poderes executivos. Nos EUA, o mecanismo é o “estado de exceção” antiterrorista, na Europa, o sistema de regulação burocrática da União Européia, em alguns países da América Latina, o fortalecimento do executivo junto com mecanismos de tipo plebiscitário. É um 18 Brumário em escala planetária, ou algo mais complicado?



SZ: É um 18 Brumário em escala planetária, e isso é bastante complicado. Aqui atua um paradoxo que deve ser apontado: enquanto os poderes executivos (e os mecanismos de Estado) estão se reforçando, somos ao mesmo tempo bombardeados por alegações de que o papel das nações-Estados está diminuindo. Por quê? O "século americano" terminou e já estamos entrando no período de formação de diversos centros de capitalismo global: EUA, Europa, China, talvez a América Latina, cada qual representando um capitalismo de viés específico: nos EUA o capitalismo neoliberal; na Europa o que resta do Estado do bem-estar; na China os "valores orientais" do capitalismo autoritário; na América Latina o capitalismo populista... Depois do fracasso da tentativa dos EUA de se imporem como única superpotência (a polícia universal), hoje há a necessidade de estabelecer regras de interação entre esses centros locais no caso de seus interesses conflitantes. É por isso que nosso tempo é mais perigoso do que pode parecer. Durante a Guerra Fria, as regras de comportamento internacional eram claras, garantidas pela Destruição Mutuamente Garantida (loucura) das superpotências. Quando a União Soviética violou essas regras não-escritas e invadiu o Afeganistão, pagou caro por essa infração -a guerra no Afeganistão foi o começo de seu fim. Hoje, as antigas e as novas superpotências estão se testando mutuamente, tentando impor sua própria versão de regras globais, experimentando-as através de substitutos, que, é claro, são outros países e Estados pequenos. Karl Popper elogiou a experimentação científica das hipóteses, dizendo que, dessa maneira, permitimos que nossas hipóteses morram em vez de nós. Nos testes atuais, pequenos países são feridos em vez dos grandes -os georgianos recentemente pagaram o preço por testar. Embora as justificativas oficiais sejam altamente morais (direitos humanos, liberdades, etc.), a natureza do jogo é clara.



CC: Discursos como os de Hugo Chávez e Evo Morales são uma forma de contestação do sistema capitalista ou de radicalização populista do discurso liberal?



SZ: Apesar de minha grande admiração por Chávez e, especialmente, Morales, acho que eles continuam dentro dos confins do populismo, e essa é sua limitação fatal. De modo mais geral, o movimento antiglobalização sucumbiu à tentação de transformar uma crítica do próprio capitalismo (centrada nos mecanismos econômicos, formas de organização do trabalho e obtenção de lucros) em uma crítica do "imperialismo" -desse modo, o inimigo é exteriorizado, aparece como um Estado "concreto" (geralmente na forma de um antiamericanismo vulgar). Dessa perspectiva, em que a principal tarefa hoje é combater o "império americano", qualquer aliado é bom se for antiamericano, e assim o capitalismo "comunista" chinês desenfreado, os violentos antimodernistas islâmicos, assim como o obsceno regime de Lukashenko em Belarus (veja a visita de Chávez à Belarus), podem parecer companheiros de armas globalistas e progressistas... O que temos aqui é, portanto, outra versão da infame idéia de "modernidade alternativa": em vez de crítica ao capitalismo como tal, de confrontar seu mecanismo básico, temos a crítica ao "excesso" imperialista, com a idéia (silenciosa) de mobilizar os mecanismos capitalistas dentro de outro quadro mais "progressista".



CC: A virada ultraconservadora do Vaticano, ao mesmo tempo em que as igrejas católicas tendem a se esvaziar (abandonadas, na Europa Ocidental, ou derrotadas pelo pentecostalismo das favelas, na América Latina e África) é tolice, ou tem chances de ser bem-sucedido em encontrar uma aspiração a um fundamentalismo religioso como o que avança nos EUA e nos mundos muçulmano e hindu? O discurso fundamentalista pode ganhar a competição ideológica na Europa? Seria um problema em relação à sua afirmação de que “Hoje, quando as próprias religiões (...) estão mais do que dispostas a atender à busca pós-moderna pelo prazer, só o materialismo abrangente, de maneira paradoxal, é capaz de manter a postura ética militante verdadeiramente ascética”?



SZ: Acho que o discurso fundamentalista não tem chance de vitória nos países desenvolvidos, por um simples motivo: porque, não importa quanto barulho ele faça, continua sendo um fenômeno reacionário, uma reação à hegemonia liberal-democrática. A antiga tese de Walter Benjamin de que "toda ascensão do fascismo é testemunha de uma revolução fracassada" não apenas se sustenta hoje, como talvez seja mais pertinente que nunca. Os liberais gostam de indicar semelhanças entre "extremismos" de esquerda e direita: o terror e os campos de Hitler imitaram o terror bolchevique, o partido leninista vive hoje na Al Qaeda - sim, mas o que tudo isso significa? Também pode ser interpretado como um indício de como o fascismo literalmente substitui a revolução de esquerda: sua ascensão é o fracasso da esquerda, mas simultaneamente uma prova de que havia um potencial revolucionário, insatisfação, que a esquerda não conseguiu mobilizar. E o mesmo não se sustenta para o chamado (por algumas pessoas) "islamo-fascismo"? A ascensão do islamismo radical não é exatamente correlata ao desaparecimento da esquerda secular nos países muçulmanos? Hoje, quando o Afeganistão é retratado como o país fundamentalista islâmico por excelência, quem se lembra de que 30 anos atrás era um país com uma forte tradição secular, e até um poderoso Partido Comunista que tomou o poder independentemente da URSS? Onde essa tradição secular desapareceu? (E, como demonstrou Thomas Frank, o mesmo vale para o Kansas, a versão americana do Afeganistão: o próprio estado que foi até a década de 1970 o alicerce do populismo radical de esquerda é hoje a base do fundamentalismo cristão - isso não confirma mais uma vez a tese de Benjamin de que todo fascismo é indício de uma revolução fracassada? A diferença entre o liberalismo e a esquerda radical é que, embora se refiram aos mesmos três elementos (centro liberal, direita populista, esquerda radical), os situam em uma topologia radicalmente diferente: para o centro liberal, a esquerda radical e a direita são as duas formas de aparecimento do mesmo excesso "totalitário", enquanto para a esquerda a única alternativa real é aquela entre si mesma e a corrente dominante liberal, com a direita populista "radical" sendo apenas o sintoma da incapacidade do liberalismo de lidar com a ameaça esquerdista. Quando ouvimos hoje um político ou um ideólogo nos oferecer a opção entre a liberdade liberal e a opressão fundamentalista, e fazendo triunfalmente a pergunta (retórica): "Você quer que as mulheres sejam excluídas da vida pública e privadas de seus direitos elementares? Você quer que toda crítica ou zombaria à religião seja punida com a morte?", o que deveria nos causar suspeita é a própria auto-evidência da resposta - quem iria querer ISSO? O problema é que esse universalismo liberal simplista perdeu sua inocência há muito tempo. É por isso que, para um verdadeiro esquerdista, o conflito entre permissividade liberal e fundamentalismo é em última instância um FALSO conflito - um círculo vicioso de dois pólos que geram e pressupõem um ao outro. Aqui é preciso efetuar um passo atrás hegeliano e questionar a própria medida da qual o fundamentalismo aparece em todo o seu horror. Os liberais há muito perderam o direito de julgar. E que dizer dos valores centrais do liberalismo: liberdade, igualdade, etc.? O paradoxo é que o próprio liberalismo não é forte o suficiente para salvá-los - isto é, seu próprio cerne - do ataque fundamentalista. Por quê? O problema do liberalismo é que ele não se sustenta por si só: falta algo no edifício liberal, o liberalismo é em sua própria noção "parasitário", dependente de uma suposta rede de valores comunitários que ele mesmo mina com seu desenvolvimento. O fundamentalismo é uma reação -- uma reação falsa e mistificadora, é claro - a um defeito real do liberalismo, e por isso ele é gerado repetidamente pelo liberalismo. Deixado à própria sorte, o liberalismo lentamente minará a si mesmo - a única coisa que pode salvar seu cerne é uma esquerda renovada.



CC: Na disputa entre discursos ideológicos, como se enquadra o ateísmo militante de autores como Richard Dawkins e Christopher Hitchens, que chega a encontrar expressão na cultura de massas como a série infanto-juvenil Golden Compass de Philip Pullman? É uma alternativa liberal ao discurso multiculturalista?



SZ: Hoje, muitas orientações alegam ser materialistas: o materialismo científico (darwinismo, ciências do cérebro), o materialismo "discursivo" (a ideologia como conseqüência de práticas discursivas materialistas), o que Alain Badiou chama de "materialismo democrático" (hedonismo igualitário espontâneo), etc., até tentativas de "teologia materialista". Alguns desses materialismos são mutuamente exclusivos: para os materialistas "discursivos", é o materialismo científico que, em sua afirmação direta e supostamente "ingênua" da realidade exterior, é "idealista" no sentido de que não leva em conta o papel da prática simbólica "material" na constituição do que aparece para nós como realidade; para o materialismo científico, o materialismo "discursivo" é uma confusão obscurantista que não deve ser levada a sério. Sou tentado a sugerir que o materialismo discursivo e o materialismo científico são, em seu próprio antagonismo, a frente e o verso da mesma moeda, um representando a culturalização radical (tudo, incluindo nossas noções de natureza, é uma formação discursiva contingente), o outro a naturalização radical (tudo, incluindo nossa cultura, pode ser explicado em termos da evolução biológica natural). (Devemos notar aqui que essa dualidade de materialismo naturalista e materialismo discursivo reflete a dualidade que, segundo Badiou, caracteriza o "materialismo democrático", para o qual só há corpos e linguagens: o materialismo natural cobre os corpos, e o materialismo discursivo cobre as linguagens.) Essa multiplicidade é acompanhada de uma multiplicidade de tendências espiritualistas: versões do cristianismo, judaísmo e islamismo tradicionais são complementadas pelo chamado pensamento "pós-secular" (Derrida, Levinas), neo-bergsonismo (Deleuze, para alguns), para não falar nas múltiplas formas de espiritualidade da Nova Era, do "budismo ocidental" ao neopaganismo. (Peter Hallward acertou ao desenterrar o núcleo idealista do pensamento de Deleuze: a polêmica de Badiou contra Deleuze é possivelmente uma das últimas figuras da eterna luta do materialismo contra o idealismo.) Dentro dessa imagem complexa, as relações entre a dupla materialismo/idealismo e a luta política são muitas vezes "supradeterminadas" - por exemplo, a recente popularidade dos ataques diretos do materialismo científico à religião (a grande "troika" best-seller Sam Harris, Richard Dawkins, Daniel Dennett) é certamente sustentada pela necessidade ideológica de apresentar o Ocidente liberal como bastião da Razão contra os loucos muçulmanos e outros fundamentalistas irracionais.



CC: Embora você seja europeu, a maior parte dos seus exemplos contemporâneos, no que se refere a cultura de massas e política eleitoral é dos EUA. A Europa, ocidental ou oriental, não tem especificidades e não é igualmente importante? Ou o modelo dos EUA realmente se impõe de tal forma que se pode reduzir Berlusconi a Bush e a resistência européia à imigração ao racismo estadunidense?



SZ: O motivo pelo qual me concentro na cultura popular dos EUA (embora tenha escrito muito sobre a Europa Ocidental e a Oriental pós-comunista - afinal, escrevi um livro sobre Kieslowski!) é que acho que a cultura popular americana ainda é de longe hegemônica em nosso imaginário ideológico.



CC: Na atual eleição dos EUA, o discurso populista-conservador atingiu novos extremos e abriu caminho para uma fundamentalista declarada chegar à candidatura republicana pela vice-presidência, mas parece incapaz de dar interpretação e solução alternativa à crise econômica: apenas tenta desviar o foco do debate para o “terrorismo”, enquanto silenciosamente se alinha ao intervencionismo econômico “democrata” na prática. É um fracasso desse discurso, ou apenas uma incompetência dos seus ideólogos do momento? É possível que a crise o leve a se transformar em alguma outra coisa?



SZ: Com relação às eleições nos EUA, a fusão financeira foi uma bênção disfarçada, a coisa certa para nos lembrar de onde vivemos: na realidade do capitalismo global. A reação republicana predominante à fusão financeira é uma tentativa desesperada de reduzi-la a um pequeno percalço que poderá ser facilmente sanado por uma dose adequada do velho remédio republicano (o respeito devido aos mecanismos de mercado, etc.). Em suma, sua mensagem nas entrelinhas é: nós permitimos que vocês continuem sonhando. No entanto, todo o posicionamento político de reduzir os gastos públicos tornou-se irrelevante depois desse repentino toque do real: agora até os mais fortes defensores da redução do papel excessivo de Washington aceitam a necessidade de uma intervenção estatal que é sublime em sua quantidade quase inimaginável. Confrontado com essa grandiosidade sublime, toda a bravata do "Chega de enganação!" foi reduzida a um murmúrio confuso: onde estão a decisão de McCain e o sarcasmo de Palin? Mas a fusão financeira foi de fato apenas um momento de sobriedade, o despertar de um sonho? Tudo depende de como ele será simbolizado, de qual interpretação ideológica ou histórica se imporá e determinará a percepção geral da crise. Quando o curso normal das coisas é traumaticamente interrompido, abre-se o campo para uma competição ideológica "discursiva" - por exemplo, na Alemanha no final dos anos 1920, Hitler ganhou a competição pela narrativa que explicaria aos alemães os motivos da crise na República de Weimar e a maneira de sair dela (sua trama foi a trama dos judeus); na França de 1940 foi a narrativa do marechal Petain que venceu para explicar os motivos da derrota francesa. Conseqüentemente, para colocar em antigos termos marxistas, a principal tarefa da ideologia dominante na atual crise é se impor como narrativa que não colocará a culpa da fusão no sistema capitalista global EM SI, mas em seu desvio secundário acidental (excesso de regulamentação fiscal, corrupção das grandes instituições financeiras, etc.). Contra essa tendência, devemos insistir na pergunta chave: que "defeito" do sistema EM SI abre a oportunidade para tais crises e colapsos? A primeira coisa a se levar em conta é que a origem da crise é "benigna": depois da explosão da bolha digital no início deste milênio, a decisão suprapartidária foi facilitar os investimentos em imóveis para manter a economia andando e evitar a recessão - a fusão atual é o preço pago pelo fato de os EUA terem evitado uma recessão cinco anos atrás. O perigo, portanto, é que a narrativa predominante da fusão seja aquela que, em vez de nos despertar do sonho, nos permita continuar sonhando. E é aqui que devemos começar a nos preocupar - não somente com as conseqüências econômicas da fusão, mas com a tentação óbvia de revigorar a "guerra ao terror" e o intervencionismo dos EUA para manter a economia em marcha.



CC: A atual crise financeira é, em primeiro lugar, uma crise do capital, da correspondência entre o valor de troca e o valor de uso, ou uma crise da geopolítica, da correspondência entre o poder político e cultural do Ocidente e seu peso relativo no mundo? O deslocamento do centro de gravidade da economia mundial do Ocidente na direção do Sul (China, Índia etc.) pode ainda ser analisado dentro da perspectiva ocidental ou exige outro ponto de vista?



SZ: Acho que a crise financeira é ao mesmo tempo uma crise do capital e uma crise da geopolítica global: se o termo "capitalismo global" tem algum significado, as duas não podem ser diferenciadas. Mas é predominantemente uma crise do capital em si. A primeira coisa que salta aos olhos nas atuais reações à fusão financeira é que, como colocou um dos participantes: "Ninguém sabe realmente o que deve fazer". O motivo é que as expectativas são uma parte do jogo: como o mercado vai reagir depende não só de quanto as pessoas confiam nas intervenções, mas ainda mais de quanto elas pensam que os outros vão confiar nelas - não se pode levar em conta os efeitos de suas próprias intervenções. Há muito tempo, John Maynard Keynes apresentou isso lindamente, numa auto-referência, quando comparou o mercado de ações a uma competição tola cujos participantes têm de escolher entre uma centena de fotos várias garotas bonitas; o vencedor é aquele que escolher as garotas que mais se aproximam da opinião geral: "Não se trata de escolher aquelas que sejam realmente as mais bonitas, segundo sua própria avaliação, nem aquelas que a opinião geral realmente considera as mais bonitas. Chegamos ao terceiro grau, em que dedicamos nossa inteligência a prever o que a opinião geral espera que seja a opinião geral". Assim, somos obrigados a escolher sem ter à nossa disposição o conhecimento que permitiria fazer uma opção qualificada, ou, como colocou John Gray: "Somos obrigados a viver como se fôssemos livres". Joseph Stiglitz escreveu recentemente que, embora haja um crescente consenso entre os economistas de que qualquer socorro baseado no plano de Paulson não funcionará, "é impossível para os políticos não fazer nada nessa crise. Portanto, talvez devamos rezar para que um acordo elaborado com a mistura tóxica de interesses especiais, políticas econômicas mal-orientadas e ideologias de direita que produziram a crise consiga de alguma forma produzir um plano de socorro que dê certo - ou cujo fracasso não cause muitos danos". Ele está certo, pois os mercados efetivamente se baseiam em crenças (mesmo crenças sobre as crenças dos outros), por isso quando a mídia se preocupa sobre "como os mercados vão reagir" ao socorro é uma pergunta não apenas sobre as conseqüências reais do socorro, mas sobre a crença dos mercados na eficácia do plano. É por isso que o socorro pode funcionar mesmo que esteja economicamente errado. Mas, como nos dizem repetidamente que a confiança e a crença são fundamentais, também devemos nos perguntar em que medida o aumento das apostas pelo próprio governo em pânico reforça o perigo que tenta combater? É fácil notar a semelhança da linguagem do presidente Bush em seus discursos à população americana depois do 11 de Setembro e depois da fusão financeira: parecem duas versões do mesmo discurso. Nas duas vezes ele evocou a ameaça ao próprio modo de vida americano e a necessidade de ação rápida e decisiva para enfrentar o perigo. Nas duas vezes ele pediu a suspensão parcial dos valores americanos (garantias à liberdade individual, capitalismo de mercado) para salvar esse próprios valores. Esse paradoxo é inevitável? A pressão para "fazer alguma coisa" é como a compulsão supersticiosa de fazer algum gesto quando observamos um processo sobre o qual realmente não temos influência. Nossos atos não são muitas vezes esses gestos? O velho ditado "não fale simplesmente, faça alguma coisa!" é uma das coisas mais idiotas que se podem dizer, mesmo medida pelos baixos padrões do senso comum. Talvez tenhamos feito demais ultimamente, intervindo, destruindo o meio ambiente... e seja hora de recuar, pensar e dizer a coisa certa. É verdade, muitas vezes falamos sobre uma coisa em vez de fazê-la - mas às vezes também fazemos coisas para evitar conversar e pensar sobre elas. Como jogar rapidamente US$ 700 bilhões em um problema, em vez de refletir sobre como ele surgiu. E certamente há material suficiente para nos fazer pensar na contínua confusão. A revolta dos republicanos contra o plano de salvamento federal, que culminou na rejeição da proposta em 29 de setembro, merece um olhar mais de perto. Note como a resistência ao projeto de socorro foi formulada em termos de "guerra de classes": Wall Street contra Main Street. Por que devemos ajudar os responsáveis (Wall Street) e deixar os hipotecados comuns (da "Main Street") pagar o preço da coisa toda? Não é esse um caso claro do que a teoria econômica chama de "risco moral", definido como "o risco de que alguém se comporte imoralmente porque o seguro, a lei ou algum outro agente o protege contra prejuízos que esse comportamento poderia causar" - digamos, se estou segurado contra incêndio, tomarei menos precauções contra o fogo (ou, in extremis, posso até atear fogo em meu bem segurado que está dando prejuízo). O mesmo vale para os grandes bancos: eles não estão protegidos contra grandes prejuízos e podem guardar os lucros? Não admira que Michael Moore já escreveu uma carta ao público descrevendo o plano de socorro como o roubo do século -- e é essa própria sobreposição da esquerda com os republicanos conservadores que deve nos fazer pensar. O que eles têm em comum é o desprezo pelos grandes especuladores e diretores corporativos que lucram com decisões arriscadas, mas são protegidos de fracassos por "pára-quedas dourados". A piada cruel de To Be Or Not to Be de Lubitch se aplica: quando perguntado sobre os campos de concentração alemães na Polônia ocupada, o responsável oficial nazista "Erhardt campo de concentração" retruca: "Nós fazemos a concentração, e os poloneses fazem o acampamento". O mesmo não se aplica à falência da Enron em janeiro de 2002, que pode ser interpretada como uma espécie de comentário irônico sobre a idéia de sociedade de risco? Milhares de empregados que perderam seus empregos e poupanças certamente foram expostos a um risco, mas sem qualquer opção real - o risco apareceu para eles como um destino cego. Aqueles, pelo contrário, que realmente tinham uma percepção dos riscos assim como a possibilidade de intervir na situação (a alta direção), minimizaram seus riscos vendendo suas ações e opções antes da falência -- assim, é verdade que vivemos em uma sociedade de opções arriscadas, mas alguns (os diretores de Wall Street) fazem as opções, enquanto outros (a gente comum que paga hipotecas) correm os riscos... Portanto, o plano de socorro é realmente uma medida "socialista", o início do socialismo estatal nos EUA? Se for, é uma muito peculiar: uma medida "socialista" cujo principal objetivo não é ajudar os pobres, mas os ricos, não os que pedem empréstimos, mas os que emprestam. Em uma suprema ironia, "socializar" o sistema bancário está bem quando serve para salvar o capitalismo: o socialismo é ruim -- exceto quando serve para estabilizar o capitalismo. (Veja a simetria com a China atual: da mesma maneira que os comunistas chineses usam o capitalismo para reforçar seu reinado, os EUA usam medidas "socialistas" para estabilizar o sistema capitalista.) Mas e se houver um "risco moral" inscrito na própria estrutura básica do capitalismo? Isto é, o problema é que não há como separar os dois: no sistema capitalista, o assistencialismo do Estado na Main Street depende do progresso em Wall Street. Assim, enquanto os populistas republicanos que resistem ao socorro estão fazendo a coisa errada pelo motivo certo, os propositores da ajuda estão fazendo a coisa certa pelo motivo errado. Colocando em termos mais sofisticados de lógica proposicional, sua relação é intransitiva: enquanto o que é bom para Wall Street não é necessariamente bom para Main Street, Main Street não pode prosperar se Wall Street não se sair bem -- e essa assimetria dá uma vantagem a priori a Wall Street. Lembre do argumento padrão do "escorrimento" contra a redistribuição igualitária de renda (através de alta taxação progressiva, etc.): em vez de tornar os pobres mais ricos, ele torna os ricos mais pobres. No entanto, longe de ser antiintervencionista, essa atitude contém uma visão precisa das intervenções econômicas estatais: embora todos queiramos que os pobres melhorem, é contraproducente ajudá-los diretamente, pois eles não são o elemento dinâmico e produtivo -- a única intervenção necessária é ajudar os ricos a enriquecer, e então os lucros irão automaticamente, por si sós, "escorrer" sobre os pobres... Hoje isso significa a crença de que jogando-se dinheiro suficiente em Wall Street ele eventualmente escorreria até Main Street, ajudando os trabalhadores e donas de casa comuns. Então, mais uma vez, se você quer que as pessoas tenham dinheiro para construir, não lhes dê diretamente; ajude os que estão emprestando a elas. Essa é a única maneira de criar verdadeira prosperidade -- do contrário, é apenas o Estado distribuindo dinheiro para os necessitados às custas dos que criam riqueza. É fácil demais refutar essa linha de raciocínio como uma defesa hipócrita dos ricos. O problema é que, na medida em que continuamos no capitalismo, há uma verdade nela: o empurrão em Wall Street REALMENTE vai atingir os trabalhadores comuns. É por isso que os democratas que apoiaram a ajuda do governo não foram incoerentes com suas inclinações esquerdistas. Eles só são incoerentes se aceitarmos a premissa dos populistas republicanos de que o (verdadeiro, autêntico) capitalismo e a economia de livre mercado são uma questão popular, de classe baixa, enquanto as intervenções do Estado são estratégia da classe alta para explorar as pessoas trabalhadoras comuns: capitalismo versus socialismo é como trabalhadores comuns versus elite da classe alta. Mas não há nada de novo nas intervenções do Estado no sistema bancário e na economia em geral. A própria fusão é uma conseqüência delas: em 2001, quando a bolha digital explodiu, foi decidido facilitar o crédito para redirecionar o crescimento para a habitação. E se ampliarmos nossa visão para incluir a realidade global veremos que as decisões políticas tecem a própria trama das relações econômicas internacionais. Alguns anos atrás, uma reportagem da CNN sobre Mali descreveu a realidade do "livre mercado" internacional. Os dois pilares da economia de Mali são o algodão no sul e o gado no norte, e ambos estão em dificuldades porque as potências ocidentais violam as próprias regras que tentam impor brutalmente aos países pobres do Terceiro Mundo. Mali produz algodão de qualidade superior, mas o problema é que o governo dos EUA gasta mais dinheiro no apoio financeiro a seus plantadores de algodão do que todo o orçamento estatal de Mali, por isso não admira que eles não possam competir com o algodão americano. No norte, o culpado é a União Européia: a carne de Mali não pode concorrer com o leite e a carne europeus, altamente subsidiados -- a UE subsidia cada vaca com cerca de 500 euros por ano, mais que o PIB per capita de Mali. Assim, o comentário do ministro da Economia de Mali foi: não precisamos de sua ajuda ou conselhos ou sermões sobre os efeitos benéficos de abolir a regulamentação estatal excessiva; por favor, apenas respeitem suas próprias regras sobre o livre mercado e nossos problemas estarão basicamente resolvidos... E onde estão os republicanos defensores do livre mercado? Em nenhum lugar, porque o colapso de Mali é a realidade do que significa para os EUA pôr "nosso país em primeiro lugar". O que tudo isso indica claramente é que não há um mercado neutro: em cada situação particular, as coordenadas da interação do mercado são sempre reguladas por decisões políticas. O verdadeiro dilema, portanto, não é "Intervenção do Estado ou não?", mas "Que tipo de intervenção do Estado?". E ISTO é a VERDADEIRA política: a luta para definir as coordenadas básicas apolíticas de nossas vidas. Todas as questões políticas são de certo modo apartidárias, elas envolvem a pergunta: "O que É o nosso país?" Assim, é exatamente o debate sobre o socorro que é a VERDADEIRA política, lidando com decisões sobre as características fundamentais de nossa vida social e econômica, até mobilizando o fantasma da luta de classes (Wall Street ou os hipotecados comuns? Intervenção do Estado ou não?). Não há uma posição "objetiva" de especialista esperando para ser aplicada aqui, temos de assumir um lado político. Em 24 de setembro, McCain suspendeu a campanha e foi para Washington, proclamando que era hora de pôr de lado as diferenças partidárias. Esse gesto foi realmente um sinal de disposição a pôr fim à política partidária e colocar o país em primeiro lugar para lidar com o verdadeiro problema que afeta a todos, não apenas "nós" contra "eles"? Definitivamente NÃO – foi mais como um "Mr. McCain vai para Washington" de um antigo filme de Frank Capra. A política é exatamente a luta para definir esse terreno "neutro", e por isso a proposta de McCain de superar as fronteiras partidárias é pura política, posicionamento político, política partidária disfarçada de apartidarismo, uma tentativa desesperada de impor o SEU lado como universal-apolítico. O que é ainda pior que a "política partidária" é a política partidária que se mascara de apartidária: essa política exclui o adversário ainda mais radicalmente do que a política partidária habitual, pois se impõe como a voz do Todo, reduzindo o adversário a um agente de interesses particulares. É por isso que Obama acertou ao recusar o pedido de McCain de adiar o primeiro debate presidencial e indicar que a fusão econômica torna ainda mais urgente um debate POLÍTICO sobre como os dois candidatos vão enfrentar a crise. Nas eleições de 2000, Clinton ganhou com o lema "É a economia, idiota!" Esta eleição só pode ser vencida pelos democratas se eles passarem a mensagem: "É a economia POLÍTICA, idiota!" Os EUA não precisam de menos política, precisam de MAIS política.



CC: A conclusão do livro é um elogio ao “preferir não” de Bartleby como alternativa à política tradicional. Mas essa negação não é algo que, na forma de anarquismo, existencialismo, situacionismo etc., está há muito presente nas margens da cultura ocidental, raramente mostrando qualquer capacidade real de ruptura? O que a tornaria eficaz?



SZ: Anarquismo/ existencialismo/ situacionismo não foram inativos, eles foram muito ativos a sua própria maneira (encenando provocações públicas, etc.) -- exatamente o que Badiou visa em sua tese provocativa: "É melhor não fazer nada do que contribuir para a invenção de maneiras formais de tornar visível o que o Império já reconhece como existente". Melhor não fazer nada do que se envolver em atos localizados cuja função final é fazer o sistema rodar mais macio (atos como fornecer espaço para uma multidão de novas subjetividades, etc.). A ameaça hoje não é a passividade, mas a pseudo-atividade, o ímpeto para "ser ativo", "participar", mascarar o Vazio do que acontece. As pessoas intervêm o tempo todo, "fazem alguma coisa", acadêmicos participam de "debates" insignificantes, etc., e a coisa realmente difícil é dar um passo atrás, recuar disso. Os que estão no poder geralmente preferem até uma participação "crítica", um diálogo, ao silêncio -- só para nos envolver em um "diálogo", para garantir que nossa passividade ameaçadora seja rompida.



CC: Suas obras têm freqüentemente procurado resgatar o potencial de crítica e ruptura revolucionária encontrado em textos como os de Lênin, Mao e Robespierre, inclusive quando atacam e propõem a repressão violenta de seus críticos “moderados”. Mas essas obras também criticam o stalinismo e uma nota de Visão em Paralaxe diz que “o comunismo soviético, desde 1917 (...), viveu com tempo emprestado (...), de modo que o fracasso final desqualificou retroativamente as próprias épocas anteriores”. Sua própria carreira política passou pela desmontagem da herança leninista e construção de uma democracia burguesa na Eslovênia. Como se explica essa aparente incompatibilidade entre teoria e prática?



SZ: Minha própria carreira política é um bom exemplo de por que é necessária uma dose da atitude de Bartleby. Em 1990, meu envolvimento era muito limitado e restrito a um objetivo preciso: evitar que a recém-independente Eslovênia tomasse o rumo da Sérvia ou da Croácia, Estados com um forte regime nacionalista-populista, e salvar o máximo possível do legado dos movimentos da Nova Esquerda. Quando esse objetivo foi alcançado, eu me retirei da política. Por isso minha tese não é que devemos sentar e não fazer nada -- devemos nos opor à pseudo-atividade da "resistência". Devemos aceitar modestamente que às vezes não há espaço para grandes atos políticos. Devemos aceitar que ainda não temos o "mapeamento cognitivo" mais elementar de nossa situação: realmente não sabemos o que está acontecendo no mundo hoje.

(Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves)