domingo, 25 de maio de 2008

Trabalho, governo e sindicatos




Cezar Britto, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) deu uma entrevista à revista brasileira CartaCapital, da qual transcrevemos alguns extractos.
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CartaCapital: A reforma trabalhista é um dos itens da pauta de reformas. Qual é o alvo das mudanças?

Cezar Britto: O que se quer, na verdade, é aumentar a competitividade das empresas globalizadas. Os direitos dos trabalhadores estariam impedindo os lucros, lucros maiores. Isso entrou em jogo desde o governo Fernando Henrique Cardoso.

CC: Os direitos trabalhistas entram no leilão da competição.

CB: Essa é exatamente a lógica. Por ela, o custo do trabalho atrapalha a competitividade. Onde se paga menos, mais atrativo se torna para o investimento do capital. Isso entrou em discussão com o neoliberalismo e ainda não foi abandonado.

CC: Não foi abandonado no governo Lula?
CB: Não foi. Tanto é que, já no governo Lula, foi aprovada a lei de recuperação das empresas. Uma lei que segue essa lógica. Ela revogou alguns princípios que eram fundamentais para o trabalhador.
CC: No governo de um ex-operário metalúrgico, a contradição fica maior?

CB: Fica maior. O espírito da lei de recuperação das empresas é o mesmo que se espalha por vários países. Fui convidado para fazer uma palestra em Moçambique, cujo tema foi exatamente essa lei. Ela já vigora na Argentina, no Panamá.

CC: O que ela muda concretamente na relação trabalho e capital?

CB: Havia um entendimento que o trabalhador não era responsável pela gestão da empresa da qual não aufere lucros. Por isso, se convencionou que ele também não poderia ser responsabilizado pela má gestão ou pelo desvio de verbas nas empresas. Quem tem responsabilidade é quem tem o lucro, o empresário. Nessa lógica, o patrimônio da empresa servia para garantir o salário do trabalhador.

CC: Não é mais?

CB: Depois dessa lei, apenas uma pequena parte se destina aos direitos do trabalhador. O segundo credor passaram a ser as instituições bancárias. Outra mudança fundamental, que simboliza bem este momento do conflito capital–trabalho, é o fim da “despersonalização” do patrimônio da empresa, que, antes, garantia também a indenização do trabalhador. Hoje, em caso de processo de recuperação da empresa, o patrimônio é distribuído a um conselho de credores. Um bom exemplo disso é o da Varig. A parte boa do patrimônio foi passada à Gol, a parte ruim ficou para garantir os créditos trabalhistas.

CC: Como foi a trajetória dessa mudança no Brasil?

CB: Ela nasceu no governo Fernando Henrique e foi aprovada no governo Lula. O governo Lula, no início, acertou ao fortalecer os sindicatos. Fortes, eles têm um bom sistema de negociação com a classe patronal. Mas a reforma apresentada, discutida em um fórum com empregados e patrões, dorme no Congresso. Não avançou.

CC: O que é bom na proposta de reforma trabalhista?

CB: Ela permite que os sindicatos se unam, como dizemos, “do poço ao posto” no ramo da produção. Hoje, os sindicatos são constituídos por categorias profissionais. Às vezes, uma empresa tem cinco, seis ou sete sindicatos. Isso dilui a negociação e fragiliza os empregados. Essa proposta permite a união dos sindicatos. Acaba a unicidade sindical.

CC: E a questão da contribuição sindical?

CB: A contribuição sindical nasceu para premiar os sindicatos mais atrelados ao Estado. Os sindicatos precisam ser mantidos pelo reconhecimento da categoria e não pela distribuição do dinheiro feito pela contribuição. Talvez fosse o caso de se fazer uma redução paulatina.

CC: A Justiça do Trabalho funciona?

CB: A Justiça do Trabalho cresceu muito nos últimos anos e foi modernizada. É uma das mais ágeis do Brasil, e que responde mais rapidamente às demandas. A competência da Justiça trabalhista foi ampliada e absorveu um mundo de questões novas, como as referentes às greves e às indenizações decorrentes de acidente de trabalho, entre outras.

CC: Isso tem favorecido os empregados, já que se trata de uma justiça feita para equilibrar as relações entre o capital e o trabalho?

CB: Esse é o grande diferencial da Justiça do Trabalho. A grande força dela, ao ser criada, foi a compreensão de que esses dois mundos são desiguais. Ela trata diferenciadamente pessoas que não são iguais: o empregado e o patrão. É diferente do princípio que norteia a Justiça comum, que é o da igualdade contratual. Isso significa que todas as pessoas diante dela são iguais e, sendo iguais na relação contratual, têm de ser tratadas da mesma forma.

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