1. Os fantasmas do neo-liberalismo que infestam as chamadas organizações económicas internacionais, fazendo-se eco de um mundo que já não tem condições objectivas para continuar a existir, insistem em dar conselhos aos vários países, opinando também, frequentemente, em matéria de educação.
Funcionários da ideologia oficial, outorgam para isso, a si próprios, as credenciais necessárias para serem aceites como distribuidores de receitas, sobre seja o que for.
Perdidos no labirinto contabilístico das suas ilusórias certezas “científicas”, esforçam-se por empurrar o Estado para fora da educação.
Chegam mesmo a reduzir a educação a um serviço como outro qualquer. E, lançados nesse atalho suicida, não hesitam em oferecê-la, como terreno de caça, ao comércio privado.
2.Não é este o momento para discutir esse interessado primarismo. Todavia, não há dúvida de que ele se adequa à tentativa de atenuar as despesas públicas com a educação, substituindo o Estado pelo incerto recurso a mecenas privados.
Ora, valorizar, como um dos eixos estratégicos da educação pública, o mecenato privado, é uma lesão dramática da completude do poder político democrático.
De facto, em regra, só quem tem dinheiro se dispõe a ser mecenas. Os cidadãos pobres não têm meios para serem mecenas de coisa nenhuma.
E a médio e a longo prazo, quem é importante no fornecimento de meios financeiros, há-de ter um poder correspondente na vida das instituições apoiadas. Desse modo, o poder dos que têm dinheiro suficiente para serem mecenas vai substituir-se ao poder dos cidadãos que têm apenas o poder democrático de votar.
Se os mecenas fossem levados a pagar a mais ao Estado, a título de imposto, o equivalente aos apoios financeiros que viriam a dar a instituições públicas de educação; e se o Estado encaminhasse o resultado da cobrança desses impostos para financiar a educação, nenhuma hipótese haveria de que o poder na educação pública fosse exercido à margem da delegação democrática dos cidadãos.
Se o Estado, pelo contrário, fugir à sua responsabilidade pela educação pública, aligeirando, na mesma medida, os impostos pagos pelos potenciais mecenas, para assim lhes dar oportunidade de usarem uma parte do que deixarem de pagar, no apoio a instituições públicas de educação, verá, a prazo, diminuído o seu poder sobre a escola pública, partilhando-o, naturalmente, com os co-financiadores.
E assim alguns ricos (ou delegados seus), passarão a partilhar, de algum modo, o poder sobre as escolas públicas. Uma vez que eles, fundamentalmente, darão aquilo que deixaram de pagar como impostos, estamos perante um verdadeiro privilégio, vedado, em absoluto, a quem não for rico. O Estado fica mais anémico e a sociedade mais injusta.
3. Se esse Estado corresponder a um país relativamente subalterno, como o nosso, com uma dimensão geográfica reduzida e um potencial demográfico muito pouco significativo, essa deriva terá riscos acrescidos.
Se um Estado com essas fragilidades, corresponder a um povo que esteve na origem de uma das línguas situadas entre as dez mundialmente mais faladas, tendo por isso na educação um elemento com uma importância suplementar, enquanto lugar estratégico de valorização dessa língua e da respectiva cultura, essa deriva passaria a ser um sintoma alarmante de irresponsabilidade política.
Seria sinal de que esse Estado não é governado por políticos, mas por amanuenses do dia-a-dia, que, verdadeiramente, não sabem bem o que andam a fazer, por mais ungidos que se imaginem por uma cientificidade, de que realmente carecem.
4. É claro, que esta alergia ao mecenato na educação, em todos os seus níveis, incide apenas no mecenato que o Estado encara como seu sucedâneo.
Não envolve, naturalmente, os processos de cooperação entre as escolas (incluindo as de ensino superior) e as instituições da sociedade civil (sejam elas empresas ou não).
Quando as empresas e outras entidades privadas, movidas pela sua própria lógica, convergem c0m escolas fiéis a si próprias, estão a ser tecidos laços que induzem, naturalmente, situações de mecenato. Quando isso acontece, estamos apenas a assistir algo que deve ser encorajado: exploração virtuosa de sinergias.
As instituições educativas, nestes casos, embora sejam, naturalmente, beneficiadas, podem relacionar-se , em pé de igualdade, com os mecenas, já que no essencial a sua vida corrente e a sua subsistência não dependem deles.
Concomitantemente, em termos objectivos, nenhum mecenas poderá, nestes casos, impor seja o que for a uma entidade que não está colocada perante si, em qualquer estado de necessidade, o que acontece nos outros casos.
Está assim a ver-se que tudo isto é qualitativamente diferente das situações em que o Estado não assegura a vida normal de uma instituição, alegando que ela deve conseguir os mecenas que compensem a perda desse apoio.
Neste caso, realmente, estar-se-á a enveredar pelo equívoco caminho que acima se comentou.
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