Os dirigentes do Partido Socialista Francês, antes da primeira volta das eleições primárias, recentemente realizadas para se escolher o candidato presidencial que será apoiado pelo PSF, consideravam um milhão de votantes como o patamar acima do qual se poderia considerar essa consulta como um grande êxito político. Como acorreram às urnas mais de dois milhões seiscentos e sessenta mil votantes, fica claro o nível de êxito realmente obtido.
F. Hollande e M. Aubry vão disputar entre si a segunda volta, mas com uma diferença ligeiramente inferior à esperada. A. Montebourg, candidato mais à esquerda entre os concorrentes, triplicou as estimativas que o situavam na casa dos 5% , afirmando-se como um factor importante na escolha do vencedor da segunda volta. S. Royal vencedora à primeira volta das primárias ( fechadas) anteriores e candidata presidencial do PSF vencida por Sarkosy nas últimas eleições, ficou-se por uns humilhantes 7%. O líder do Movimento dos Radicais de Esquerda, um partido da esquerda moderada que tem sido aliado dos socialistas, J.-M. Baylet, que também se submeteu ao sufrágio, apenas conseguiu 1%. M. Valls, o mais "blairista" dos candidatos, expoente da ala mais à direita do PSF conseguiu 6%, tendo progredido ligeiramente relativamente às previsões.
Neste momento, quando ainda não decorreu a segunda volta, o ambiente político francês, apesar da omnipresença da crise do capitalismo neoliberal e financeiro, por força das primárias abertas tem colocado os socialistas franceses no centro da cena política. Nomeadamente, foi notório o embaraço com que os "sarkosistas" reagiram a esta novo impulso que parece animar o PSF.
Como se sabe, esta consulta era aberta a todo o eleitorado de esquerda, já que quem quisesse votar apenas tinha que subscrever uma declaração de partilha dos valores republicanos e da esquerda e que pagar um euro. Os concorrentes tinham que reunir um leque de apoios institucionais e podiam não ser indicados pelo PSF. Em termos formais e institucionais dos outros partidos políticos só os radicais de esquerda se integraram na iniciativa. Se recordarmos que o PSF tem cerca de cento e vinte mil membros, percebemos como este tipo de consulta envolve um universo político de uma outra dimensão.
O estigma, por vezes muito pesado, de um candidato que foi escolhido por um pequeno leque de notáveis e de dirigentes de um partido, perde aqui toda a razão de ser, tornando-se politicamente inexistente. O risco de, no seio de uma área política que escolha o seu candidato desta maneira, surgir mais do que um candidato reduz-se praticamente a zero. Ou no caso de, mesmo assim, surgir alguém a querer fazer-se passar por tal, fica claro, sem margem para quaisquer dúvidas, que estamos perante um simples impostor, perante um verdadeiro cavalo de Tróia. E facilmente se percebe a vantagem política de alguém cuja escolha envolveu mais de dois milhões e meio de eleitores e foi feita por um processo incontroversamente democrático, relativamente a quem foi cooptado por um pequeno grupo de dirigentes, para só depois ser homologado pelo partido. Vantagem ainda maior em face da escolha do candidato que resultar de uma simples decisão do próprio se candidatar, o que coloca os seus potenciais apoiantes sobre uma pressão política de legitimidade duvidosa e de consequências imprevisíveis.
Aliás, são conhecidas as dificuldades objectivas por que passaram os candidatos apoiados pelo PS nas duas mais recentes eleições presidenciais e as sequelas que isso deixou na sua dinâmica política geral . Se em qualquer dos casos tivessem sido realizadas primárias abertas, certamente que não teriam surgido dois candidatos a disputar directamente o eleitorado socialista , nem provavelmente todos os outros candidatos de esquerda que também concorreram. E, se contra toda a lógica isso tivesse acontecido, o significado dessas hipotéticas candidaturas decerto seria , nesse caso, fortemente deslegitimado.
Há quase dez anos que repetidamente muitos militantes do PS têm proposto, nalguns caso em moções nos Congresso Nacionais, soluções deste tipo na escolha dos candidatos do PS às diversas eleições. Pode dizer-se, assim, que enquanto que noutros países ideias semelhantes às suas se têm conseguido impor, elas encontram uma barreira incompreensível na cabeça das camadas dirigentes do nosso partido. Foram mais audíveis no mais recente Congresso e começa a ser claro que mais tarde ou mais cedo acabarão por conquistar o nosso partido. Só não se percebe a lógica dessa resistência a uma mudança necessária, retardando, com manifesto prejuízo para o PS e para a sua credibilidade , bem como para o reforço dos elos com o seu eleitorado habitual, o que já se adivinha como inevitável.
De facto, perante exemplos como aquele de aqui se falou, os militantes e os eleitores socialistas tenderão a suportar com uma dificuldade cada vez maior a manutenção de uma escolha de candidatos feita nos termos em que o tem sido.
3 comentários:
Totalmente de acordo
Como eleitor fiel do PS, não posso deixar de estar de acordo. É que às vezes fazem-me engolir cada sapo!Ainda tenho atravessada na garganta a Dr.ª Matilde Sousa Franco!
Interesante o facto de as primárias serem abertas a outras forças de esquerda, por compromisso da partilha dos valores republicanos.
No PS tradicional, sem primárias, muitas vezes impõem-nos um social democrata para cabeça de lista a uma camara, para ganhar essa camara, mandando ás ortigas a ideologia.
Venham as primárias, já!!!!
Rente
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