Dilma Rousseff desempenha no Brasil o cargo de Chefe da Casa Civil do Presidente Lula, o que é equivalente ao que é em Portugal o papel de um primeiro-ministro, sem prejuízo das diferenças entre os dois sistemas. Ela deu, recentemente, uma entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, cujos aspectos principais vamos transcrever.
Sublinhe-se que tudo aponta para que, nas eleições de 2010, venha a ser a candidata à Presidência da República com o apoio do PT, partido a que aliás pertence. Contando com um forte apoio do Presidente Lula, é encarada como continuadora da sua política. Eis, com a devida vénia, a transcrição do que disse ao jornal brasileiro Folha de S.Paulo:
FOLHA - O ex-presidente FHC disse que é preciso fazer um país mais aberto, não ter uma pessoa só que manda, porque hoje parece que o Brasil depende de um homem só. O que a sra. acha? DILMA ROUSSEFF - A quem ele está se referindo?
FOLHA - Ao presidente Lula. DILMA - Se você acha isso, eu não tenho certeza. Se tem um presidente democrático, é o presidente Lula. Agora, ele jamais abrirá mão de suas obrigações. Entre as obrigações está mandar algumas coisas. Por exemplo, fazer o Bolsa Família. Ele mandou que não fizéssemos aventura nenhuma com a taxa de inflação.
FOLHA - A declaração de FHC embute a análise de que no governo Lula houve uma maior intervenção na economia, nas estatais, na vida das empresas.
DILMA - Tinha gente torcendo para ficarmos de braços cruzados na crise. Diziam: "o governo Lula sempre deu certo, mas nunca enfrentou uma crise internacional". Apareceu a maior crise dos últimos tempos, que estamos superando. Eu acho que quem defendia que o mercado solucionava tudo, o mercado provê, é capaz de legislar e garantir, está contra a corrente e contra a realidade. O que se viu no mundo nos últimos tempos é que a tese do Estado mínimo é uma tese falida, ninguém aplica, só os tupiniquins. Nós somos extremamente a favor do Estado que induz o crescimento, o desenvolvimento, que planeja.
FOLHA - Pela declaração do ex-presidente, a sra. avalia que eles não teriam seguido a mesma receita de vocês nessa crise?
DILMA - Eu não gosto de polemizar com um presidente, porque ele tem outro patamar. Agora, os que apostam e ficam numa discussão, que, além de enfadonha, é estéril, de que há uma oposição entre iniciativa privada e governo, gostam de discussão fundamentalista. É primário ficar nessa discussão de que o governo, para não ser chamado de intervencionista, seja um governo omisso, de braços cruzados, que não se interessa por resolver as questões da pobreza nem do desenvolvimento econômico.
FOLHA - Essa maior interferência do governo não levou a uma visão estatizante da economia e a um discurso eleitoreiro, como no pré-sal?
DILMA - As acusações são eleitoreiro, estatizante, intervencionista e nacionalista. Tem algumas que a gente aceita. Nacionalista a gente aceita. Esse país não pode ter vergonha mais de ser patriota. Eu não vi um americano ter vergonha de ser patriota, nunca vi um francês. Que história é essa de nacionalista ser xingamento?
FOLHA - Nacionalista vocês aceitam. E estatizante?
DILMA - Se é o aumento da capacidade de planejar o país, de ter parcerias com o setor privado, de o Estado ter se tornado o indutor do desenvolvimento, concordo.
FOLHA - Intervencionista?
DILMA - Não somos.
FOLHA - Mas eleitoreiro?
DILMA - Não. Sabemos que quem não tem projeto vai achar tudo eleitoreiro.
FOLHA - Quando o presidente pressiona um dirigente de empresa privada, como Roger Agnelli, da Vale, não é uma ingerência indevida?
DILMA - Você acha certo exportar minério de ferro e importar produtos siderúrgicos? Ela é uma empresa privada delicada. Porque ela está explorando recursos naturais do Brasil. Você não pode sair por aí explorando os recursos naturais e não devolver nada. O presidente ficou chocado com empresas que demitiram bastante na crise sem ter consideração pelos empregos do país.
FOLHA - Isso representa prejuízo para uma empresa privada.
DILMA - Não se trata de prejuízo, se trata do tamanho do lucro, a mesma coisa da Petrobras. O que vale para a Petrobras vale para a Vale. A preocupação com a riqueza nacional é uma obrigação do governo. Eu não acho que o presidente foi lá interferir na Vale. O presidente manifestou, assim como muitas vezes os empresários manifestam, seu descontentamento, e não implica uma interferência, a gente tem de democraticamente aceitar as observações, ser capaz inclusive de aprender com críticas. Por que o presidente não pode falar?
FOLHA - A sra. acha que uma empresa privada tem de abrir mão de uma parte do lucro...
DILMA - Não estou discutindo isso. Estou discutindo é que ela, assim como a Petrobras, nem sempre pode. Se a Petrobras quiser o lucro dela só, vai fazer uma coisa monotônica.
FOLHA - O presidente pensou em tirar o Agnelli da Vale?
DILMA - Que eu saiba não. Ele não tem poder para isso. Como você disse, é uma empresa privada. O que ele fez foi externar seu descontentamento com a forma que demitiram gente. Ele não fez só para a Vale. Eu acho interessante essa história, os empresários podem falar o que quiserem que é democrático, o presidente não pode dar uma opiniãozinha que é intervencionista. Isso, diríamos assim, não é justo.
FOLHA - Durante o governo houve um grande processo de fusões de empresas no Brasil. Deu-se por um estímulo direto do governo Lula?
DILMA - São sinais dos tempos. Não tem nada de artificial. Ninguém falou "eu vou ali criar uma empresa fortíssima". As empresas estavam maduras. As que não se fundiram aqui compraram coisas lá fora.
FOLHA - A sra. defende um Banco Central independente, por lei?
DILMA - Não acho que seja necessário isso. Não vejo nenhum motivo para criar esse tipo de problema agora no Brasil, abrir esse tipo de discussão.