domingo, 3 de maio de 2009

A limpidez das palavras



Vou transcrever, com a devida vénia, um texto de José Saramago, publicado hoje no Diário de Notícias.

Estou longe de ser, no plano literário, um admirador incondicional de José Saramago, mais longe ainda de partilhar as suas opiniões políticas. E, no entanto, é para mim uma grande honra e motivo de um imenso orgulho ser cidadão de uma pátria que inclui José Saramago entre os seus filhos.

De facto, se nem sempre me revejo no que ele pensa, também acontece ver, por vezes, nas suas palavras a expressão perfeita do que eu próprio penso. E se nem sempre adiro à sua literatura, também acontece que me entusiasmo com ela.

Comentar o texto que vou transcrever seria empobrecê-lo. E, embora não corresponda ao meu ângulo de abordagem do acontecimento, senti-me bem melhor depois de o ler.

E, sem que José Saramago nada tenha a ver com isso, sempre quero dizer, que para mim, por si só, este texto de um militante do PCP, vem salvar neste caso , em larga medida, a honra desse partido, compensando porventura o triste espectáculo dado por alguns amanuenses da política que o acaso colocou em posições de mando que claramente os transcendem. E, infelizmente, sublinho eu, neste último aspecto o PCP está muito longe de ter um monopólio.

Eis o texto de José Saramago:



Expulsão

"Espero que a estas horas os agressores de Vital Moreira já tenham sido identificados. Quem são eles, afinal? Que foi que os levou a um procedimento em todos os aspectos repulsivo? Que ligações partidárias são as suas? Sem dúvida a resposta mais elucidativa será a que vier a ser dada à última pergunta.
A Vital Moreira chamaram-lhe "traidor", e isto, queira-se ou não se queira, é bastante claro para que o tomemos como o cordão umbilical que liga o desprezível episódio do desfile do 1º. de Maio à saída de Vital Moreira do Partido Comunista há vinte anos. Neste momento estamos assistir a algo já conhecido, toda a gente, com a mais clara falta de sinceridade, a pedir desculpa a toda a gente ou a exigir, como vestais ofendidas, que outros se desculpem. De repente, ninguém parece interessado em saber quem foram os agressores, dignos continuadores daqueles célebres caceteiros que exerceram uma importante actividade política pela via da cachaporra em épocas passadas. Não tanto por contrariar, mas por uma questão de higiene mental, gostaria eu de saber que relação orgânica existe (se existe) entre os agressores e o partido de que sou militante há quarenta anos. São militantes também eles? São meros simpatizantes? Se são apenas simpatizantes, o partido nada poderá contra eles, mas, se são militantes, sim, poderá. Por exemplo, expulsá-los. Que diz a esta ideia o secretário-geral? Serão provocadores alheios à política, desesperados por sofrerem esta crise e que pensam que o inimigo é o PS e o candidato independente às eleições europeias?… Não se pode simplificar tanto, nem na rua nem nos gabinetes.
Embora o tenham incluído na lista dos candidatos, o Prémio Nobel de Literatura nunca se encontrará com o seu amigo Vital Moreira no Parlamento Europeu. Dir-se-á que a culpa é sua, pois sempre quis ir em lugar não elegível, mas também se deverá dizer que sobre ele em nenhum momento se exerceu a mínima pressão para que não fosse assim. Nem sequer a Assembleia da República pôde conhecer os meus brilhantes dotes oratórios… Não me queixo, mais tempo tive para os meus livros, mas o que é, é, e alguma explicação terá. Que espero que não seja por me considerarem a mim também traidor, pois embora militante disciplinado, nem sempre estive de acordo com decisões políticas do meu partido. Como, por exemplo, apresentar listas separadas para a Câmara de Lisboa, que, pelos vistos, vamos entregar a Santana Lopes, isso sim, sem que ninguém tenha perdido a virgindade do pacto municipal. Apetece dizer "Deus nos valha", porque nós parecemos incapazes. "

6 comentários:

andrepereira disse...

Bons remoques a propósito de Lisboa. Demonstra alguma trsteza tardia por o Partido nunca lhe ter dado o devido valor. Interessante...
Quanto à ideia de expulsão, sem sequer se preocupar em exigir um processo de apuramento de resposabilidades, sem analisar os requisitos do ilícito disciplinar, pode dever-se a uma de duas coisas: ou a falta de espaço para escrever tudo o que queria dizer ou simplesmente uma visão autoritária, imediatista, sem ter a noção dos pilares básicos do Estado de Direito (que também devem existir nos Partidos) e o assumir uma expulsão liminar...
Já dizia o meu Prof. de Introdução ao Direito: mais valia ter o direito soviético com o processo (civil/ penal) inglês, que o direito inglês com o processo soviético...

Henrique Dória disse...

Uma das características essenciais do PC é não aprender com a história.E isso num partido que, teoricamente, está preso ao historicismo demonstra a sua total cegueira!

Luis Santarino disse...

Não consigo comentar. Desculpem-me a franqueza de não conseguir articular uma única palavra, nem contra nem a favor do nosso Prémio Nobel.Sou muito pequeno para o fazer. Não me atrevo.Mas sempre direi. Admiro o seu apego à liberdade. Fugir, fugir sempre das corporações! Sigo-lhe o exemplo.

Anónimo disse...

O Homem das letras continua a não perceber da força da sua razão!

O PC já foi partido de verdadeiros intelectuais. Mas se continuar a tê-los como o Nobel, na confusão do estar por dentro e disciplinado e ao mesmo tempo estar de fora contra essa mesma disciplina não ensina ninguém.

Recordo os alvores do 25 de Abril em que o todo poderoso comunista mandava no Diário de Notícias.
Contra todas as liberdades ele foi o censor-mor.

Enfim, somos outro país,somos outra gentes e somos novas atitudes. Acredito na mudança para o bem da humanidade. Abraços do Catraio.

Anónimo disse...

Menosprezar o prestígio de um Prémio Nobel da Literatura, que ainda por cima é o único em língua portuguesa, até agora, é estranho.

Que outras sumidades estão ou estiveram no PCP que obriguem Saramago a olhar para cima, para as vislumbrar?

Aliás, Saramago teve a generosidade de ir numa lista da CDU para o PE, em que tem à sua frente um bom grupo de ilustres desconhecidos.

A nossa liberdadde também inclui o direito de discordar mesmo do Saramago, mas não legitima que desconsideremos a relevância objectiva das suas opiniões publicamente divulgadas.

Aliás, gostava de saber quem é o comentador que se disfarça de Catraio. Doutro modo, estou em desvantagem: ele sabe para quem fala , mas eu não.

RN

Anónimo disse...

Então agora um tipo excede-se, diz umas verdades, e só por isso é expulso de um partido? Não está certo!...