sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Um pouco de golpe, algum esclarecimento

O texto que segue é um comentário a comentários que me foram feitos à mensagem anterior. Publico-o aqui porque tem um  número de caracteres superior àquele que é autorizado na seção de  comentários.

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As coligações são um instrumento para potenciar os votos dos partidos que as integram, traduzindo um compromisso político pré-eleitoral. Passadas as eleições desaparecem juridicamente, conservando o vigor político que os seus integrantes quiserem. E tanto assim é que na AR há décadas que o PCP e os Verdes têm grupos parlamentares distintos, não havendo na Assembleia qualquer vestígio da CDU. O mesmo irá ocorrer com a PAF, já que o PSD e o CDS terão grupos parlamentares distintos. O que conta por isso, para determinar a relação de forças institucional, são os partidos. Aliás , isso resulta da própria Constituição que os considera as únicas realidades políticas constitucionalmente relevantes, em termos de expressões do poder político eleitoralmente gerado. Como se pode ver no artigo 117.

Aliás, a Constituição, para indigitação do primeiro-ministro, obriga o PR a ouvir os partidos políticos e a ter em conta os resultados eleitorais. Desse modo, os resultados eleitorais serão considerados à luz da posição de todos os partidos, quanto ás hipóteses de governo que lhes sejam colocadas. Assim, se o PSD e o CDS juntos tiverem maioria absoluta , certamente que comunicarão ao PR que querem projetar no Governo a coligação que formaram para concorrer ás eleições, sendo natural que o PR convide um primeiro-ministro que exprima essa maioria.

Mas se esses dois partidos não obtiverem maioria absoluta, deixa de haver uma razão política para os convidar a formar governo , como primeira opção. Se eles  não têm essa maioria, isso significa que há uma maioria na AR fora deles. Falta saber se essa maioria aritmética pode gerar uma alternativa política. Isso só cada partido desse segundo conjunto o pode dizer. Se essa hipótese não for clara, mas for claro que ninguém mais apoiará um governo PSD/ CDS, o PR não pode nomear um governo destes dois partidos. Se o fizer estará apenas a perder tempo, uma vez que basta a aprovação de uma moção de rejeição na discussão do programa de governo para que ele nem sequer chegue a existir.

Se for clara essa recusa, mas não for certa uma alternativa, o natural será encarregar o partido com mais deputados para tentar encontrar uma solução. Se ele falhar deverá ser chamado o segundo. Se tudo falhar terão que ser marcadas novas eleições.

Ora, se a coligação PSD/CDS não obtiver maioria absoluta, o que é praticamente certo, o Partido com maior número de deputados será naturalmente o PS, já que se fosse o PSD o partido com maior número de deputados isso significaria que a coligação muito provavelmente teria maioria absoluta. E é por isso que, neste caso, deve ser o PS o partido chamado a formar governo em primeiro lugar e não o PSD, na qualidade de partido liderante da coligação que não na de partido com um maior número de deputados. Isto se o PS não obtiver maioria absoluta, como parece provável.

É claro que se nas audiências com o PR os outros partidos disserem que deixam passar a coligação na AR mesmo que ela não tenha obtido a maioria absoluta, o PR tem legitimidade para a encarregar de formar governo. Mas só nesse caso, o que na atual conjuntura, é politicamente muitíssimo improvável, para não dizer impossível.

Normalmente, uma tentativa de ignorar os resultados eleitorais como a que , na minha opinião, está aqui em causa seria rapidamente desfeita com a aprovação de uma moção de rejeição, havendo sempre o recurso a novas eleições em caso de bloqueamento. Mas na presente conjuntura tudo se complica pelo facto de não poderem ser realizadas novas eleições durante quase uma ano, em virtude da conjugação das eleições legislativas com as presidenciais. E assim o golpe tem duas faces: indigitar um governo de direita minoritário e pressionar depois  o PS para que o deixe passar; e para que depois sucessivamente lhe deixe passar o orçamento e o vá deixando governar. Ou seja, pôr uma coligação minoritária de direita no poder e obrigar o PS a coresponsabilizar-se com a sua política. Obrigá-lo através de pressões nacionais e internacionais.

O golpe é esse e os seus resultados, se for tentado e se for consumado, serão certamente desastrosos, desde logo na instabilidade política e social que suscitará, bem como na incerteza institucional e na degradação democrática que inevitavelmente  causará.

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