Esmaguemos o ovo da serpente!
1. Está em marcha uma tentativa de
distorção do significado dos resultados das eleições do próximo domingo,
concebida para a hipótese de a coligação PSD/CDS não ter maioria absoluta, mas
ter mais deputados do que o PS. O que essa tentativa de golpe branco procura é desconsiderar
a dualidade de partidos da coligação para a ficcionar como se eles fossem um só. E desse modo comparar o PS com a soma do PSD
e do CDS, fingindo que eles são em definitivo uma entidade única.
Criada a falsa evidência
mediática de que isso é o espelho da realidade e não a sua distorção, passa a
sustentar-se que o PR deve agir em conformidade, quando se tratar de indigitar
um primeiro-ministro após as eleições. Para tanto, força-se sorrateiramente o
texto constitucional, retirando-se qualquer significado político ao imperativo constitucional
de ouvir os partidos políticos para decidir essa indigitação e defende-se que a necessidade
de o PR ter em conta os resultados eleitorais aponta para o imperativo de ele
indigitar sem mais o representante do partido com mais deputados. Claro, sempre
à sombra da falsa evidência de que no plano jurídico-constitucional é legítimo
neste caso considerar a Coligação de direita como um todo (como se ela própria
fosse um partido), esquecendo a relevância e a identidade autónomas de cada um
dos partidos que a integram.
Deste modo, na hipótese de a coligação PSD/CDS não ter
maioria absoluta, mas ter mais deputados
do que o PS, chamar-se-ia a formar governo o líder do PSD e não o do PS,
apesar deste partido ter um maior número
de deputados do que aquele. Seria como se o CDS fosse um simples banco
ao qual subiria o PSD para ficar mais alto do que o PS. Ou seja, seria um
expediente para contornar a vontade popular, a legalidade constitucional e assim um atentado grosseiro á legitimidade
democrática.
2. Basta recordar o que foi dito
a propósito da recente recusa de o PS de deixar passar um futuro orçamento e da possibilidade
de apresentar uma moção de rejeição do programa de governo de um governo
PSD/CDS sem maioria absoluta, para se perceber quem está envolvido na tentativa de golpe de Estado
constitucional e quem beneficia dele. Estamos perante uma inqualificável tentativa
da direita de vir a ancorar o seu poder numas eleições em que o povo a tenha
derrotado.
Mas esta tentativa golpista, para
poder resultar, não pode ser demasiado descarada, demasiado ostensiva. Não pode
ser excessivamente provocatória. Por isso, ela ainda pode ser neutralizada. Pode
esmagar-se o ovo da serpente, antes da serpente nascer. Basta que o PS, o PCP e o
BE declarem formalmente que aprovarão uma moção de rejeição do programa de um governo
de direita, muito especialmente se ele não tiver maioria absoluta. Por que é
essa a sua decisão política, porque terá sido essa a vontade do povo expressa
nas eleições, porque a tentativa de impor um governo minoritário de direita
seria, por si só, uma tentativa de golpe de Estado. Desse modo, depois de os
ouvir, o PR não pode indigitar um governo minoritário que já tem adquirido o
respetivo chumbo, tentando instalá-lo
precariamente no poder durante uns meses, a não ser que queira assumir o
protagonismo central da tentativa de golpe de Estado.
Se isso acontecer, estar-se-á a
pôr em causa a legitimidade das instituições, a fazer correr um grave risco à
paz cívica e social, a lesar gravemente as condições sociais e institucionais do
funcionamento da economia. Só uma grande sofreguidão pelo poder , uma
sobranceria bacouca ou um profundo desprezo pela democracia podem justificar um
tal dislate. É realmente uma aventura perigosa querer manter no governo uma
coligação que acabe de ter contra ela nas urnas uma grande maioria do eleitorado,
tendo contra ela mais deputados do que aqueles que tem a favor.
E o PS tem que estar
especialmente atento e precavido, uma
vez que a hipótese de imposição de um
governo minoritário PSD/CDS tem como pressuposto a captação do apoio ou da complacência
do PS. Por isso, a direita quer espolia-lo do exercício legítimo do poder e ainda
por cima transformar o espoliado num fiel escudeiro. Se por absurdo isso acontecesse, por força de um impossível acesso de delírio dos seus responsáveis,
o PS seguiria certamente o calvário dos
seus congéneres grego, polaco e húngaro. Ora, se isso seria trágico para nós, socialistas,
não o seria menos para a democracia portuguesa que dificilmente resistiria como
tal com um PS que ficasse reduzido a uma sombra de si próprio.
Não estamos pois perante uma simples
burla política destinada apenas a ser pasto de comentadores gulosos. Estamos perante um profundo golpe na democracia, um irresponsável desafio á paciência
do povo, uma grosseira provocação a
todos os democratas, digna do vinte e
quatro de abril.
Nem as sondagens dos seus donos apontam
para uma maioria absoluta da coligação dos partidos da direita, razão pela qual
estão tão presos a essa tentativa de golpe. Mas não esqueçamos. A direita ganha
se a coligação tiver maioria absoluta. Se a não tiver é derrotada. Derrotada!
Repito, portanto: esmaguemos o
ovo da serpente antes de ela nascer!
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