Nem
esquerda, nem direita, antes pelo contrário.
1.
A ideia de que a dicotomia esquerda/direita em política está ultrapassada tem
sido objeto de uma grande insistência, nos últimos tempos. Essa insistência é,
por vezes, mais intensa em certas conjunturas de alguns países.
Ela pode refletir
estratégias e convicções diversas. Pode ser um aspeto parcelar de uma certa
maneira de olhar a sociedade, mas também pode ser um simples instrumento tático
na luta política. Neste último registo, pode ser um estratagema de camuflagem
da verdadeira identidade do seu protagonista ou pode ser uma tentativa de
enublar a paisagem política para ocultar a realidade. É essa camuflagem que se combate, ao defender-se que quem se
afirma como “nem de direita nem de esquerda” mostra que é de direita.
2.
Em França, esta problemática é de absoluta atualidade. Ela está inscrita no
cerne da conjuntura aí vivida, após a eleição de Mácron para a Presidência da
República. Aliás, a sua candidatura já inscrevera a superação da dicotomia
esquerda / direita como a sua mais funda raiz. Procurou depois conjugá-la com
uma outra ideia que difundiu mais contidamente : a de que era a expressão cimeira do lançamento no
caixote do lixo da história de uma política alegadamente velha, personificando
uma nova política arejada e limpa. Descartadas as velhas elites, emergiam as
novas. Ao povo estava reservada a honrosa tarefa de aplaudir.
Desde logo, a suposta pureza
desse corte virtuoso ficou algo embaciada pela presença de algumas velhas
raposas no doce galinheiro macroniano que o novo governo quis fazer crer que
era. Mas o que acabou por demolir o angelismo político afixado por essa
operação governamental , deixando a descoberto uma verdadeira reserva mental,
foi a afirmação pública e tonitruante
do Primeiro-Ministro do novo governo de
que era um homem de direita.
Ou seja, a via
macroniana, esse artefacto puro do “nem esquerda/nem direita”, dava o lugar
chave da sua dimensão governamental a um
homem de direita, que na primeira
oportunidade mediática achou importante proclamar-se solenemente como tal.
O número dois da “macronarquia”
achou importante como elemento estruturante da sua identidade política
afirmar-se como um homem de direita. Pergunta-se : mas afinal a diferença entre
direita e esquerda existe e é relevante ou
não ? Macron quis fazer crer aos eleitores que não, mas o seu primeiro-ministro
quis deixar bem claro que sim, quiçá,
para que o capital financeiro tomasse boa nota e continuasse tranquilo.
Mas esta
prestidigitação política acabará por deixar à mostra aquilo que queria
esconder. De facto, a encenação macroniana,
em si própria uma operação de ilusionismo, um respirar
perverso de virtudes virtuais e não
vividas, logo nos seus primeiros passos,
tropeçou na confissão estranha , mas
compreensível do seu Primeiro-ministro.
Mais um indício de que,
raspado o efémero verniz da circunstância
e decorrido o breve estado de graça das ilusões, a salvação
macroniana ficará acomodada na velha máxima lampedusiana : “tudo deve mudar para que tudo
fique como está”.
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