domingo, 21 de maio de 2017

Nem esquerda, nem direita, antes pelo contrário.



Nem esquerda, nem direita, antes pelo contrário.

1. A ideia de que a dicotomia esquerda/direita em política está ultrapassada tem sido objeto de uma grande insistência, nos últimos tempos. Essa insistência é, por vezes, mais intensa em certas conjunturas de alguns países.
Ela pode refletir estratégias e convicções diversas. Pode ser um aspeto parcelar de uma certa maneira de olhar a sociedade, mas também pode ser um simples instrumento tático na luta política. Neste último registo, pode ser um estratagema de camuflagem da verdadeira identidade do seu protagonista ou pode ser uma tentativa de enublar a paisagem política para ocultar a realidade. É essa camuflagem  que se combate, ao defender-se que quem se afirma como “nem de direita nem de esquerda” mostra que é de direita.

2. Em França, esta problemática é de absoluta atualidade. Ela está inscrita no cerne da conjuntura aí vivida, após a eleição de Mácron para a Presidência da República. Aliás, a sua candidatura já inscrevera a superação da dicotomia esquerda / direita como a sua mais funda raiz. Procurou depois conjugá-la com uma outra ideia que difundiu mais contidamente : a de que  era a expressão cimeira do lançamento no caixote do lixo da história de uma política alegadamente velha, personificando uma nova política arejada e limpa. Descartadas as velhas elites, emergiam as novas. Ao povo estava reservada a honrosa tarefa de aplaudir.

Desde logo, a suposta pureza desse corte virtuoso ficou algo embaciada pela presença de algumas velhas raposas no doce galinheiro macroniano que o novo governo quis fazer crer que era. Mas o que acabou por demolir o angelismo político afixado por essa operação governamental , deixando a descoberto uma verdadeira reserva mental, foi  a afirmação pública e tonitruante do Primeiro-Ministro  do novo governo de que era um  homem de direita.

Ou seja, a via macroniana, esse artefacto puro do “nem esquerda/nem direita”, dava o lugar chave da sua dimensão governamental  a um homem de direita, que  na primeira oportunidade mediática achou importante proclamar-se solenemente como tal.

O número dois da “macronarquia” achou importante como elemento estruturante da sua identidade política afirmar-se como um homem de direita. Pergunta-se : mas afinal a diferença entre direita e esquerda existe e é relevante  ou não ? Macron quis fazer crer aos eleitores que não, mas o seu primeiro-ministro quis  deixar bem claro que sim, quiçá, para que o capital financeiro tomasse boa nota e continuasse tranquilo.

Mas esta prestidigitação política acabará por deixar à mostra aquilo que queria esconder. De facto, a encenação macroniana,  em si própria uma operação de ilusionismo, um respirar perverso de virtudes  virtuais e não vividas, logo nos  seus primeiros passos, tropeçou  na confissão estranha , mas compreensível do seu Primeiro-ministro.


Mais um indício de que, raspado o efémero verniz da circunstância  e decorrido o breve estado de graça das ilusões, a salvação macroniana  ficará acomodada na velha máxima lampedusiana : “tudo deve mudar para que tudo fique como está”.

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