COIMBRA
– a discreta sombra de um labirinto
Vai sendo mais audível
o tinir das espadas. Aproximam-se os combates autárquicos. A parte dos Cidadãos
por Coimbra (CpC) que melhor se harmoniza com o Bloco de Esquerda deu
recentemente um importante passo na materialização da sua candidatura, quando
anunciou grande parte das suas listas candidatas ás próximas eleições
autárquicas.
A sua ambição é robusta. Propõe-se passar a ser a terceira força no âmbito concelhio de
Coimbra, para o que quer triplicar o número de vereadores que antes elegeu. Isso já seria
uma progressão espantosa, mesmo que tudo lhes tivesse corrido de feição durante o
quadriénio. Mas não foi isso que aconteceu. Ainda,recentemente, foi tornada pública
uma cisão ocorrida no seu seio, que a fez perder a quase totalidade dos seus
elementos com maior notoriedade pública, entre os quais o seu vereador e os
seus deputados municipais. Subsistiram, como elementos com notoriedade pública,
os expoentes mais destacados do Bloco de Esquerda no concelho. Por isso, à primeira vista, percebe-se mal por que razão o BE
não se submete ao sufrágio dos eleitores
de Coimbra, sem recorrer ao véu difuso, ainda que virtuoso, dos CpC.
Tendo tudo isto em
conta, o ambicioso desígnio da triplicação dos vereadores podia ser simplesmente considerado como um artifício de
propaganda, decerto ousado, mas algo irrealista
e, diga-se sem acrimónia, um tanto
caricato. Mas não é um artifício aleatório. No fundo, parece destinar-se a projectar uma imagem dos CpC que sugira um potencial efectivo de participação no poder municipal.
Esse quase milagre da
triplicação dos vereadores não é por isso uma simples bravata, tão comum em disputas eleitorais. Pelo contrário, é o elemento chave de uma estratégia. Eles querem
três vereadores para partilharem o governo do município. Não um governo
qualquer, mas uma solução governativa
autárquica que envolva o PS e a CDU. Registe-se que estes CpC não parecem ter sido
contaminados por uma vertigem de serviço público tão forte que os levasse a ser
aliciados por um moreirismo qualquer, ainda que atenuado por um leve perfume de
choupal. Mas é precisamente a sua louvável virtude geringoncista que os coloca
num difícil labirinto.
Na verdade, três vereadores
são obra, mas não são suficientes para que os CpC elejam eles próprios o
Presidente. E, tendo em conta o peso eleitoral das várias forças politicas de
esquerda, revelado em anteriores eleições, o mais provável é que a sugestão geringoncista , em
que almejam participar, implique a
eleição para Presidente do candidato do PS. Ou seja, a sugestão dos CpC
pressupõe a vitória do PS.
E aqui é que está o busílis.
Na verdade, uma das dificuldades que apresenta essa linha de orientação resulta
do facto de só poder haver uma solução geringoncista na vereação de Coimbra, se o PS fizer
eleger para Presidente o seu candidato. Se assim não for, teremos, pela força
das coisas, um governo municipal de direita, nada podendo fazer contra isso os
hipotéticos três futuros vereadores dos Cidadãos. Pela força das coisas,o seu êxito relativo representaria necessariamente uma derrota absoluta do seu principal desígnio: uma geringonça autárquica.
Esse hipotético e glorioso trio correria o risco de implicar pois, em si mesmo, uma vitória da
direita em Coimbra. E sendo assim os CpC, em tese, teriam que optar entre
continuar fora dessa maioria autárquica ou venderem a alma ao diabo [como certamente
diria um conhecido Coelho], fazendo assim as pazes com a direita, com os
delegados municipais da gente da troika, que à escala nacional certamente
combate. Seria para mim uma enorme surpresa se os CpC não optassem pela
primeiro hipótese.
Ou seja, os CpC arriscar-se-iam-se
a contribuir para um resultado autárquico em Coimbra que prejudicaria grandemente a solução política nacional que eles próprios defendem,
beneficiando em Coimbra aqueles que eles combatem no plano nacional. É um pouco
estranho. Um verdadeiro labirinto.
Na prática, embora não
o digam (e mesmo que o não desejem),
propõem-se tudo fazer para derrotar o PS em Coimbra, dando assim a Presidência
da Câmara à direita, para logo de seguida, se não o conseguirem, se proporem governar a autarquia em aliança com quem tudo
fizerem para ver derrotado. Lutam pela derrota do PS, mas precisam da sua
vitória para dar corpo à via política que preferem. Grande agilidade, grande
paradoxo.
Vê-se assim que, como acontece
com várias outras forças políticas, os CpC têm certamente propostas interessantes
e desígnios legítimos. Pode até talvez dizer-se que têm alguma agilidade no
rendilhado dos pequenos detalhes, cultivando uma respiração de novidade que querem aberta. Mas quanto ao essencial a linha
de orientação estratégica deixaram-se enredar num labirinto, cuja saída se não
vislumbra. Na verdade, se tivessem êxito, obteriam afinal um resultado que seria um golpe profundo naquilo que eles próprios
defendem à escala nacional.
Ora, em política, quem
se deixe encerrar num qualquer labirinto
pode andar muito, mas avançará sempre pouco, arriscando-se a não sair do mesmo
sítio. E quando, como hoje, vivemos um verdadeiro tempo de avançar, é indispensável evitarmos
o labirinto das nossas pequenas razões, das nossas motivações paroquiais, por
mais legítimas que elas nos possam parecer, para podermos caminhar.
E como última
observação: se realmente o BE tem alguma proposta política a fazer ao PS, ao
PCP e aos Verdes, no sentido de repercutir no município de Coimbra um acordo
que reproduza aquele que sustenta o actual governo de Portugal, talvez fosse mais
apropriado começar por utilizar os canais formais de contacto existentes, em vez de começar
por pôr em praça pública uma tão importante sugestão. E, para mais, fazê-lo através de uma tomada de posição pública de uma estrutura difusa e volátil, não parece um caminho recomendável. Quem o percorra pode dar a impressão de não estar realmente interessado no que sugere. Pode, na verdade, dar a impressão, quiçá
injusta, de que o que verdadeiramente importa aos proponentes é tornarem publicamente ostensivo o seu apoio á solução de governo actualmente vigente no país, sendo a proposta municipal concreta meramente instrumental e descartável.
Este e outros labirintos lançam uma sombra sobre nós.Por mim, cada vez mais
me convenço que é muito melhor as
esquerdas partilharem entre si solidariamente uma difícil respiração do futuro,
do que estacionarem na eterna questão de se saber qual a justa medida em que
devem ser repartidas entre todas elas as culpas pelas vitórias da direita.
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