quinta-feira, 18 de maio de 2017

FRANÇA - o holograma perverso


Quando no futuro os historiadores se ocuparem da história política de França nos primórdios do século XXI, hesitarão possivelmente entre três hipóteses, quando procurarem saber o que se passou durante os cinco anos de presidência de François Hollande. Uns dirão que quem ocupou o Palácio do Eliseu, durante aqueles cinco anos foi um sósia de Hollande, outros dirão que foi apenas um estranho fantasma e outros, finalmente, dirão que a França sofreu durante cinco anos um holograma perverso.

Sósia, fantasma ou holograma, esse aparente Hollande presidiu à França como se em larga medida fosse muito diferente do François Hollande que ganhou as eleições presidenciais, com uma agenda radicada na resistência ao capital financeiro e na solidariedade para com o mundo do trabalho, prometendo devolver à França uma atitude republicana, em face da Alemanha imperial e dando à Europa a oportunidade de voltar a respirar.

Por mim, se tivesse que escolher entre as três hipóteses citadas, optaria pelo holograma perverso. Algum sábio inventou, no segredo dos labirintos da altíssima política, essa tecnologia de assombração,  que permite gerar o holograma de alguém, deturpando-o, pervertendo o que de mais fundo anima o hologramado.

São vários os indícios que concorrem para a verosimilhança desta hipótese. O alegado holograma de Hollande, que a Europa esperava ver erguer-se como um tigre perante Berlim, para salvar a Europa da sombra de um império, transformou-se em pouco tempo num bichano grave, mas ronronante, que a Sr.ª Merkel se dava ao luxo de passear com carinho pelos areópagos europeus.

O alegado holograma de Hollande que a França esperava ver desembainhado como espada virtuosa contra o capital financeiro ficou reduzido a um pequeno punhal que apenas servia para ir insidiosamente apunhalando os direitos dos trabalhadores.

Quando pareceu que o verdadeiro Hollande ia voltar, esconjurando o citado holograma, eis que foi este afinal que se impôs, colocando Valls  como novo primeiro –ministro. Valls  esse expoente da ala direita do Partido Socialista Francês, que, aliás, projetando-se a si próprio há muito defendia que se deixasse de chamar socialista. Valls que se viria a revelar como um dos mais eloquentes exemplos da traição política.

Hoje, uma vez tornado institucionalmente público o olimpo macroniano, percebemos que a sua espinha dorsal foi construída pela ligeireza ou pela insídia do citado holograma. Foi ele quem colocou no Eliseu  como seu conselheiro económico o hoje Presidente Mácron, nomeando-o depois Ministro para lhe dar mais consistência. Foi ele que sentou no seu governo como Ministro da Defesa um dos esteios do atual governo macroniano. Foi um dos seus tradicionais apoiantes que pegou ao colo no jovem Mácron, dando-lhe a partir da autarquia de  Lyon um decisivo empurrão; e sendo agora seu ministro.

Enfim, esse holograma perverso  não só estropiou a política do verdadeiro Hollande como distribuiu os vários punhais que o foram atingindo. E soube  ainda  agredir rudemente o Partido Socialista, parecendo agora exultar  com um sorriso entupido pelo facto de o seu ex-escudeiro, e agora  Presidente nem de esquerda nem de direita, ter  nomeado afinal um primeiro-ministro de direita. De uma direita retinta e expressamente assumida.

Estamos ainda num tempo de neblina, mas é possível intuir desde já que se abre o reino da  prestidigitação em que os lobos se vão vestir de cordeiros e a política vai ser em França, de uma maneira mais absoluta, a arte de fazer com que o que é não pareça. Premonição ou maestro, o holograma perverso está no cerne dessa neblina .

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