Quando no futuro os historiadores se ocuparem da história
política de França nos primórdios do século XXI, hesitarão possivelmente entre
três hipóteses, quando procurarem saber o que se passou durante os cinco anos de
presidência de François Hollande. Uns dirão que quem ocupou o Palácio do Eliseu,
durante aqueles cinco anos foi um sósia de Hollande, outros dirão que foi
apenas um estranho fantasma e outros, finalmente, dirão que a França sofreu
durante cinco anos um holograma perverso.
Sósia, fantasma ou holograma, esse aparente Hollande
presidiu à França como se em larga medida fosse muito diferente do François Hollande
que ganhou as eleições presidenciais, com uma agenda radicada na resistência ao
capital financeiro e na solidariedade para com o mundo do trabalho, prometendo
devolver à França uma atitude republicana, em face da Alemanha imperial e dando
à Europa a oportunidade de voltar a respirar.
Por mim, se tivesse que escolher entre as três
hipóteses citadas, optaria pelo holograma perverso. Algum sábio inventou, no
segredo dos labirintos da altíssima política, essa tecnologia de
assombração, que permite gerar o holograma
de alguém, deturpando-o, pervertendo o que de mais fundo anima o hologramado.
São vários os indícios que concorrem para a verosimilhança
desta hipótese. O alegado holograma de Hollande, que a Europa esperava ver
erguer-se como um tigre perante Berlim, para salvar a Europa da sombra de um
império, transformou-se em pouco tempo num bichano grave, mas ronronante, que a
Sr.ª Merkel se dava ao luxo de passear com carinho pelos areópagos europeus.
O alegado holograma de Hollande que a França
esperava ver desembainhado como espada virtuosa contra o capital financeiro
ficou reduzido a um pequeno punhal que apenas servia para ir insidiosamente
apunhalando os direitos dos trabalhadores.
Quando pareceu que o verdadeiro Hollande ia voltar,
esconjurando o citado holograma, eis que foi este afinal que se impôs, colocando
Valls como novo primeiro –ministro. Valls esse
expoente da ala direita do Partido Socialista Francês, que, aliás,
projetando-se a si próprio há muito defendia que se deixasse de chamar socialista. Valls que se viria a revelar como um dos mais eloquentes exemplos da traição política.
Hoje, uma vez tornado institucionalmente público o
olimpo macroniano, percebemos que a sua espinha dorsal foi construída pela
ligeireza ou pela insídia do citado holograma. Foi ele quem colocou no Eliseu como seu conselheiro económico o hoje
Presidente Mácron, nomeando-o depois Ministro para lhe dar mais consistência.
Foi ele que sentou no seu governo como Ministro da Defesa um dos esteios do
atual governo macroniano. Foi um dos seus tradicionais apoiantes que pegou ao colo no jovem Mácron, dando-lhe a partir da autarquia de Lyon um decisivo empurrão; e sendo agora seu
ministro.
Enfim, esse holograma perverso não só estropiou a política do verdadeiro
Hollande como distribuiu os vários punhais que o foram atingindo. E soube ainda agredir rudemente o Partido Socialista, parecendo agora exultar com um sorriso entupido pelo facto de o seu ex-escudeiro, e agora Presidente nem de esquerda nem
de direita, ter nomeado afinal um primeiro-ministro de direita. De uma direita retinta e expressamente assumida.
Estamos ainda num tempo de neblina, mas é possível
intuir desde já que se abre o reino da prestidigitação em que os lobos se
vão vestir de cordeiros e a política vai ser em França, de uma maneira mais
absoluta, a arte de fazer com que o que é não pareça. Premonição ou maestro, o holograma perverso está no cerne dessa neblina .
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