sábado, 26 de dezembro de 2015

AS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS - dilemas e confrontações.



 AS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS  - dilemas e confrontações.

1. Está estabilizado o elenco dos candidatos à Presidência da República que vão ser votados pelos portugueses em 24 de janeiro. Mesmo sendo conhecida a falibilidade das sondagens, é improvável que elas sejam estruturalmente desmentidas nas eleições. A realidade saída das urnas pode afastar-se delas parcelarmente, mas não nos mostrará, decerto, uma imagem estruturalmente diferente daquela que elas nos têm vindo a transmitir.
Há um candidato da direita, Marcelo Rebelo de Sousa, que se revela como o mais provável vencedor da primeira volta, reunindo um conjunto de intenções de voto que torna admissível a sua eleição à primeira volta. A máquina de propaganda da direita, todo o complexo mediático dominante, quer inculcar nos eleitores uma imagem de inevitabilidade dessa vitória à primeira volta, que todavia está longe de espelhar a realidade. De facto, as intenções de voto em MRS excedem pouco os 50% e é sabido que, em Portugal, o conjunto do eleitorado da esquerda tende quase sempre a ser maior do que o da direita.
À esquerda há quatro candidatos com consistência política, Maria de Belém, Sampaio da Nóvoa, Marisa Matias e Edgar Silva. Os dois últimos são apoiados, respetivamente, pelo BE e pelo PCP. Os dois primeiros, embora não tendo o apoio oficial do PS na primeira volta, repartem entre si uma parte muito relevante dos eleitores desse partido. Sampaio da Nóvoa é também apoiado pelo Livre e pelo MRPP. Da dinâmica destas quatro candidaturas depende em larga medida a realização de uma segunda volta. Da sua dinâmica e da medida em que cada uma delas consiga aproximar-se do seu teto potencial de eleitores. Isto, dando-se como adquirido que não se digladiarão entre elas, concentrando todo o seu poder de fogo e toda a sua agressividade no candidato da direita.
Segue-se depois um pequeno pelotão de candidatos, politicamente pouco relevantes, com perfis pessoais, profissionais e políticos muito diversos, com níveis de notoriedade pública também distintos. As propostas que se lhes conhecem e os temas a que dão prioridade também não são coincidentes, mas talvez seja possível ver em todos eles uma forte desconfiança quanto aos partidos políticos existentes. Virão talvez deles os maiores dislates, mas não é de excluir que deste conjunto saiam também algumas ideias inovadoras. Não são um fenómeno novo. Os eleitores já se habituaram a eles. Não os hostilizam, alguns até gostam deles, mas poucos lhes dão o voto. Em conjunto, podem, no entanto, passar dos 5% dos votos. São talvez um sintoma da incompletude da nossa democracia, uma externalidade negativa no plano político, mas são uma manifestação  de vitalidade cívica.

2. É muito positivo o empenhamento dos cidadãos nas candidaturas que apoiem. É péssima a indiferença. É negativa a hesitação. É particularmente negativa a hesitação que se traduza de imediato no alheamento e mais tarde na abstenção.
Na perspetiva de um cidadão de esquerda, militante do Partido Socialista, apoiante de Maria de Belém, como é o meu caso, é naturalmente preferível que os apoios à sua candidata continuem a crescer. Mas é particularmente negativo, não o apoio dos eleitores habituais ou irregulares do PS em qualquer outro candidato de esquerda (em especial nos que tenham uma real densidade política), mas a ausência de apoio a qualquer deles. Essa possível omissão é a prenda mais apetitosa que pode ser dada ao candidato da direita, Marcelo Rebelo de Sousa.
Praticando aquilo que preconizo e comportando-me como penso ser a atitude política mais recomendável aos cidadãos de esquerda na atual conjuntura, não vou tecer críticas substanciais a qualquer dos três candidatos de esquerda acima destacados que não apoio, nem vou insistir nas razões que me levam a apoiar Maria de Belém. Não esperando que quem já tenha uma opinião formada tenha que forçosamente deixar de me ler, vou no entanto dirigir-me especialmente aos cidadãos eleitores que estejam hesitantes entre apoiar Maria de Belém ou Sampaio da Nóvoa, as duas candidaturas que concitam mais apoios entre os socialistas.
 Sob pena de cairmos numa arrogância estéril, devemos dar todos como adquirido que a própria divisão de apoios referida indicia que ambos os candidatos têm um perfil adequado para desempenharem com êxito as funções a que se candidatam, embora naturalmente sejam diferentes as suas qualidades, aptidões e experiências. Por mim, valorizo mais as da candidata que apoio; com outros acontecerá certamente o contrário.

3. Mas a evolução política dos últimos meses, em Portugal, geradora de um xadrez politico inédito desde o 25 de abril, mudou estruturalmente os dados que caracterizavam a situação portuguesa. E essa mudança feriu profundamente uma dessas duas candidaturas e deixou incólume a outra.
De facto, essa mudança estrutural do xadrez político atingiu profundamente a candidatura de Sampaio da Nóvoa. Ela foi concebida, preparada e lançada, como elemento decisivo de um dispositivo facilitador de uma convergência dos partidos de esquerda, que se desejava ampla mas se admitia como mitigada na esperança de que pudesse vir a ser crescente. Muito naturalmente, o alvo principal era o PS na busca de ser conseguido o seu apoio institucional e político a essa candidatura. O seu apoio formal. Dos outros partidos de esquerda, desejando-se o apoio, não se excluía a utilidade de uma outra qualquer manifestação favorável menos formal. Poderia ser uma convergência logo à primeira volta; e, na pior das hipóteses, poderia ser uma convergência apenas na segunda.
Cientes da centralidade do PS neste processo, os outros partidos de esquerda, não tendo dado sinais negativos, não quebraram uma prudente reserva. O PS reagiu com uma abertura prudente, dando voz a Sampaio da Nóvoa, em eventos nacionais, quer sob a atual direção, quer sob a anterior. Não tendo eu a ciência dos corredores, não sei que conversas houve entre as direções do PS e o potencial candidato, ou sequer se as houve. E tendo havido alguns discretos sinais públicos de proximidade, o certo é que dentro do PS tal candidatura nunca foi discutida, não tendo sido tornada pública qualquer decisão de qualquer dos seus órgãos nacionais sobre o assunto.
 O que poderia ser encarado como uma maneira discreta de apoiar (de ir tornando evidente esse apoio) acabou por ser olhado como uma hesitação. Essa hesitação, sendo de início encarada principalmente como resultando das necessidades táticas e operacionais do PS, acabou por ser contaminada pela resistência do pré-candidato Nóvoa a subir nas sondagens, a ter uma presença ao menos honrosa nas sondagens. E o que começara por ser visto como simples tacticismo algo egoístico da direção do PS, passou também a ser olhado como consequência da fragilidade do candidato, em termos de popularidade eleitoral.
A ausência de um apoio oficial do PS ao pré-candidato Nóvoa, que continuava a voar baixo nas sondagens, sem concitar entusiasmos nem romper a teia de um quase anonimato em termos do grande público, suscitaram na área político-eleitoral do PS uma crescente incomodidade que rapidamente se transformou num vazio. Não era clara a mensagem objetiva dos factos.
O espaço para uma candidatura saída de dentro do PS alargou-se exponencialmente, transformando-se numa necessidade política, que naturalmente se projetou na consciência de quem se sabia vocacionado e preparado para isso, como um imperativo. Imperativo a que dificilmente poderia fugir quem, estando nessas condições, fosse reiteradamente desafiado e estimulado por muitos para se disponibilizar para esse combate. Foi o que aconteceu com Maria de Belém.

4. A direção do PS poderia ter organizado eleições primárias abertas para decidir quem apoiava, podia ter reunido órgãos nacionais e ter decidido. Não o fez. Decidiu antes não apoiar nenhum candidato na primeira volta. Podendo vislumbrar-se a positividade desta decisão no plano da ética, não se pode deixar de a considerar como politicamente negativa. Enfim, a decisão está tomada, os socialistas estão espalhados pelas duas candidaturas, embora muitos deles, infelizmente, permaneçam fora das duas.
Neste quadro, e voltando à análise dos danos causados à candidatura de Sampaio da Nóvoa pela recente mutação no xadrez político português, suscitada pelo entendimento entre as esquerdas que tornou possível o governo liderado por António Costa, verificamos que a paisagem política que esteve na génese da candidatura de Nóvoa já não existe. Os resultados eleitorais e o modo como as forças políticas de direita e de esquerda se concertaram e dividiram a partir deles, geraram um entendimento político das esquerdas parlamentares muito mais consistente e muito mais amplo do que aquele que estava no horizonte mais otimista da estratégia que concebia Nóvoa como um impulsionador potencial de uma convergência de esquerda. O desígnio estratégico central desta candidatura desvaneceu-se, tendo por isso perdido o essencial da sua razão de ser original. Da razão que ocupou o cerne das dinâmicas concertadas de apoio que o candidato suscitou.

5. O BE e o PCP compreenderam isso. Promoveram candidaturas próprias, cujos protagonistas têm um perfil político que indicia claramente que estamos perante candidaturas que querem ir a votos, que querem fixar na primeira volta o eleitorado dos respetivos partidos, para que possam, numa segunda volta, contribuir para a vitória de um candidato de esquerda. Perante isto, consumou-se a objetiva frustração do desígnio essencial da candidatura de Nóvoa. A inércia das dinâmicas frustradas e a posição neutra do PS prolongaram um nível de intenções de voto a seu favor que o aproxima das que reúne Maria de Belém, mas privaram-no irremediavelmente da margem de crescimento eleitoral de que precisa para poder pensar em vencer.
Por isso, verdadeiramente, a atual candidatura de Nóvoa é apenas uma sombra da que de início foi pensada. Não por ter havido nela uma qualquer mutação substancial, mas porque o novo xadrez político português lhe alterou radicalmente o sentido e o significado, esvaziando-a irremediavelmente do essencial do seu horizonte estratégico.
Pelo contrário, a candidatura de Maria de Belém nada perdeu com a referida alteração do xadrez político. Sendo uma candidatura que se situa no centro da esquerda no plano estritamente político, é uma candidatura estrutural e diretamente enraizada no terreno da economia social, o que lhe permite uma fácil e natural abertura através dela, a setores sociais que, em termos estritamente políticos, podem ser encarados como estando situados quer à sua esquerda quer à sua direita. Sabendo-se quem o é candidato da direita percebe-se que o terreno social é um terreno decisivo. Ele já está a ficcionar-se para tentar expandir os seus apoios através dele. E aí Maria de Belém tem a vantagem de quem está nesse terreno há décadas, tendo uma experiência sólida, daquelas que não se constroem de um dia para o outro, nem se compensam com banhos rápidos de assessoria, ou com qualquer retórica imaginativa e perdulária.

6.Dito isto, os meus votos relativamente a todos aqueles que convictamente já se envolveram em qualquer das quatro candidaturas de esquerda, que tenham verdadeira densidade política e que acima mencionei, ou que por opção partidária têm a sua escolha já feita, vão no sentido de que transmitam eficácia ao seu entusiasmo no apoio aos seus candidatos. Quanto aos que estejam ainda hesitantes no apoio a dar, peço-lhe que ponderem o que lhes acabo de dizer e decidam em consciência. 

                                                                                         Rui  Namorado
                                                                                                                          (26.12.2015)


domingo, 20 de dezembro de 2015

NÃO PODEMOS IGNORAR !



"Temos ouvidos e vemos, não podemos ignorar"

Alertado por um amigo fui ao YOUTUBE ver o vídeo, cujo link abaixo vos forneço.

 É cada vez mais claro que o governo anterior, o governo da nossa inefável e "patriótica" direita, com a cumplicidade  dos poderes europeus, foi enterrando o país no lodaçal do BANIF, deixando para depois das eleições de Outubro passado o incómodo de ter que resolver o problema. É um caso que deve ser somado ao da TAP e ao das concessões de transportes. São casos diferentes , mas que reflectem um mesmo padrão de utilização do aparelho de Estado em prol de interesses privados, seja por simples incompetência, seja por verdadeira má fé.

 Mas o caso do BANIF é especialmente grave. Ele soma-se aos casos BPN e BES, Casos distintos entre si, mas que reflectem a mesma dificuldade de controle público da banca privada, o irrealismo de se confiar na competência e na honestidade dos banqueiros como garantes últimos da salvaguarda do interesse público, Isto sem esquecer  a dimensão imensa dos prejuízos públicos suscitados pelos desvarios ou pela incompetência dos banqueiros.

Estamos aprisionados numa estranha ratoeira, protegida cuidadosamente pelos capatazes do neoliberalismo, que se traduz no insólito destino de obrigarmos milhões de portugueses a apertarem violentamente o cinto, não para gerarem um futuro mais justo para todos, mas para salvarem bancos. Compreende-se que o abandono dos bancos à sua sorte pudesse produzir lesões graves no tecido económico-social, mas não se compreende que perante a sucessão de casos não se corte o mal pela raiz. Não através de uma medida brusca e simplista  que possa gerar novas dificuldades e novos problemas; mas também não apenas através de uma qualquer cosmética que deixe afinal vivas as fontes do perigo. Nada  menos que uma solução que dê ao poder político democrático um poder de controle efectivo dos negócios bancários privados. O actual governo está confrontado com um problema imediato que herdou. Compreende-se a urgência da acção a curto prazo, mas espera-se uma solução futura do problema que seja eficaz, sólida e justa. É indispensável.

Ora, cliquem agora  no link que vem abaixo e ouçam, com atenção e a calma possível.

http://www.youtube.com/watch?v=OcxS1zYWJms

sábado, 12 de dezembro de 2015

Eleições Presidenciais ─ o grande ilusionista




Eleições Presidenciais ─ o grande ilusionista
 
1.O resultado das eleições presidenciais que se avizinham tem a importância inerente ao cargo em disputa. Muita. A esquerda tem estado a sofrer a lição penosa do que é ter em Belém um inquilino integrado no sistema de poder da  direita  e disposto a colocá-la à frente dos interesses do povo e da República.
Mas os últimos dias têm-nos fornecido alguns tímidos indícios de que pode vir a inscrever-se no horizonte de uma parte da direita um novo episódio de abuso na utilização política do cargo, através da tentativa de criar a partir da Presidência da República um novo partido político. Um partido que viria a apresentar uma parte da velha direita como novo centro político. Um partido que viria ocupar o espaço deixado vazio pela direitização do PSD e pelo acentuar da bipolaridade esquerda/direita que tenderia a empurrar o PS para a esquerda. Para isto, Marcelo Rebelo de Sousa terá que ser o próximo inquilino de Belém.
Um tal caminho repetiria, num outro registo, a tentativa falhada do PRD. Seria eventualmente uma hipótese de reserva, uma solução latente, para o caso de se consumar a absorção política do PSD e do CDS, por essa mistura instável de um fundamentalismo economicista neoliberal com uma atmosfera ideológico-política quase salazarenta. Uma solução que uma possível estabilização do acordo das esquerdas poderia transformar num antídoto indispensável para contrariar uma duradoura subalternidade político-institucional da direita portuguesa.
De facto, quando a direita está em dificuldades, o caminho que têm seguido os seus expoentes mais subtis e mais sagazes é o de vestirem a pele de cordeiro do centro, para assim atraírem uma parte da esquerda, aliciando-a com a célebre ilusão de que é no meio que está a virtude. O problema desta remansosa alternativa não está na dificuldade em concebê-la. Está na dificuldade de encontrar entre os fortes quem seja capaz de se auto-limitar e entre os de baixo quem se conforme com o destino triste de ser um tapete dócil. Por isso é que o centro é quase sempre uma passagem, uma hesitação, um equilíbrio instável, um adiamento. Mas nunca uma solução duradoura. Ou então é uma simples camuflagem da direita, reservada aos tempos, para si difíceis, em que o seu rosto ostensivo é menos frequentável.

2. Por isso, seria bom que o povo de esquerda se convencesse que deixar instalar Marcelo Rebelo de Sousa em Belém não é o mesmo que um fim de semana bem passado a ouvir histórias da carochinha, não é o mesmo que ter a representar a República um avô bem disposto e inteligente que nos dá palmadinhas nas costas, é amigo de toda a gente, toma banhos de mar no inverno e dorme pouco. Um malabarista que como avô é um jovem, mas que como jovem já é avô. Um professor que procura esmagar com suavidade com o que sugere saber. Um distraído fictício que presta toda a atenção a cada detalhe que o possa favorecer ou prejudicar. Um caminhante displicente que mede cada passo. Aparentemente superficial para ser amado, aparentemente profundo para ser temido.
Em suma, o que está em marcha é uma grande manobra de ilusionismo político cuidadosamente tecida, para que uma parte do povo de esquerda seja seduzida (e portanto enganada) por um dos seus mais sagazes inimigos.
Símbolo central desta prestidigitação política é a súbita conversão a um prudente anticavaquismo de um dos seus escudeiros mais eficazes.  Realmente, o desastrado inquilino de Belém que encerra crispado um pesadelo nosso, não se enganou quando escolheu Marcelo para o seu Conselho de Estado.
Ora, se o ilusionismo político num comentador pode ser um colorido estimulante, num candidato presidencial é um insuportável embuste. O povo tem o direito de escolher o candidato que prefere por aquilo que ele é e por aquilo que ele venha realmente  a ser quando for Presidente.
Por isso, é exigível a todos os candidatos que digam como vão exercer os poderes que a Constituição lhes dá. Nem mais nem menos do que isso. Nós não vamos eleger um chefe providencial que disponha do poder ilimitado de mudar tudo, vamos eleger um cidadão que ocupará um lugar específico (ainda que muito importante) num sistema de poderes constitucionalmente estabelecido. E neste sistema de poderes ele dispõe de alguns, não de todos. Vamos escolher o protagonista, por um tempo limitado, o protagonista de um dos  órgãos de soberania, não de todos. Vamos eleger um Chefe de Estado com poderes identificados e limitados, não o detentor absoluto de todos nos poderes do Estado.
Por isso, é exigível que os candidatos sejam transparentes quanto ao seu carácter, quanto à sua estabilidade emocional, quanto ao lugar exato que ocupam no xadrez político, quanto às suas opções ideológicas, quanto á sua biografia política e pessoal. Os eleitores têm direito a uma informação honesta e verdadeira. Têm direito a não correr o risco de serem driblados, por um qualquer virtuoso do marketing político. Ora, estando presente na atual pugna, como principal e forte candidato da direita, um driblador político por excelência, o povo de esquerda tem que ter uma especial atenção, pois é ele o principal alvo das fintas desse ilusionista.

3. É legítimo, neste contexto, que nos interroguemos sobre o modo como os partidos de esquerda têm agido no campo das eleições presidenciais. Podendo vir a fazê-lo em breve, não vou hoje discutir o mérito substancial e o sentido das diversas candidaturas de esquerda presentes na disputa. Hoje, vou apenas comentar o modo como os partidos se têm posicionado quanto a elas.
O PCP tem um candidato próprio, o BE tem uma candidata própria, o Livre e o MRPP apoiam um mesmo candidato. Falta o PS, cuja dimensão eleitoral torna especialmente importante a posição que toma. Mas o PS não apoia qualquer candidato na primeira volta, dando assim liberdade voto aos seus militantes e deixando sem uma indicação clara os seus eleitores. O facto de uma candidata ser sua militante, ter sido Presidente do PS e ser apoiada publicamente por muitos dos seus membros; e de outro candidato, embora sem filiação partidária, ser apoiado publicamente por muitos outros  dos seus membros ─ faz com que seja pacífica a ideia que o PS se reconhece nessas duas candidaturas, sem optar por nenhuma delas na primeira volta, mas apoiando na segunda volta aquela que passar.
São compreensíveis as razões que levaram a direção do Partido Socialista  a tomar esta posição. Foi talvez o caminho mais suscetível de atenuar crispações internas. Mas é um caminho que não está isento de aspetos negativos.
Em primeiro lugar, o PS condena-se a um inevitável apagamento político no palco das eleições presidenciais. Em segundo lugar, o PS desdramatiza objetivamente o significado político de uma vitória da direita, pelo seu simples distanciamento em face das eleições, mesmo sendo ele relativo. Em terceiro lugar, o PS leva muitos dos seus militantes e dos seus dirigentes nacionais, distritais e concelhios, que não se sintam especialmente atraídos por qualquer das duas candidaturas em causa (ou que hesitem entre elas), a manterem-se neutros e passivos, esperando por uma segunda volta. Em quarto lugar, será menos fluido o eventual apoio da máquina partidária (mesmo como coadjuvante) a essas duas candidaturas.
E todos estes aspetos negativos prejudicam duplamente as duas candidaturas. Por um lado, não se maximiza o apoio a cada uma delas; por outro lado, ao enfraquecer ambas, leva-se a que cada uma veja agravado o risco de uma vitória de Marcelo à primeira volta, não só pelo seu próprio enfraquecimento, mas também pelo enfraquecimento da outra.

4. Há assim duas hipóteses para a esquerda. Ou deixa correr o marfim, esperando que as coisas sigam o seu destino, quiçá esperando um qualquer milagre que impeça a vitória anunciada da direita na primeira volta; ou não se conforma com a sonolenta deriva estratégica que a tem tolhido neste campo e procura um golpe de asa que possa reverter o cenário anunciado.
Neste momento, por tudo o que atrás se disse, o essencial do sobressalto atualmente necessário cabe ao PS.  Passou o tempo em que se poderiam ter realizado eleições primárias para que o partido decidisse qual o candidato a que daria apoio oficial. Teria sido um excelente impulso a quem as tivesse vencido e poderia mediante um acordo político envolver áreas de esquerda exteriores ao PS. Não aconteceu.
Poder-se-ia então pensar ser aconselhável que uma das duas candidaturas que repartem o maior número de apoios na área do PS desistisse a favor da outra. Neste momento, isso equivaleria a garantir a vitória do candidato da direita na primeira volta. Mesmo sendo eu apoiante de Maria de Belém não me passa pela cabeça apelar à desistência de Sampaio da Nóvoa, pois esssa hipotética desistência seria um verdadeiro suicídio da candidatura que apoio. A recíproca é igualmente verdadeira, se Maria de Belém desistisse Sampaio da Nóvoa nada ganharia com isso. Em ambos os casos, o único beneficiário seria Marcelo.
Dentro da mesma lógica, os candidatos apoiados pelo PC e pelo BE não devem , em caso algum, desistir. Os quatro candidatos devem procurar ter o melhor resultado possível, concentrando na segunda volta os votos naquele de entre os quatro que a ela passar. Por isso, deve ser melhorado ainda mais o clima que existe entre eles não se atacando nunca uns aos outros e concentrando o fogo no candidato da direita.
O PS, a meu ver, deveria dramatizar o risco e as consequências de uma vitória de Marcelo, abandonando o distanciamento atual quanto à primeira volta. E assim passar a apoiar, em simultâneo, com todos os seus meios as duas candidaturas que contam com mais apoios entre os seus militantes (a de Maria de Belém e a de Sampaio da Nóvoa). Não optava por nenhuma delas, mas encorajava e apoiava ambas. E principalmente desaconselhava e passava a combater fortemente qualquer tentação de uma neutralidade, qualquer hesitação, que se possa traduzir numa abstenção na primeira volta.

5. A nova conjuntura política aumentou muito a importância da Presidência da República para a direita, que vê nela não só uma peça estratégica no seu sistema institucional de poder ( o que é normal), mas também um dispositivo essencial para uma tentativa de reverter a grande deslocação para a direita dos dois partidos da coligação que nos governou.
Reversão tentada pela invenção de um aparente novo centro que concorresse com o PS na captação desse hipotético espaço deixado vazio. E que pudesse ainda servir como antídoto à dinâmica de unidade das esquerdas, neste momento em marcha. Um alegado novo centro construído a partir da presidência de Marcelo, se necessário através de um novo partido.
As próximas eleições presidenciais não são por isso um jogo amigável em que se ganha uma taça de latão, não são uma alegre confraternização dominical em que por acaso até se vota; são um jogo a eliminar em que quem perder fica sem nada, são um combate político importante para o futuro do povo e da República.
A direita política sobrecarregada com o papel antipático que o neoliberalismo lhe atribuiu, procura desesperadamente travestir-se de centro e mostrar-se empenhada na solução dos problemas sociais que ela própria criou. Pode balir como um cordeiro ou rugir como um leão, pode vestir-se de azul, de amarelo ou de laranja, mas o seu papel é sempre o mesmo. Se deixarmos que ela instale mais uma vez um dos seus na cadeira presidencial, vamos arrepender-nos. Eles querem fazer-nos crer que estão a jogar a feijões, mas não estão.


sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Sob o manto diáfano da democracia, a nudez autoritária da direita.


Ao ter-lhe sido frustrada a tentativa de ser governo,  mesmo contra uma maioria de deputados na AR que o não queriam, a direita entrou numa desorientadas e vertiginosa  roda livre. Os seus expoentes mais extremistas (ou menos contidos) levam ( ou fingem que levam) a sério a lenda tosca de uma ilegitimidade democrática que contaminaria o actual governo do PS, apoiado parlamentarmente por toda a esquerda.
Tentaram um golpe de Estado subtil que os blindasse no poder e reduzisse a nada o significado político de se votar numa parte da esquerda e condenasse a outra parte a servir de aguadeira triste de suas excelências. Mas a resposta que receberam, afinal, demoliu uma constância estrutural que a favorecia e condenou-a à modesta necessidade de ter que ganhar realmente as eleições, tendo maioria absoluta, para nos voltara a mergulhar no pesadelo da sua governação.
A direita só gosta de eleições quando as ganha. E não tem um grande prazer em correr o risco de o não conseguir. Pelo menos de correr esse risco muitas vezes, estruturalmente.
As sombrias figuras que realmente personificam a direita e os seus poderes, os seus agitados escudeiros parlamentares, as meninas finas da linha e as matronas finas já um tanto passadas , os  maus e os bons filhos das abastadas famílias, que como todos sabemos são o coração mais puro da democracia, gritam desalmadamente a ilegitimidade irremediável do actual Governo.
O velho abutre de santa comba disse um dia tranquilamente que as eleições durante o seu triste reinado eram tão livres como na livre Inglaterra. Consta que foram então discretamente tratados em hospitais de referência gravíssimos ataques de riso. O actual coro de alucinados da direita não inaugurou, como se vê, o delírio. Tem nas sua raízes um  mestre triste.
De tal modo que poderíamos ousar perturbar a glória serena de Eça de Queirós para que nos emprestasse uma das suas frases mais límpidas: “Sob o manto diáfano da fantasia, a nudez forte da verdade”.

Mas , supremo atrevimento  pelo qual pedimos desde já um perdão: vamos usar a frase de Eça para despirmos  a vacuidade desta direita . E dizemos:  “ Sob o manto diáfano da democracia, a nudez autoritária da direita”.

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

O DISCURSO DO PÁSSARO PERDIDO




O discurso do pássaro perdido

Que fantasma é este  que se assombra
com a sombra do próprio movimento?

De onde vem este gelo que nos corta
o coração que guarda o que é futuro ?

Quem escavou o ódio nesta noite,
este hálito tão sujo e tão sombrio ?

Quem disse essas palavras tão cansadas,
erguidas como um muro contra nós?

Um corvo foge no palácio imenso
como se fosse o vento da desgraça.
As suas asas são a própria cinza,
 a sua voz , o verme da tristeza.

Um outono rasgou nesse discurso
o fantasma de todos os crepúsculos
e as palavras perderam-se dispersas,
sem carne, sem luz e sem futuro.

Olhámos esse amargo entardecer
já dentro de uma outra companhia.
Pegámos com cuidado o novo dia,
sabendo que só falta caminhar.

O gavião das sombras recolheu-se
à triste solidão do seu discurso
 e aí ficou gelando a sua cólera,
gelando-se a si próprio ainda mais.
                                 
                             RUI  NAMORADO

                                          [27/11/15]

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

O Velho Abutre


Recorrendo á poesia, para comentar a conjuntura política:




O velho abutre


O velho abutre é sábio e alisa as suas penas
A podridão lhe agrada e seus discursos
Têm o dom de tornar as almas mais pequenas


Sophia de Mello Breyner - do livro: "Livro Sexto"

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Maria de Belém em COIMBRA


                   - domingo, dia 22 de novembro, 18 h –



A candidata à Presidência da República, Maria de Belém,  vai estar presente no Hotel D. Inês, (Rua Abel Dias Urbano - nº 12) em Coimbra, no próximo domingo, dia 22 de Novembro, às 18 horas, para apresentação da sua candidatura.

Apela-se à participação dos seus apoiantes e considera-se bem-vindo quem estiver interessado  em ouvir o que a candidata tem para dizer.


É tempo de termos na Presidência da República quem  traga o social para a agenda política, de modo a que se inscreva no futuro uma esperança necessária e possível. É tempo de garantir e completar Abril.

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

A minha posição quanto às eleições presidenciais


[ Divulgo hoje o texto através do qual manifestei o meu apoio a Maria de Belém como candidata às próximas eleições presidenciais.]

Apoio Maria de Belém como candidata à Presidência da República
                                                                          

A notícia de que Maria de Belém Roseira se candidata à Presidência da República é uma boa notícia para todos aqueles que veem na Constituição da República Portuguesa uma carta de navegação irremovível, que o nosso povo segue na sua grande viagem coletiva. Está aí o vetor essencial das razões pelas quais apoio a sua candidatura.
Mas apontam no mesmo sentido, quer a proximidade politico-ideológica, quer a riqueza da sua trajetória de intervenção política, quer a sua larga experiência de intervenção social, quer a serenidade, a inteligência e a firmeza que evidenciou na sua vida pública.
Há políticos que trovejam para esconjurar o medo de não estarem á altura das suas próprias convicções, por sentirem frágil e quebradiça a fidelidade aos seus próprios valores. Gritam a sua autenticidade porque afinal desconfiam dela. Proclamam-se de aço por recearem partir-se como se fossem de vidro.
Maria de Belém pode dar-se ao luxo de ser serena, porque se sabe impregnada por uma firmeza de convicções e de atitudes que tecem uma autenticidade que é para si uma vivência natural. É essa autenticidade que nos garante que na chefia do Estado estará inteira, sem simulações nem dissimulações, sem renunciar á sua identidade, mas sem cair nas areias movediças do presidencialismo partidário. Enfim, será  um antídoto adequado e regenerador para o envenenamento político da nossa democracia, que temos sofrido ao longo dos mandatos do atual Presidente.
Apoio Maria de Belém, porque confio na marca progressista do seu mandato, na sua identificação profunda com a nossa Constituição. E se é certo que estará ao nível dos mais altos padrões de fidelidade à Constituição no plano político-institucional e na esfera económica, será no terreno dos direitos sociais dos cidadãos e das instituições sociais que Maria de Belém poderá deixar as sementes mais promissoras e impulsionar o rasgar de novos horizontes. Novos horizontes traduzidos num preenchimento decididamente maior das virtualidades da nossa Constituição social.
Não que se deva esperar, naturalmente, que Maria de Belém na Presidência da República se transforme num agente direto da intervenção social e da economia social, mas deve valorizar-se o facto de  passar a estar ao seu alcance um impulso simbólico muito relevante na conquista de prestígio, legitimidade e visibilidade, por parte dessas práticas e dessas entidades. E também, é claro, o exercício de uma magistratura informada de influência, em face dos protagonistas do poder político a quem caiba agir nesse terreno, estimulando-os e travando qualquer possível pulsão negativa conducente à descaraterização ou à desconsideração dessas áreas. A biografia cívica de intervenção social de Maria de Belém permite que com realismo se possa esperar dela, especialmente neste campo, um forte impulso rumo a uma qualidade de vida melhor para os portugueses.
A sua biografia cívica no plano social mostra como sempre foi sensível à necessidade de respostas imediatas aos problemas mais cortantes que afligem o nosso povo e como isso nunca significou uma solidariedade que se conformasse com a eternização da sua própria necessidade. Pelo contrário, sempre soube valorizar os seus destinatários como cidadãos, como pólos de uma solidariedade democrática que não renunciam a inscrever também na luta por uma sociedade mais justa. É assim realista esperar-se de Maria de Belém, principalmente  neste campo, que ponha em prática aquilo que os outros candidatos não são sequer capazes de pensar e de sentir com autenticidade.


Outros sublinharão outras razões como aquilo que os move no apoio a esta Candidatura. É natural. Isso só mostra a riqueza política que lhe subjaz e a abrangência que a caracteriza.

                                                                Rui Namorado

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

O INDIGESTO GOVERNO DE GESTÃO



O INDIGESTO  GOVERNO  DE  GESTÃO
1.As mais altas figuras da direita portuguesa estão envolvidas numa campanha política histérica, cujos limites não são ainda conhecidos. Nem os seus mais visíveis responsáveis políticos se têm distanciado dessa crispação estéril. Pode parecer estranho este acesso de passado, esta recaída autoritária de muitos que pareciam imbuídos de uma normal urbanidade democrática.  Mas a sua própria exaltação torna verosímil a ideia de que estão, no fundo, confrontados com o falhanço, para eles inesperado, da urdidura que haviam tecido para poderem governar, mesmo que não mantivessem a maioria absoluta anterior.
Davam para isso como certa a continuidade da falta de entendimento das esquerdas entre si e como destinada a vencer a pressão que iriam fazer sobre o PS para conceder à direita  condições de governabilidade. Para isso, o essencial era que a coligação tivesse mais votos do que o PS, objetivo dado como possível (ao contrário da repetição da maioria absoluta), que realmente alcançaram.
Como sabemos, apesar de terem conseguido isso, a realidade de outros factos ocorridos esvaziou esse  golpe subtil, deixando a direita perante o dilema de desistir ou de insistir desesperadamente nele, mesmo numa versão grosseira dificilmente admissível, à luz dos menos exigentes padrões europeus da legitimidade democráticas. Não desistiram, mergulhando nas águas desiludidas da sua própria frustração, ao protagonizarem o tosco festival em curso. Uma campanha que, para além da exuberância trovejante dos insultos e da intensidade dramática das poses, é um catálogo farto de distorções conceptuais e de deturpações factuais.
Hoje, vou discutir as questões que rodeiam a problemática do chamado governo de gestão, que um desafinado coro de vozes pífias vai trazendo para a ribalta política como coisa boa, ou pelo menos aceitável.
2. Mas essa promoção mediática tem sido mergulhada num festival de superficialidades e de imprecisões que lança no espaço público uma confusão apreciável. Não vou evidentemente recorrer às entarameladas considerações dos constitucionalistas de telejornal, quase sempre fieis a uma banalidade sólida, que apenas agravam esse clima insalubre ( é claro, que existem algumas poucas e honrosas exceções, entre as quais destaco Jorge Reis Novais ( da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa), pelo rigor, pela clareza , pela frontalidade das posições que toma).
Vou seguir dois constitucionalistas da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Gomes Canotilho e Vital Moreira, de cuja alta competência em matéria constitucional só podem duvidar os ignorantes ou os fanáticos. Vou segui-los na 4ª edição revista (Vol. II) da sua “Constituição da República Portuguesa – Anotada” (Coimbra Editora, 2010).
Como se pode ler na anotação X ao art.º 186, “ o ciclo de vida normal de um Governo divide-se em três períodos (ou fases) ”. “ O 1º período é iniciado pela nomeação e posse do PM (…) e vai até á apreciação do programa do governo na AR; neste primeiro período o Governo tem poderes limitados “aos atos estritamente necessários” [ “para assegurar a gestão dos negócios públicos”] ( nº5) (pag.432).
E continuam:“ O 2º período inicia-se com a conclusão da apreciação do programa do Governo ─ se este não for rejeitado (pois neste caso o Governo não passa a esta nova fase)  ─, sendo o período de pleno exercício de funções por parte do Governo; este período, cujo horizonte máximo é o da legislatura em curso, termina necessariamente com a demissão do Governo (se não for por outro motivo, pelo menos com o início de nova legislatura).”
Prosseguem: “ O 3º período é o que se segue à demissão, por qualquer dos motivos que a podem provocar, passando o governo demitido a ter de novo poderes limitados, tal como na fase vestibular, esta fase terminal durará o tempo necessário para constituir novo Governo e até á tomada de posse do seu PM.”
E concluem:” Naturalmente, se o Governo vir rejeitado o seu programa na AR, não entra na 2ª fase, passando diretamente da 1ª para a 3ª, nunca chegando a funcionar como governo pleno, no exercício das respetivas funções constitucionais” (pag.432).
É neste tipo de governo que se integra o atual governo de Passos Coelho. Por isso, ele não é um verdadeiro governo de gestão, mas sim um governo abortado, um governo que não chegou a atingir a sua maturidade, a sua vigência plena. É um projeto de governo, cujo processo de formação não ficou completo. É um governo normal que não conseguiu atingir  a plenitude. Não é um governo de gestão, é um governo de competências constitucionalmente diminuídas, e por isso mesmo estruturalmente transitório, fruto de circunstâncias objetivas incontornáveis. Não está concebido como um tipo autónomo de governo a que o PR possa recorrer se lhe aprouver. É, repito, um governo que viu interrompido o processo que o conduziria à plenitude. É, nessa medida, um governo falhado que não pode existir para além do circunstancialismo que o suscitou.
3. Mas se, por absurdo, o PR insistisse em mantê-lo, através da não indigitação de um novo Governo, esse Governo normal abortado, nunca poderia exceder o âmbito a que expressamente a CRP o confina, quando considera que esse tipo de “Governo limitar-se-á à prática de atos estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos” (art.º 186- nº 5).
Quanto ao sentido a atribuir a esta expressão, escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira: “O preceito não estabelece nenhum limite quanto à natureza dos atos, podendo portanto ser praticados atos de qualquer tipo (sem excluir os de natureza legislativa) e não apenas os de “gestão corrente”. Ponto é que, qualquer que seja a sua natureza, eles sejam “estritamente necessários”). E continuam: “ O conceito de estrita necessidade é suficientemente enfático para exigir uma definição bastante exigente. Essa definição há de encontrar-se fundamentalmente a partir de dois índices: (a) importância significativa dos interesses em causa, em tais termos que a omissão do ato afetasse de forma relevante a gestão dos negócios públicos, b) inadiabilidade, ou seja, impossibilidade de, sem grave prejuízo, deixar a resolução do assunto para o novo Governo (…). E acrescentam: “ O princípio da necessidade apresenta-se assim suficientemente densificado para servir de parâmetro de aferição da legitimidade dos atos de um Governo demitido (…) inclusive para efeitos de controle da respetiva constitucionalidade e legalidade. Dadas as imposições constitucionais, é de exigir a fundamentação da necessidade dos atos de Governo nessas condições” (pag.431).
Os autores lembram depois que os governos demitidos veem caducar as autorizações legislativas que pediram à AR, bem como as propostas de lei ali pendentes. E concluem: “ Os governos demitidos não ficam isentos da fiscalização parlamentar (desde logo quanto ao respeito pelos limites da sua ação) mas não podem exercer podres cujo exercício dependa da AR. O PR exerce também as funções de controlo da constitucionalidade destes atos estritamente necessários para assegurar a gestão de negócios públicos mediante os poderes de promulgação, assinatura e veto.”
Ou seja, se o PR teimasse em manter o atual Governo em funções, fá-lo-ia ao arrepio da Constituição, afrontando diretamente uma maioria de deputados na AR o que equivaleria a afrontar o órgão no seu todo. O Governo com poderes diminuídos saído dessa agressão á AR, suscitaria natural e legitimamente uma posição de resposta da AR que se estaria afinal a defender. O PR não podia humilhar a AR, para depois lhe pedir cooperação institucional; e não disporia até ao fim do seu mandato do poder de a dissolver.
O Governo ficaria á mercê de uma maioria parlamentar, contra a qua ele era em si uma afronta, pelo simples facto de existir. Ficaria praticamente tolhido, o país sem liderança política e mergulhado numa guerra institucional, facilmente convertível numa conflitualidade social de alta intensidade. Tudo isto, num contexto político-económico em que o país não teria sequer um orçamento de Estado aprovado. O fantasma grego poderia assim vir a assombrar-nos, não pela mão das esquerdas, mas por força das decisões do PR, como protagonista central de uma direita que o seguira.
4. Não estaríamos, portanto perante um verdadeiro governo de gestão, mas sim perante o uso abusivo de um governo abortado prolongado artificialmente para além da duração para que foi concebido. Por isso, quem se refira ao governo atual como um legítimo governo de gestão constitucionalmente legítimo está equivocado. As autoridades políticas que decidirem com base nesse equívoco estão a afrontar grosseiramente a Constituição, abrindo a porta a serem juridicamente responsabilizadas; e até talvez gerando um direito de resistência por parte dos que se sentirem agredidos.
De facto, continuando na esteira dos dois constitucionalistas acima citados, em regra :1. –“os governos são constituídos sem prazo para durarem até ao termo da legislatura”; 2. – e “são constituídos para exercerem os poderes constitucionais normais (salvo se foram demitidos logo pela  AR, com a rejeição do programa de Governo)”. Mas, acrescentam logo de seguida que: “podem as circunstâncias políticas determinar a constituição de governos a prazo mais ou menos certo (que se poderão designar por governos intercalares) e com poderes mais ou menos limitados ou especificados (ditos governos de gestão). Trata-se normalmente de governos como solução de recurso ou de transição ─” governos interinos”─, na impossibilidade de constituir governos “normais”, e por via de regra, formados para gerir negócios públicos na sequência de crises de governo e na pendência de eleições parlamentares que possam propiciar novas condições políticas”( pag.432).
Como se vê, mesmo a opção por um verdadeiro governo de gestão é uma via que se não adequa á situação que atualmente se vive em Portugal. E essa inadequação é tento mais clara quanto como lembram os autores que venho seguindo: “Naturalmente, apesar das suas características especiais, estes governos não deixam de passar pelo mesmo ciclo vital que a Constituição prevê para todos os governos, embora com as limitações decorrentes do modo da sua formação e do seu caracter transitório e de “recurso”. ( pag.432).
Isto é, um governo de gestão pressupõe um acordo prévio entre o PR e uma maioria de deputados na AR, sem o qual nem sequer entraria em funções por poder ser rejeitado. Deste modo, um governo de gestão que surja contra uma maioria parlamentar sujeita-se a não chegar sequer a nascer.
E assim não só a situação atual não justifica uma solução deste tipo, uma vez que há um possível governo que tem apoio maioritário no atual parlamento, mas também se o PR o tentasse impor contra uma maioria de deputados como seria o caso não teria qualquer hipótese de iniciar funções.

5. O que acabo de escrever mostra que nem o atual governo chega a ser  um verdadeiro governo de gestão, nem um governo de gestão seria viável na conjuntura presente. Mostra também que, na hipótese absurda de o PR insistir neste equívoco, de continuidade do Governo com poderes diminuídos atualmente em funções, ele estaria politicamente tolhido e incapaz de governar. Desse modo o PR estaria a ir contra os superiores interesses nacionais, contra a Constituição, contra a maioria dos deputados eleitos em outubro passado, contra a estabilidade política, contra a previsibilidade económica. Enfim, seria um desastre. 

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

A Direita - o fantasma dos anos passados


Escribas, pequenos, médios e grandes vultos do jornalismo, intelectuais discretos, modestos ou finórios, atuais e ex-ministros, grandes catedráticos de pequenas instituições, enfim, toda uma luzida comitiva de porta-vozes confessos ou apenas professos da velha direita portuguesa, juntam-se para bramar a indispensabilidade de António Costa apresentar um governo com a solidez do basalto com a dureza do diamante. Ou então volta-se ao Estado Novo: só contam os votos da direita ( que por acaso são apenas 38%), ficando no poder o Pedro e o Paulo.
Como se a António Costa fosse exigível o infinito, quando à direita a tradição é a de lhe não se exigir nada. Como se a direita tivesse o direito natural de ser governo; e como se o Partido Socialista fosse excecionalmente autorizado a preencher algumas pausas, desde que obedeça ás condições políticas que a direita entenda por bem pôr-lhe. E, na conjuntura atual, desde que além disso se submeta a uma bateria de exigências pesporrentes, uma vez que ousa querer ser governo com o apoio das outras esquerdas, de modo a ter assim um apoio maioritário no parlamento. Exigências que a direita se esqueceu de que não são constitucionalmente exigíveis, como se, azamboada por lhe terem tirado o rebuçado que imprudentemente dera como certo, esteja possuída pelo sonho de que o 25 de abril nunca existiu.
Mas afinal a alternativa é entre um governo de António Costa suportado por um acordo político de razoável solidez e um governo de direita suportado por uma maioria sólida ? Não, não é. A alternativa é entre um governo do PS com um apoio maioritário na AR e um governo de gestão protagonizado pela direita que foi rejeitado formalmente na AR; e, portanto, politicamente sem maioria, provocatório e constitucionalmente inadmissível. Realmente, se Cavaco recusar um governo liderado por António Costa fá-lo-á ao arrepio da Constituição e  sem ter qualquer a hipótese de gerar uma solução mais sólida que lhe possa opor. Ora, um hipotético governo de gestão não só desobedece ao disposto na Constituição, como é uma solução incomensuravelmente mais frágil do que a que teria sido recusada. Com uma maioria contra ele na AR não tem qualquer viabilidade prática.

O que a matilha mediática tem pois  que mostrar é qual é a solução governativa que, na actual conjuntura, pode ser mais sólida do que um governo PS liderado por António Costa com apoio parlamentar maioritário na AR. Não o conseguirá porque essa solução não existe. E assim podemos dizer com justiça que a matilha mediática  da direita ou é intelectualmente desonesta ou é estúpida.

domingo, 25 de outubro de 2015

O fantasma do golpe falhado.

 
O fantasma do golpe falhado.

1. A direita urdiu um suave golpe de Estado para a hipótese de não chegar à maioria absoluta nas eleições legislativas passadas.
O seu ponto de partida foi o de ficcionar uma equiparação plena entre a coligação  PSD/CDS e os  partidos políticos, de modo a que no parlamento os dois partidos da coligação não valessem pelo número de deputados que cada um tivesse, mas pela soma dos deputados de ambos. Essa ficção parecia não o ser, quer pelo próprio modo como se publicitavam as sondagens, quer por força da propaganda feita pelo aparelho mediático dominante e pela direita político-partidária. As esquerdas menosprezaram o significado dessa campanha, por erro ou porque cada uma delas pensasse poder tirar vantagens dessa ficção ou por recear que a contrapropaganda que fizesse lhe pudesse trazer desvantagens. Mas essas omissões não transformaram a ficção em realidade.
O primeiro elemento do golpe era chamar, em primeiro lugar, para formar governo o dirigente da coligação de direita, se esta tivesse mais deputados do que o PS, mesmo que fosse o PS o partido com o maior número de deputados. Esse primeiro passo tornou-se desnecessário porque o PSD, por si só, teve mais deputados do que o PS.
Mas, dada a ausência de uma maioria absoluta de direita, a continuação do estratagema que se preparara implicou uma nova ambiguidade: Passos foi chamado ao PR por representar o partido com mais deputados, mas valorizou especialmente a sua qualidade de líder de uma coligação; Passos e Portas assumiram a perenidade política da coligação, mas sentiram-se na necessidade de a renovarem, formalmente, como se ela tivesse caducado.
O segundo tópico do golpe pressupunha e implicava o isolamento político do PS. Dava-se como adquirido que o PS não tivesse espaço de manobra no seio das esquerdas e punha-se diante dele uma coligação soldada por uma vitória relativa nas eleições e formalmente confirmada, que o arrastaria para um apoio envergonhado, pondo nele  toda responsabilidade pelo desenrolar da governação da direita, mas privando-o de qualquer poder relevante. O PS seria então  objeto de todas as pressões, para que deixasse a coligação governar como lhe aprouvesse,  e um alvo fácil dos diktats dos poderes económicos nacionais e internacionais. Além disso, por causa dessa rendição, não disporia de qualquer solidariedade no seio das esquerdas; e mesmo de uma grande parte dos seus militantes e do seu eleitorado.
A coligação de direita governaria enquanto achasse isso vantajoso,  à custa do enfraquecimento e até da fragmentação do PS, para quem, nessas condições, novas eleições poderiam ser fatais. A direita servia-se assim do PS e ainda o enfraquecia. Para ela, era o cenário perfeito, permitindo a sua  perpetuação no poder, à custa do risco de destruição do PS, mesmo que esta levasse a uma grave deterioração da democracia em Portugal. E é esta miserável urdidura  que a direita identifica como um reflexo do que diz serem  os"superiores interesses nacionais". Eloquente e revelador.

2. Mas esses cálculos imprudentes e levianos revelaram-se ilusórios. O PS, seguindo um caminho natural correspondente à sua identidade histórica e aos desafios concretos da conjuntura, abriu negociações com as outras esquerdas. Estas, lendo com inteligência e realismo o que o povo de esquerda no seu todo deseja, aceitaram dialogar. Este enorme degelo deixou a coligação isolada. Para cúmulo,  outros partidos europeus  irmãos do PS vieram apoiá-lo e encorajá-lo.
Os vários líderes das várias direitas ficaram desorientados e raivosos. Patética, a direita político-partidária tentou  negociar com o PS como se continuasse vigente o cenário político com que tinha sonhado mas que já não existia. Propôs-se negociar com ele, no entanto, sem deixar de o agredir e de ostentar uma vitória que não teve; e acabando por ser ela a romper as negociações. Desse modo, aprofundou  mais o fosso que a separava do PS, crispou o povo de esquerda contra ela, tornando ainda mais difícil para as esquerdas não chegarem a acordo.
 Sujeitando-se ao ridículo, persiste na publicitação de uma vontade negocial extemporânea, mas que nem agora consegue revestir de verosimilhança. De facto, continua a assumir-se como a expressão única do que está certo e a encarar o PS como um relapso cometedor de erros, que só poderá  redimir-se dos seus pecados, submetendo-se às conveniências e às opções da coligação de direita. Parece estúpido. E só o não será, por ser um mero artifício de propaganda, destinado a ocultar uma derrota parlamentar anunciada, ao mesmo tempo que a tenta inscrever como culpa na folha de  terceiros.
Por seu lado, o Presidente da República, em vez de desistir da tentativa de golpe de Estado que, na prática, já foi esvaziada, agiu como se ela ainda estivesse em marcha e pudesse ter êxito, renunciando desse modo a ser institucionalmente fiel ao  seu lugar e ao seu dever para com o país. Agiu como um chefe político da direita, sôfrego e desesperado, que, apesar de precisar da ajuda do PS para a realização dos seus desígnios, não hesitou em desconsiderá-lo, insultando-o em conjunto com os outros partidos de esquerdas. E assim insultou um conjunto de partidos que no seu todo tiveram o apoio da mais de metade do eleitorado, de milhões de portugueses. 

3. Vendo agora o chão fugir-lhe debaixo dos pés, a direita cai no ridículo de se achar habilitada para indicar ao PS o que ele deve ou não fazer, de se arvorar em mensageira dos eleitores que votaram no PS para lhes imputar as motivações que a ela lhe convêm, de exigir às esquerdas acordos escritos e compromissos nisto e naquilo, ao arrepio de tudo o que é corrente na vida política e está constitucionalmente previsto. Permite-se mesmo inventar um conjunto onde se mete com o PS, para assim se ostentar como imaginariamente  maioritária, como se a identidade politico-ideológica do PS estivesse dependente do que a direita pensa ou deseja que ela seja ou deva ser. Apesar dessa tentativa de se misturar com o PS, não deixa todavia de permanentemente  o agredir nos termos mais rasteiros.
 O PS e todos os partidos da esquerda e da direita têm que obedecer à Constituição e agir dentro da legalidade. Mais nada. O PS e os outros partidos não têm que obedecer áquilo que os apoiantes de terceiros  achem que eles devem fazer. Inventar costumes, rotinas e precedentes, destituídos de qualquer valor jurídico, para tentar limitar a liberdade de decisão do PS ( ou de qualquer outro partido) é uma pulsão autoritária e ilegítima que em democracia é politicamente idiota.

4. Por isso, a direita tem que perceber que a tentativa de permanecer no poder, apesar de ter perdido as eleições (ao não ter conseguido obter a maioria absoluta, que lhe permitiria governar, e tendo contra ela uma maioria absoluta de deputados à sua esquerda, que se concertou para gerar uma solução de governo) falhou. Não lhe adianta esbracejar e vociferar, como se tivesse o direito de consumar com êxito a tentativa de golpe que se frustrou.
Pelo contrário, deve compreender que o melhor contributo que pode dar para um regresso rápido à normalidade democrática é aceitar os resultados eleitorais no seu todo e comportar-se dentro dos parâmetros normativos da nossa Constituição. Se o fizer, só se dignificará com isso, compensando a deriva antidemocrática para que se deixou arrastar.
Pelo contrário, se persistir, podemos ter pela frente tempos difíceis Na verdade, os malefícios que a direita, nas suas várias expressões, pode causar ao nosso país e aos portugueses, com o seu apego desesperado ao poder e a sua doentia recusa de ter em conta a vontade popular no seu todo, podem vir a ser  bem maiores do que aqueles que ela diz recear, se outros a substituírem no governo.
Chega, aliás, a parecer que a  direita em Portugal está a fazer um apelo aos poderes de facto da finança internacional para que venham pressionar o nosso povo, empobrecendo-o ainda mais, enfraquecendo-o, tentando fazê-lo ajoelhar, convicta que só agredindo e tentando amedrontar os portugueses pode esperar voltar ao poder. Será repugnante se isso acontecer, mas não seria a primeira vez que, na nossa longa história, os poderosos de dentro serão agentes dos poderosos de fora, numa agressão suja  contra os outros portugueses.
Ainda tenho alguma esperança que desta vez isso não aconteça.


domingo, 18 de outubro de 2015

PARTIDO SOCIALISTA - labirinto ou encruzilhada ?


1. A comunicação social tem usado o epíteto de “seguristas” para dar significado coletivo e projeção política às posições de alguns apoiantes da António José Seguro, na mais recente disputa interna dentro do PS, que têm manifestado a sua oposição a uma eventual solução política que envolva os partidos de esquerda. Também apoiei AJS nessa disputa, mas sou favorável à tentativa de convergência à esquerda e completamente oposto a qualquer complacência para com a direita. Não me considero pois representado por esses porta-vozes deles próprios que deixaram que se lhes colasse um carimbo que sugere terem recebido um mandato que não existe.  Se há algum “ista” que legitimamente podem ostentar é apenas o que se prenda com os seus próprios nomes.
Tenho as mais fortes dúvidas de que eles reflitam a opinião, quanto à conjuntura atual, de mais do que uma pequena parte dos apoiantes de AJS. Como mero indício nesse sentido, posso citar o que ocorreu há poucos dias na Comissão Política Concelhia de Coimbra. Entre as vozes que se fizeram ouvir apenas duas se podem considerar compatíveis com as posições acima referidas e uma delas não era de um apoiante de AJS. Pelo contrário, houve uma boa meia dúzia de intervenientes que, tendo antes apoiado AJS, foram absolutamente claros no seu apoio a uma abertura à esquerda. Paralelamente, numa posterior  reunião da Comissão Política da Federação Distrital, em que não participei e na qual participaram bastantes apoiantes de AJS, ao que me foi dito, não se levantaram vozes críticas quanto ao caminho que tem vindo a ser seguido.
2. Qualquer militante do PS tem direito a exprimir a sua opinião. E inscreve-se no seu foro ético pessoal a calibragem do exercício desse direito. Uma calibragem que, no entanto, deve ter em conta o momento político que se viva e a medida em que a publicidade das posições tomadas possa favorecer os nossos adversários e prejudicar o PS. Mas não me parece que seja eticamente abrangido por essa liberdade o consentimento de que a comunicação social lhes aponha  qualificativos que sugiram que falam em nome de muitos outros que afinal não só não foram consultados como até  nem concordam com o que eles dizem.
A maior parte dos membros do PS críticos da abertura às outras esquerdas, cuja voz teve eco público, parecem capturados pela narrativa da direita sobre o significado dos resultados eleitorais. Estranhamente, qualificam como natural o apoio a um governo de uma direita possuída pelo fundamentalismo neoliberal, mas alarmam-se com a instituição de um governo protagonizado ou liderado pelo PS. Conformam-se com a humilhante subalternidade perante um governo que combatemos até agora e que tem arrastado o nosso país para a decadência e o nosso povo para o sofrimento, com um governo constituído por gente que agride miseravelmente o PS dias após dia, e que mesmo agora continua a insultar-nos. Foi essa rendição sem honra que motivou os nossos eleitores a escolherem-nos? Mas esse conformismo conjuga-se neles com uma demarcação acre em face da hipótese de um governo onde o PS seria sempre a força liderante , se não se tratasse afinal de um governo socialista monocolor com apoio parlamentar de todas as esquerdas. Parecem sentir-se mais confortáveis num PS que seja uma muleta de uma direita trôpega do que num PS que assuma a liderança de uma solução governativa que consubstancie um entendimento das esquerdas.
Parecem prisioneiros de preconceitos e acontecimentos de um outro século, ecos de uma geopolítica que caducou há décadas, arautos de uma alegada modernidade que o tempo envelheceu, tolhidos pelo medo de qualquer futuro que não seja um espelho pobre dos bloqueios presentes. Parecem encadeados pelo ilusionismo neoliberal que projeta do presente uma imagem virtual que ele próprio rapidamente esquece, quando se trata de agir em face dela. E é precisamente esse encadeamento que explica a facilidade com que embarcam na imagem distorcida que a direita tenta projetar do significado dos resultados eleitorais. Ao não atingir a maioria absoluta a coligação de direita sofreu a derrota decisiva, que aliás procurou evitar congregando os dois partidos do governo cessante. As oposições ao governo em conjunto venceram-no, embora nenhuma delas tivesse alcançado um resultado que lhe permitisse governar sozinha. O governo não pode cantar, por isso, uma vitória inexistente, fingindo que não teve contra ele mais do que cinquenta por cento do eleitorado.
Dentro de uma casa comum de esquerdas como é o PS, com uma  grande amplitude politico-ideológica e com uma relevante dimensão eleitoral, é natural que existam uma ou várias esquerdas , uma ou várias direitas. Todas se devendo oferecer legitimamente ao escrutínio  periódico do militantes que livremente escolham entre elas. Muito poucas vezes isso tem transparentemente acontecido. O mais comum são disputas fulanizadas, menos ideológicas do que tribais, mais radicadas em divisões conjunturais do que em clivagens estruturantes. Isso aconteceu nitidamente nas mais recentes disputas quanto à liderança do PS. As opções que se podem considerar de esquerda e as que se podem considerar de direita, (enquanto qualificativos identificadores e nunca como índices valorativos) estavam conjugadas nas candidaturas que se confrontaram.
Por isso, numa clivagem como aquela que se manifesta a propósito do processo de formação do governo, em que há uma forte conotação politico- ideológica na escolha entre os caminhos possíveis, é natural que os apoiantes da António Costa bem como os apoiantes de António José Seguro se dividam. Por isso, é que sugerir que quem apoiou AJS é contra a abertura às esquerdas, a partir da amplificação do eco de meia-dúzia de manifestações públicas de opinião, é uma falsificação da realidade. Falsificação tanto mais insuportável quanto parece claro que dentro do PS é largamente maioritário o repúdio pelo apoio a um governo de direita e a consequente preferência por um governo que resulte de um entendimento entre as esquerdas.

Em política não há caminhos sem risco, mas se um entendimento entre as esquerdas pode sofrer dificuldades pela pressão de possíveis boicotes dos poderes de facto, dos vampiros financeiros e da cumplicidade sem pudor das direitas europeias, a rendição à direita é ela própria um sofrimento, um colapso estrutural, um desmoronamento identitário. No primeiro caso, podemos ter no governo dificuldades por assumirmos a nossa identidade histórica e o nosso dever ético-político, mas no segundo caso podemos ter de arcar com a partilha de responsabilidades pelos desmandos de um governo a que somos alheios e que tem como um dos alvos principais dos seus ataques e dos seus insultos o próprio PS. Num caso, poderemos ter dificuldades, em função de uma prática política em que somos liderantes; no outro caso, sofreremos as consequências de uma ação governativa  dos principais algozes políticos dos que confiaram em nós.