AS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS - dilemas e confrontações.
1. Está estabilizado o elenco dos candidatos à Presidência da
República que vão ser votados pelos portugueses em 24 de janeiro. Mesmo sendo
conhecida a falibilidade das sondagens, é improvável que elas sejam
estruturalmente desmentidas nas eleições. A realidade saída das urnas pode
afastar-se delas parcelarmente, mas não nos mostrará, decerto, uma imagem
estruturalmente diferente daquela que elas nos têm vindo a transmitir.
Há um candidato da direita,
Marcelo Rebelo de Sousa, que se revela como o mais provável vencedor da
primeira volta, reunindo um conjunto de intenções de voto que torna admissível
a sua eleição à primeira volta. A máquina de propaganda da direita, todo o
complexo mediático dominante, quer inculcar nos eleitores uma imagem de
inevitabilidade dessa vitória à primeira volta, que todavia está longe de
espelhar a realidade. De facto, as intenções de voto em MRS excedem pouco os
50% e é sabido que, em Portugal, o conjunto do eleitorado da esquerda tende quase
sempre a ser maior do que o da direita.
À esquerda há quatro candidatos
com consistência política, Maria de Belém, Sampaio da Nóvoa, Marisa Matias e
Edgar Silva. Os dois últimos são apoiados, respetivamente, pelo BE e pelo PCP.
Os dois primeiros, embora não tendo o apoio oficial do PS na primeira volta,
repartem entre si uma parte muito relevante dos eleitores desse partido.
Sampaio da Nóvoa é também apoiado pelo Livre e pelo MRPP. Da dinâmica destas
quatro candidaturas depende em larga medida a realização de uma segunda volta.
Da sua dinâmica e da medida em que cada uma delas consiga aproximar-se do seu
teto potencial de eleitores. Isto, dando-se como adquirido que não se
digladiarão entre elas, concentrando todo o seu poder de fogo e toda a sua
agressividade no candidato da direita.
Segue-se depois um pequeno
pelotão de candidatos, politicamente pouco relevantes, com perfis pessoais,
profissionais e políticos muito diversos, com níveis de notoriedade pública
também distintos. As propostas que se lhes conhecem e os temas a que dão
prioridade também não são coincidentes, mas talvez seja possível ver em todos
eles uma forte desconfiança quanto aos partidos políticos existentes. Virão
talvez deles os maiores dislates, mas não é de excluir que deste conjunto saiam
também algumas ideias inovadoras. Não são um fenómeno novo. Os eleitores já se
habituaram a eles. Não os hostilizam, alguns até gostam deles, mas poucos lhes
dão o voto. Em conjunto, podem, no entanto, passar dos 5% dos votos. São talvez
um sintoma da incompletude da nossa democracia, uma externalidade negativa no
plano político, mas são uma manifestação de vitalidade cívica.
2. É muito positivo o empenhamento dos cidadãos nas candidaturas
que apoiem. É péssima a indiferença. É negativa a hesitação. É particularmente
negativa a hesitação que se traduza de imediato no alheamento e mais tarde na
abstenção.
Na perspetiva de um cidadão de
esquerda, militante do Partido Socialista, apoiante de Maria de Belém, como é o
meu caso, é naturalmente preferível que os apoios à sua candidata continuem a
crescer. Mas é particularmente negativo, não o apoio dos eleitores habituais ou
irregulares do PS em qualquer outro candidato de esquerda (em especial nos que
tenham uma real densidade política), mas a ausência de apoio a qualquer deles.
Essa possível omissão é a prenda mais apetitosa que pode ser dada ao candidato
da direita, Marcelo Rebelo de Sousa.
Praticando aquilo que preconizo e
comportando-me como penso ser a atitude política mais recomendável aos cidadãos
de esquerda na atual conjuntura, não vou tecer críticas substanciais a qualquer
dos três candidatos de esquerda acima destacados que não apoio, nem vou
insistir nas razões que me levam a apoiar Maria de Belém. Não esperando que
quem já tenha uma opinião formada tenha que forçosamente deixar de me ler, vou
no entanto dirigir-me especialmente aos cidadãos eleitores que estejam
hesitantes entre apoiar Maria de Belém ou Sampaio da Nóvoa, as duas
candidaturas que concitam mais apoios entre os socialistas.
Sob pena de cairmos numa arrogância estéril,
devemos dar todos como adquirido que a própria divisão de apoios referida
indicia que ambos os candidatos têm um perfil adequado para desempenharem com
êxito as funções a que se candidatam, embora naturalmente sejam diferentes as
suas qualidades, aptidões e experiências. Por mim, valorizo mais as da
candidata que apoio; com outros acontecerá certamente o contrário.
3. Mas a evolução política dos últimos meses, em Portugal, geradora
de um xadrez politico inédito desde o 25 de abril, mudou estruturalmente os
dados que caracterizavam a situação portuguesa. E essa mudança feriu
profundamente uma dessas duas candidaturas e deixou incólume a outra.
De facto, essa mudança estrutural
do xadrez político atingiu profundamente a candidatura de Sampaio da Nóvoa. Ela
foi concebida, preparada e lançada, como elemento decisivo de um dispositivo
facilitador de uma convergência dos partidos de esquerda, que se desejava ampla
mas se admitia como mitigada na esperança de que pudesse vir a ser crescente. Muito
naturalmente, o alvo principal era o PS na busca de ser conseguido o seu apoio
institucional e político a essa candidatura. O seu apoio formal. Dos outros
partidos de esquerda, desejando-se o apoio, não se excluía a utilidade de uma
outra qualquer manifestação favorável menos formal. Poderia ser uma
convergência logo à primeira volta; e, na pior das hipóteses, poderia ser uma convergência
apenas na segunda.
Cientes da centralidade do PS
neste processo, os outros partidos de esquerda, não tendo dado sinais
negativos, não quebraram uma prudente reserva. O PS reagiu com uma abertura
prudente, dando voz a Sampaio da Nóvoa, em eventos nacionais, quer sob a atual
direção, quer sob a anterior. Não tendo eu a ciência dos corredores, não sei
que conversas houve entre as direções do PS e o potencial candidato, ou sequer
se as houve. E tendo havido alguns discretos sinais públicos de proximidade, o
certo é que dentro do PS tal candidatura nunca foi discutida, não tendo sido
tornada pública qualquer decisão de qualquer dos seus órgãos nacionais sobre o
assunto.
O que poderia ser encarado como uma maneira
discreta de apoiar (de ir tornando evidente esse apoio) acabou por ser olhado
como uma hesitação. Essa hesitação, sendo de início encarada principalmente
como resultando das necessidades táticas e operacionais do PS, acabou por ser
contaminada pela resistência do pré-candidato Nóvoa a subir nas sondagens, a
ter uma presença ao menos honrosa nas sondagens. E o que começara por ser visto
como simples tacticismo algo egoístico da direção do PS, passou também a ser
olhado como consequência da fragilidade do candidato, em termos de popularidade
eleitoral.
A ausência de um apoio oficial do
PS ao pré-candidato Nóvoa, que continuava a voar baixo nas sondagens, sem
concitar entusiasmos nem romper a teia de um quase anonimato em termos do
grande público, suscitaram na área político-eleitoral do PS uma crescente
incomodidade que rapidamente se transformou num vazio. Não era clara a mensagem
objetiva dos factos.
O espaço para uma candidatura
saída de dentro do PS alargou-se exponencialmente, transformando-se numa
necessidade política, que naturalmente se projetou na consciência de quem se
sabia vocacionado e preparado para isso, como um imperativo. Imperativo a que
dificilmente poderia fugir quem, estando nessas condições, fosse reiteradamente
desafiado e estimulado por muitos para se disponibilizar para esse combate. Foi
o que aconteceu com Maria de Belém.
4. A direção do PS poderia ter organizado eleições primárias
abertas para decidir quem apoiava, podia ter reunido órgãos nacionais e ter
decidido. Não o fez. Decidiu antes não apoiar nenhum candidato na primeira
volta. Podendo vislumbrar-se a positividade desta decisão no plano da ética,
não se pode deixar de a considerar como politicamente negativa. Enfim, a
decisão está tomada, os socialistas estão espalhados pelas duas candidaturas,
embora muitos deles, infelizmente, permaneçam fora das duas.
Neste quadro, e voltando à
análise dos danos causados à candidatura de Sampaio da Nóvoa pela recente mutação
no xadrez político português, suscitada pelo entendimento entre as esquerdas
que tornou possível o governo liderado por António Costa, verificamos que a
paisagem política que esteve na génese da candidatura de Nóvoa já não existe.
Os resultados eleitorais e o modo como as forças políticas de direita e de
esquerda se concertaram e dividiram a partir deles, geraram um entendimento
político das esquerdas parlamentares muito mais consistente e muito mais amplo
do que aquele que estava no horizonte mais otimista da estratégia que concebia
Nóvoa como um impulsionador potencial de uma convergência de esquerda. O
desígnio estratégico central desta candidatura desvaneceu-se, tendo por isso
perdido o essencial da sua razão de ser original. Da razão que ocupou o cerne
das dinâmicas concertadas de apoio que o candidato suscitou.
5. O BE e o PCP compreenderam isso. Promoveram candidaturas
próprias, cujos protagonistas têm um perfil político que indicia claramente que
estamos perante candidaturas que querem ir a votos, que querem fixar na
primeira volta o eleitorado dos respetivos partidos, para que possam, numa
segunda volta, contribuir para a vitória de um candidato de esquerda. Perante
isto, consumou-se a objetiva frustração do desígnio essencial da candidatura de
Nóvoa. A inércia das dinâmicas frustradas e a posição neutra do PS prolongaram
um nível de intenções de voto a seu favor que o aproxima das que reúne Maria de
Belém, mas privaram-no irremediavelmente da margem de crescimento eleitoral de
que precisa para poder pensar em vencer.
Por isso, verdadeiramente, a
atual candidatura de Nóvoa é apenas uma sombra da que de início foi pensada.
Não por ter havido nela uma qualquer mutação substancial, mas porque o novo xadrez
político português lhe alterou radicalmente o sentido e o significado,
esvaziando-a irremediavelmente do essencial do seu horizonte estratégico.
Pelo contrário, a candidatura de
Maria de Belém nada perdeu com a referida alteração do xadrez político. Sendo
uma candidatura que se situa no centro da esquerda no plano estritamente
político, é uma candidatura estrutural e diretamente enraizada no terreno da
economia social, o que lhe permite uma fácil e natural abertura através dela, a
setores sociais que, em termos estritamente políticos, podem ser encarados como
estando situados quer à sua esquerda quer à sua direita. Sabendo-se quem o é
candidato da direita percebe-se que o terreno social é um terreno decisivo. Ele
já está a ficcionar-se para tentar expandir os seus apoios através dele. E aí
Maria de Belém tem a vantagem de quem está nesse terreno há décadas, tendo uma
experiência sólida, daquelas que não se constroem de um dia para o outro, nem
se compensam com banhos rápidos de assessoria, ou com qualquer retórica
imaginativa e perdulária.
6.Dito isto, os meus votos relativamente a todos aqueles que
convictamente já se envolveram em qualquer das quatro candidaturas de esquerda,
que tenham verdadeira densidade política e que acima mencionei, ou que por
opção partidária têm a sua escolha já feita, vão no sentido de que transmitam
eficácia ao seu entusiasmo no apoio aos seus candidatos. Quanto aos que estejam
ainda hesitantes no apoio a dar, peço-lhe que ponderem o que lhes acabo de
dizer e decidam em consciência.
Rui Namorado
(26.12.2015)