sábado, 12 de dezembro de 2015

Eleições Presidenciais ─ o grande ilusionista




Eleições Presidenciais ─ o grande ilusionista
 
1.O resultado das eleições presidenciais que se avizinham tem a importância inerente ao cargo em disputa. Muita. A esquerda tem estado a sofrer a lição penosa do que é ter em Belém um inquilino integrado no sistema de poder da  direita  e disposto a colocá-la à frente dos interesses do povo e da República.
Mas os últimos dias têm-nos fornecido alguns tímidos indícios de que pode vir a inscrever-se no horizonte de uma parte da direita um novo episódio de abuso na utilização política do cargo, através da tentativa de criar a partir da Presidência da República um novo partido político. Um partido que viria a apresentar uma parte da velha direita como novo centro político. Um partido que viria ocupar o espaço deixado vazio pela direitização do PSD e pelo acentuar da bipolaridade esquerda/direita que tenderia a empurrar o PS para a esquerda. Para isto, Marcelo Rebelo de Sousa terá que ser o próximo inquilino de Belém.
Um tal caminho repetiria, num outro registo, a tentativa falhada do PRD. Seria eventualmente uma hipótese de reserva, uma solução latente, para o caso de se consumar a absorção política do PSD e do CDS, por essa mistura instável de um fundamentalismo economicista neoliberal com uma atmosfera ideológico-política quase salazarenta. Uma solução que uma possível estabilização do acordo das esquerdas poderia transformar num antídoto indispensável para contrariar uma duradoura subalternidade político-institucional da direita portuguesa.
De facto, quando a direita está em dificuldades, o caminho que têm seguido os seus expoentes mais subtis e mais sagazes é o de vestirem a pele de cordeiro do centro, para assim atraírem uma parte da esquerda, aliciando-a com a célebre ilusão de que é no meio que está a virtude. O problema desta remansosa alternativa não está na dificuldade em concebê-la. Está na dificuldade de encontrar entre os fortes quem seja capaz de se auto-limitar e entre os de baixo quem se conforme com o destino triste de ser um tapete dócil. Por isso é que o centro é quase sempre uma passagem, uma hesitação, um equilíbrio instável, um adiamento. Mas nunca uma solução duradoura. Ou então é uma simples camuflagem da direita, reservada aos tempos, para si difíceis, em que o seu rosto ostensivo é menos frequentável.

2. Por isso, seria bom que o povo de esquerda se convencesse que deixar instalar Marcelo Rebelo de Sousa em Belém não é o mesmo que um fim de semana bem passado a ouvir histórias da carochinha, não é o mesmo que ter a representar a República um avô bem disposto e inteligente que nos dá palmadinhas nas costas, é amigo de toda a gente, toma banhos de mar no inverno e dorme pouco. Um malabarista que como avô é um jovem, mas que como jovem já é avô. Um professor que procura esmagar com suavidade com o que sugere saber. Um distraído fictício que presta toda a atenção a cada detalhe que o possa favorecer ou prejudicar. Um caminhante displicente que mede cada passo. Aparentemente superficial para ser amado, aparentemente profundo para ser temido.
Em suma, o que está em marcha é uma grande manobra de ilusionismo político cuidadosamente tecida, para que uma parte do povo de esquerda seja seduzida (e portanto enganada) por um dos seus mais sagazes inimigos.
Símbolo central desta prestidigitação política é a súbita conversão a um prudente anticavaquismo de um dos seus escudeiros mais eficazes.  Realmente, o desastrado inquilino de Belém que encerra crispado um pesadelo nosso, não se enganou quando escolheu Marcelo para o seu Conselho de Estado.
Ora, se o ilusionismo político num comentador pode ser um colorido estimulante, num candidato presidencial é um insuportável embuste. O povo tem o direito de escolher o candidato que prefere por aquilo que ele é e por aquilo que ele venha realmente  a ser quando for Presidente.
Por isso, é exigível a todos os candidatos que digam como vão exercer os poderes que a Constituição lhes dá. Nem mais nem menos do que isso. Nós não vamos eleger um chefe providencial que disponha do poder ilimitado de mudar tudo, vamos eleger um cidadão que ocupará um lugar específico (ainda que muito importante) num sistema de poderes constitucionalmente estabelecido. E neste sistema de poderes ele dispõe de alguns, não de todos. Vamos escolher o protagonista, por um tempo limitado, o protagonista de um dos  órgãos de soberania, não de todos. Vamos eleger um Chefe de Estado com poderes identificados e limitados, não o detentor absoluto de todos nos poderes do Estado.
Por isso, é exigível que os candidatos sejam transparentes quanto ao seu carácter, quanto à sua estabilidade emocional, quanto ao lugar exato que ocupam no xadrez político, quanto às suas opções ideológicas, quanto á sua biografia política e pessoal. Os eleitores têm direito a uma informação honesta e verdadeira. Têm direito a não correr o risco de serem driblados, por um qualquer virtuoso do marketing político. Ora, estando presente na atual pugna, como principal e forte candidato da direita, um driblador político por excelência, o povo de esquerda tem que ter uma especial atenção, pois é ele o principal alvo das fintas desse ilusionista.

3. É legítimo, neste contexto, que nos interroguemos sobre o modo como os partidos de esquerda têm agido no campo das eleições presidenciais. Podendo vir a fazê-lo em breve, não vou hoje discutir o mérito substancial e o sentido das diversas candidaturas de esquerda presentes na disputa. Hoje, vou apenas comentar o modo como os partidos se têm posicionado quanto a elas.
O PCP tem um candidato próprio, o BE tem uma candidata própria, o Livre e o MRPP apoiam um mesmo candidato. Falta o PS, cuja dimensão eleitoral torna especialmente importante a posição que toma. Mas o PS não apoia qualquer candidato na primeira volta, dando assim liberdade voto aos seus militantes e deixando sem uma indicação clara os seus eleitores. O facto de uma candidata ser sua militante, ter sido Presidente do PS e ser apoiada publicamente por muitos dos seus membros; e de outro candidato, embora sem filiação partidária, ser apoiado publicamente por muitos outros  dos seus membros ─ faz com que seja pacífica a ideia que o PS se reconhece nessas duas candidaturas, sem optar por nenhuma delas na primeira volta, mas apoiando na segunda volta aquela que passar.
São compreensíveis as razões que levaram a direção do Partido Socialista  a tomar esta posição. Foi talvez o caminho mais suscetível de atenuar crispações internas. Mas é um caminho que não está isento de aspetos negativos.
Em primeiro lugar, o PS condena-se a um inevitável apagamento político no palco das eleições presidenciais. Em segundo lugar, o PS desdramatiza objetivamente o significado político de uma vitória da direita, pelo seu simples distanciamento em face das eleições, mesmo sendo ele relativo. Em terceiro lugar, o PS leva muitos dos seus militantes e dos seus dirigentes nacionais, distritais e concelhios, que não se sintam especialmente atraídos por qualquer das duas candidaturas em causa (ou que hesitem entre elas), a manterem-se neutros e passivos, esperando por uma segunda volta. Em quarto lugar, será menos fluido o eventual apoio da máquina partidária (mesmo como coadjuvante) a essas duas candidaturas.
E todos estes aspetos negativos prejudicam duplamente as duas candidaturas. Por um lado, não se maximiza o apoio a cada uma delas; por outro lado, ao enfraquecer ambas, leva-se a que cada uma veja agravado o risco de uma vitória de Marcelo à primeira volta, não só pelo seu próprio enfraquecimento, mas também pelo enfraquecimento da outra.

4. Há assim duas hipóteses para a esquerda. Ou deixa correr o marfim, esperando que as coisas sigam o seu destino, quiçá esperando um qualquer milagre que impeça a vitória anunciada da direita na primeira volta; ou não se conforma com a sonolenta deriva estratégica que a tem tolhido neste campo e procura um golpe de asa que possa reverter o cenário anunciado.
Neste momento, por tudo o que atrás se disse, o essencial do sobressalto atualmente necessário cabe ao PS.  Passou o tempo em que se poderiam ter realizado eleições primárias para que o partido decidisse qual o candidato a que daria apoio oficial. Teria sido um excelente impulso a quem as tivesse vencido e poderia mediante um acordo político envolver áreas de esquerda exteriores ao PS. Não aconteceu.
Poder-se-ia então pensar ser aconselhável que uma das duas candidaturas que repartem o maior número de apoios na área do PS desistisse a favor da outra. Neste momento, isso equivaleria a garantir a vitória do candidato da direita na primeira volta. Mesmo sendo eu apoiante de Maria de Belém não me passa pela cabeça apelar à desistência de Sampaio da Nóvoa, pois esssa hipotética desistência seria um verdadeiro suicídio da candidatura que apoio. A recíproca é igualmente verdadeira, se Maria de Belém desistisse Sampaio da Nóvoa nada ganharia com isso. Em ambos os casos, o único beneficiário seria Marcelo.
Dentro da mesma lógica, os candidatos apoiados pelo PC e pelo BE não devem , em caso algum, desistir. Os quatro candidatos devem procurar ter o melhor resultado possível, concentrando na segunda volta os votos naquele de entre os quatro que a ela passar. Por isso, deve ser melhorado ainda mais o clima que existe entre eles não se atacando nunca uns aos outros e concentrando o fogo no candidato da direita.
O PS, a meu ver, deveria dramatizar o risco e as consequências de uma vitória de Marcelo, abandonando o distanciamento atual quanto à primeira volta. E assim passar a apoiar, em simultâneo, com todos os seus meios as duas candidaturas que contam com mais apoios entre os seus militantes (a de Maria de Belém e a de Sampaio da Nóvoa). Não optava por nenhuma delas, mas encorajava e apoiava ambas. E principalmente desaconselhava e passava a combater fortemente qualquer tentação de uma neutralidade, qualquer hesitação, que se possa traduzir numa abstenção na primeira volta.

5. A nova conjuntura política aumentou muito a importância da Presidência da República para a direita, que vê nela não só uma peça estratégica no seu sistema institucional de poder ( o que é normal), mas também um dispositivo essencial para uma tentativa de reverter a grande deslocação para a direita dos dois partidos da coligação que nos governou.
Reversão tentada pela invenção de um aparente novo centro que concorresse com o PS na captação desse hipotético espaço deixado vazio. E que pudesse ainda servir como antídoto à dinâmica de unidade das esquerdas, neste momento em marcha. Um alegado novo centro construído a partir da presidência de Marcelo, se necessário através de um novo partido.
As próximas eleições presidenciais não são por isso um jogo amigável em que se ganha uma taça de latão, não são uma alegre confraternização dominical em que por acaso até se vota; são um jogo a eliminar em que quem perder fica sem nada, são um combate político importante para o futuro do povo e da República.
A direita política sobrecarregada com o papel antipático que o neoliberalismo lhe atribuiu, procura desesperadamente travestir-se de centro e mostrar-se empenhada na solução dos problemas sociais que ela própria criou. Pode balir como um cordeiro ou rugir como um leão, pode vestir-se de azul, de amarelo ou de laranja, mas o seu papel é sempre o mesmo. Se deixarmos que ela instale mais uma vez um dos seus na cadeira presidencial, vamos arrepender-nos. Eles querem fazer-nos crer que estão a jogar a feijões, mas não estão.


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