Ao ter-lhe sido frustrada a tentativa de ser governo, mesmo contra uma maioria de deputados na AR
que o não queriam, a direita entrou numa desorientadas e vertiginosa roda livre. Os seus expoentes mais extremistas
(ou menos contidos) levam ( ou fingem que levam) a sério a lenda tosca de uma ilegitimidade
democrática que contaminaria o actual governo do PS, apoiado parlamentarmente
por toda a esquerda.
Tentaram um golpe de Estado subtil que os blindasse no poder e
reduzisse a nada o significado político de se votar numa parte da esquerda e
condenasse a outra parte a servir de aguadeira triste de suas excelências. Mas
a resposta que receberam, afinal, demoliu uma constância estrutural que a
favorecia e condenou-a à modesta necessidade de ter que ganhar realmente as
eleições, tendo maioria absoluta, para nos voltara a mergulhar no pesadelo da
sua governação.
A direita só gosta de eleições quando as ganha. E não tem um grande
prazer em correr o risco de o não conseguir. Pelo menos de correr esse risco
muitas vezes, estruturalmente.
As sombrias figuras que realmente personificam a direita e os seus
poderes, os seus agitados escudeiros parlamentares, as meninas finas da linha e
as matronas finas já um tanto passadas , os maus e os bons filhos das abastadas famílias,
que como todos sabemos são o coração mais puro da democracia, gritam
desalmadamente a ilegitimidade irremediável do actual Governo.
O velho abutre de santa comba disse um dia tranquilamente que as
eleições durante o seu triste reinado eram tão livres como na livre Inglaterra.
Consta que foram então discretamente tratados em hospitais de referência
gravíssimos ataques de riso. O actual coro de alucinados da direita não inaugurou,
como se vê, o delírio. Tem nas sua raízes um mestre triste.
De tal modo que poderíamos ousar perturbar a glória serena de Eça de
Queirós para que nos emprestasse uma das suas frases mais límpidas: “Sob o
manto diáfano da fantasia, a nudez forte da verdade”.
Mas , supremo atrevimento pelo
qual pedimos desde já um perdão: vamos usar a frase de Eça para despirmos a vacuidade desta direita . E dizemos: “ Sob o manto
diáfano da democracia, a nudez autoritária da direita”.
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