segunda-feira, 2 de abril de 2012

A DOENÇA COMO LUXO, A VIDA COMO DESPESA

O ministro chegou. Grave, como nas grandes ocasiões, martelando com energia frases secas. Ofereceu-nos a notícia. Ia ser reduzido o montante a pagar pelas baixas por doença. E num olhar de espada acrescentou:“ Para desencorajar as fraudes!”


E assim mostrou o seu pragmatismo cristão: se não se conseguem detectar e punir os prevaricadores, castigam-se todos os doentes, sejam ou não culpados de fraude. É certo que podem ser atingidos uns quantos inocentes, mas temos que reconhecer que, pelo menos, não escapa um único falsário. É o que, na ética piedosa do actual governo, se pode traduzir na estratégia de fazer pagar o justo pelo pecador. Isto sim, é coragem! Nem a lendária “troika” teve tal ousadia.
Mas o que me desvaneceu, realmente, neste rasgo político foi o facto de não estarmos perante uma actuação casuística, vinda de um esporádico acesso de genialidade. Nada disso. Trata-se, pelo contrário, de uma via bem inserida na política de saúde do governo.
Assim, ao dissuadirem-se os trabalhadores de adoecerem, além de se incentivar a produtividade, gera-se uma apreciável diminuição dos gastos na saúde. E, é claro, diminui-se a pieguice dos nossos doentes, quiçá habituando-os ao um novo estoicismo, que os poderá levar a sofrerem e calarem, domesticando as bactérias mais ousadas e os vírus mais insistentes, de modo a que, também eles, fiquem bem cientes de que este governo está muito atento, não se dispondo à mínima complacência perante qualquer micróbio despesista, perante qualquer doença relapsa.
Aliás, será, certamente, um novo êxito a somar a tantos outros. Nomeadamente, a somar-se à retumbante vitória contra as despesas em saúde, cujos eloquentes resultados foram tão imaginativamente ilustrados com o acréscimo de milhares de mortos, por força das virtuosas poupanças na saúde e do desregrado frio que nos assolou.
Como muito bem disse o célebre chefe índio Extraviado na Carreira: “Não basta dizer que os portugueses têm que apertar o cinto, por terem vivido há décadas como autênticos nababos, bem acima das suas possibilidades. É também indispensável, falando-lhes com verdade, dizer-lhs sem hesitação que eles têm vivido muito mais tempo do que aquilo que deveriam. É por isso indispensável, por uma questão de racionalidade económica, que passem a morrer muito mais cedo. É tempo de lhes cortar esse insuportável luxo de continuarem vivos.”


De facto, nestas frases tão sugestivas e simples, desse arguto filósofo político, tão senilmente genial, fica expressa, lapidarmente, o mais fundo da lógica que impregna o comportamento do actual Governo: “extinguir os portugueses, para salvar Portugal! "

3 comentários:

Luis Moreira disse...

Há que combater a fraude, sim. sem isso, sem cortar o desperdício, e apesar de todas as questãoes que levanta, corremos o risco de o estado social não ser sustentável.No outro dia vi uma notícia da SS em França. Um jovem muçulmano de 30 anos não fazia nada mas recebia da SS 3 000 euros/mês porque tinha 3 mulheres e seis filhos. recebia os subsídios todos e mais alguns. A fraude e o abuso não têm limite?

Anónimo disse...

É função normal de qualquer responsável, combater a fraude e não cair em desperdício. Mas nada justifica que se diminuam direitos a todos, por se ser incapaz de se castigarem os poucos prevaricadores.

Também é estranho dar tanta importância às fraudes dos pequenos e tão pouca importância às verdadeiramente grandes.O que se descobriu no caso BPN, por exemplo, prejudicou mais o Estado português do que todos as pequenas fraudes juntas ao longo de meio século.

A treta do desperdício e da fraude, como se fossem problemas maiores, encobbre quase sempre uma vontade inconfessada(eleitoralemte penalizadora) de fazer recair sobre os fracos o peso da diminuição das despesas sociais.

Preocupemo-nos com as fraudes e os desperdícios, mas com todos. E naturalmente comecemos pelas grandes.Ou melhor, não nos concentremos nas pequenas para ver se as grandes são esquecidas.

Rui Namorado

Anónimo disse...

Temos de começar já e pelas escolas. O normal funcionamento das instituições viradas para a cultura devem desde já avançar com os cuidados intensivos, pois a doença maior de um povo, é a ignorância em que vive.

Depois de quase um século de aberração cultural, torna-se dificil recuperar, sabemos como certo.
Isto não vai lá com paliativos porque está todo um povo em causa.

Começar já queiram os ministros ou não.
Deverá ser uma ação construtiva de professores pais e alunos em nome do direito à indignação. Como diria o bom Presidente da Republica Jorge Sampaio.
Respeitosamente. "O Catraio"