segunda-feira, 26 de março de 2012

NÓS, OS DA CRISE DE 62.

Acabei hoje este poema. Apresso-me a publicá-lo em homenagem aos estudantes que, há meio século, em Lisboa e Coimbra lutaram pelas coisas simples que corroiem as ditaduras. Não procuraram glória. Apenas não consentiram que as botas do poder os pisassem sem que resisitissem. Os de cima talvez tivessem julgado que os tinham vencido. Se assim foi, hoje sabemos que se enganaram.


Não me foi possível estar no sábado passado em Lisboa. Com este poema quero, de algum modo, não só compensar essa ausência, mas também evocar fraternalmente os estudantes que então juntaram as suas vozes nos "Poemas Livres".



Nós, os da crise de 62

Eram de frio as botas do poder,
dentes podres de um medo mergulhado

no simples respirar de cada dia.

Os sacerdotes negros do destino
eram sombras de inverno repetidas,
num abismo sem cor e sem limites.

Mas o vento da história regressou
e o cão foi arrancado do poder,
sem ter sequer a honra do vencido.

Nós fomos breve grão de liberdade,
ali tão rudemente semeado,
num gesto sem temor e sem amparo.

Abril foi então desembainhado
e a colheita nasceu em todos nós,
flor de audácia, gestos de ousadia.

Agora que os morcegos regressaram,
não esperem de nós que nos deitemos
numa cama de medo e de saudade.

Estamos ainda aqui de ideias limpas,
peregrinos que não perdem a memória,
viajantes no tempo que há de vir.


[Rui Namorado]

4 comentários:

José Teles disse...

Estiveste, estás, nas comemorações com aquele famoso artigo que assinaste com o Hélder Costa no Quadrante, que deixou o Paulo Cunha possesso, lembras-te? Está na exposição, no átrio da Reitoria. Tens de passar por lá.

Osvaldo Castro disse...

Caro Rui,
Excelente poema!
Fiz link!
Abraço pela Crise de 62...sem esquecer,tambem, o teu notável papel na Crise de 1969!
Osvaldo Castro

folha seca disse...

Caro Rui Namorado
Embora visite ocasionalmente o seu blogue (não mais vezes porque o tempo é escasso) foi no blogue do Osvaldo que li este poema. Acho que nos diz que ainda não é tempo de calçar as pantufas.
Cumprimentos
Rodrigo

Judite Cortesão disse...

Caro Rui
Tenho pena que não tivesses cá estado no sábado, mas compensaste-nos com este poema. É mesmo isso:felizmente, muitos de nós "estamos inda aqui de idéias limpas".grande abraço amigo e solidário da
Judite Cortesão