os dedos do tempo estrangulam friamente
as linhas do teu rosto
e os outonos sucedem-se mais rápidos
deixando-nos despidos na porta do inverno
nada disso se vê
só uma luz que guardas docemente
procede solícita à habitação dos olhos
as palavras os sonhos as ideias
incendeiam por dentro a sombra do futuro
peregrinos de silêncios e de histórias,
estamos aqui e somos a viagem,
mas viajando, estamos à procura
da mais funda raíz que nos criou
os dedos da memória saboreiam
o perfume perdido da saudade
descem ruas , sobem pensamentos
deixam os anos corromper as horas
olhando-nos, sabemos que viemos
da repetida cólera dos povos,
desse vento de dor, dessa aventura
desse gesto sempre interrompido
de sermos nós a própra liberdade
por isso, sem medida percorremos
caminhos, romances, ilusões
e nas portas do tempo executamos
os gestos inesperados e audazes
este tempo para nós é um exílio
e uma pátria sorvida gota a gota
somos hoje, até ao fim do mundo,
mas há em nós a sombra de outro tempo
neste outono que desce pelas tardes
num passo desabado e melancólico
há esperanças que fraquejam e se apagam
semeemos portanto novos ventos
que tragam o sabor das tempestades
e nas harpas tão frias dos invernos
acendamos a luz da primavera
[Laceiras, 3 de Agosto de 2010]
Rui Namorado
1 comentário:
...e descobri mais alguém que sabe escrever poesia!
Saudações.
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