terça-feira, 3 de agosto de 2010

Rapsódia, não apenas triste


os dedos do tempo estrangulam friamente

as linhas do teu rosto

e os outonos sucedem-se mais rápidos

deixando-nos despidos na porta do inverno



nada disso se vê

só uma luz que guardas docemente

procede solícita à habitação dos olhos



as palavras os sonhos as ideias

incendeiam por dentro a sombra do futuro



peregrinos de silêncios e de histórias,

estamos aqui e somos a viagem,

mas viajando, estamos à procura

da mais funda raíz que nos criou



os dedos da memória saboreiam

o perfume perdido da saudade

descem ruas , sobem pensamentos

deixam os anos corromper as horas



olhando-nos, sabemos que viemos

da repetida cólera dos povos,

desse vento de dor, dessa aventura

desse gesto sempre interrompido

de sermos nós a própra liberdade



por isso, sem medida percorremos

caminhos, romances, ilusões

e nas portas do tempo executamos

os gestos inesperados e audazes



este tempo para nós é um exílio

e uma pátria sorvida gota a gota

somos hoje, até ao fim do mundo,

mas há em nós a sombra de outro tempo



neste outono que desce pelas tardes

num passo desabado e melancólico

há esperanças que fraquejam e se apagam



semeemos portanto novos ventos

que tragam o sabor das tempestades

e nas harpas tão frias dos invernos

acendamos a luz da primavera


[Laceiras, 3 de Agosto de 2010]
Rui Namorado

1 comentário:

São disse...

...e descobri mais alguém que sabe escrever poesia!

Saudações.