domingo, 22 de agosto de 2010

A fugidia sombra das palavras


Soube-se que a "direcção nacional" (sic) do PS disse não sei quê. No remanso deste Agosto, agora mais ameno, quando já se acirram as espadas afiadas da "rentrée" política, dou comigo a pensar: "Direcção nacional" ? Mas afinal o que é isso?

Sei, de ciência certa, que não é a Comissão Nacional, nem a Comissão Política. Pertenço a ambas e em nenhuma das reuniões realmente existentes se tratou desses transcendente "não sei quê".

Só pode ser, portanto, o Secretariado Nacional. Mas terá esse circunspecto areópago desperdiçado a sua preciosa atenção, em trivialidades de base? Admito longinquamente que sim, mas não acredito.


Perante tão percuciente reflexão, apenas resiste o óbvio mais prosaico: a expressão "direcção nacional" é uma simples força de expressão, uma retórica de empolamento, usada por um qualquer camarada com funções administrativas centrais, quando se sente demasiado leve politicamente, para estar à altura das necessidades objectivas de uma qualquer circunstância, em que se vê obrigado a ser protagonista. Poder-se-ia ter falado apenas no camarada António, ou Silva, ou Francisco, mas teria sido demasiado ligeiro. Só revestindo esse comezinho António, ou Silva, ou Francisco, do manto solene da expressão em causa , o assunto ganharia altura no voo simbólico da sua importância. E assim aconteceu.


Dito isto, recordo com algum embaraço que muito provavelmente , eu próprio, uma e outra vez, me terei deixado embalar pela sedução simplista dessa retórica. Nada de muito grave, desde que todos nós nunca esqueçamos que, por detrás da enorme sombra da expressão "direcção nacional", está sempre, salvo expressa e explícita afirmação em contrário, a modesta realidade de um António, de um Silva, ou de um Francisco.

Regressado o pensamento à natural hibernação da época, Agosto vai continuar espreguiçando-se, na sua decepcionante marcha para o fim das férias. Nada de grave, se os pássaros mais crispados não estragarem a doce melancolia de Setembro.

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