Esta série, que poderá eventualmente vir a ser publicada em livro, é no entanto um caso particular. Antes do 25 de Abril, para além de ter participado em iniciativas colectivas e de ter publicado poesia em jornais e revistas, vi editados dois livros de poemas da minha autoria: Maio Ausente, Cancioneiro Vértice, 1970; e Lírica do Silêncio,Centelha, 1973. Desse modo, fui publicando os poemas que me pareceram mais conseguidos,mais susceptíveis de se projectarem explicitamente em aspirações colectivas ou de espelharem, com maior expressividade, o modo como ia participando no devir da história.
Alguns anos após o 25 de Abril, viajando por velhos cadernos, apercebi-me da existência de um enorme manancial de versos não publicados, quase sempre por burilar, muitas vezes reflectindo poemas que ficaram nos primeiros passos, eventualmente traduzindo emoções de um matiz mais pessoal. E verifiquei que, independente do seu mérito literário, nalguns casos modesto, mesmo à luz do meu tolerante olhar, eram documentos sugestivos das emoções de um português, então na casa dos vinte anos , ou começo dos trinta, que resistia à ditadura salazarista, em especial no universo das lutas estudantis. No seu todo, são documentos poéticos que reflectem uma atmosfera, em regra menos directos e menos modelados do que os que foram publicados. Sem deixarem de ser poemas , são principalmente documentos que reflectem um testemunho da dolorosa lavra sofrida em Portugal pelos jovens que aqui se não conformavam com o cerco em que os tinham fechado. Por vezes, incluem uma data ou o ano da sua primeira versão, mas pode acontecer que isso não ocorra. Podem ser ligeiramente retocados, mas não modificados. Em regra, serão poemas curtos, quase instantes poéticos, podendo contudo haver algumas excepções.
Vou hoje começar com a difusão de três desses poemas imperfeitos. A escolha de hoje , bem como a que se reflectirá em publicações futuras, não obedecerá a qualquer arrumação temática ou cronológica. Cada poema é independente.
Poemas Imperfeitos - 1. [1966]
As palavras enferrujam,
em sua oculta pousada interior.
Ou foi talvez esta leve morfina
de um calendário sem datas.
Este rio silencioso como um lago sem margens,
dias que parecem não passar.
2.[ 1967]
uma pequena gota de tempo
executa os seus ritos
na manhã cinzenta
melancolia
3. [ 1963 ]
Despe-te, noite!
Fica apenas silenciosa espera do dia,
por cima do nosso sono.
Abandonada pelos sonhos,
completa e frugal, rectilínea,
como a nossa dor de esperar um outro tempo
que não seja de exílio e desespero.
1 comentário:
ler todo o blog, muito bom
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