terça-feira, 20 de abril de 2010

Brasil - à esquerda, um novo candidato


1. Com a relatividade que tem uma identificação política com protagonistas de outros países, encarando eu na sua globalidade como muito positiva a Presidência de Lula no Brasil, sinto-me próximo dos que apoiam a candidata presidencial do PT (Partido dos Trabalhadores) Dilma Roussef, considerada como a sucessora por ele desejada.

No âmbito de uma sumária contextualização da entrevista que abaixo transcrevo, recordo que a direita brasileira tem como candidato principal à Presidência da República, José Serra, actual governador de S. Paulo, em representação do PSDB (Partido da Social-Democracia Brasleira). Além deste partido, integram o núcleo duro desta candidatura o Partido Democrático (nova designação do Partido da Frente Liberal, oriundo do apoio à ditadura) e o PPS ( Partido Popular Socialista, novo nome assumido, já há alguns anos, pelo antigo Partido Comunista Brasileiro de Luís Carlos Prestes ).
Uma antiga Senadora do PT e ex-Ministra num governo de Lula, dissidente desse partido, Marina Silva, concorre sob a égide do PV (Verdes) seu novo partido, também ele com representação no actual Governo. Não é ainda certo que Ciro Gomes, ex-ministro de Lula e seu apoiante, não seja também candidato pelo PSB ( Partido Socialista Brasileiro ).

Ainda durante o primeiro mandato de Lula, uma das tendências mais à esquerda do PT cindiu-se dando origem ao PSOL (Partido Socialismo e Liberdade). A ex-Senadora Heloísa Helena , candidatando-se com o apoio do novo partido nas últimas presidenciais, chegou aos 11% na 1ªvolta. Há poucos dias, o PSOL escolheu para seu candidato às próximas presidenciais Plínio de Arruda Sampaio, recusando assim a via proposta por Heloísa Helena que defendia o apoio do PSOL a Marina Silva.

2. Plínio Soares de Arruda Sampaio nasceu em São Paulo, em 1930.É licenciado em Direito pela Universidade de São Paulo , tendo militado na Juventude Universitária Católica, da qual foi presidente. Em 1962, foi eleito deputado federal pelo Partido Democrata Cristão . Após o golpe de 1964, foi um dos 100 primeiros brasileiros a terem seus direitos políticos cassados por dez anos. Viveu exilado no Chile e nos Estados-Unidos. Regressado ao Brasil, militou no PMDB, pelo qual foi eleito como suplente para o Senado federal em 1978. Viria a sair desse partido para participar na fundação do PT em 1980. Em 1986, foi eleito deputado federal constituinte. Foi ainda vice-líder da bancada do PT em 1987, e substituiu Luís Inácio Lula da Silva na liderança do partido, em 1988. Após ter saído do PT, do qual foi um dos fundadores e histórico dirigente, ingressou no Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). A sua candidatura presidencial recebeu já um expressivo apoio de um vasto leque de personalidades, permitindo-me eu destacar entre muitos: Fábio Konder Comparato, Carlos Nelson Coutinho, Leandro Konder, Chico de Oliveira, Chico Alencar; bem como relevantes figuras internacionais, como é o caso de István Mészáros e de François Chesnais.


Recorde-se que Plínio de Arruda Sampaio é um respeitado expoente intelectual da esquerda católica e um decidido defensor da
Teologia da Libertação. Tem também apoiado com firmeza a reforma agrária, tendo um grande prestígio no seio dos movimentos sociais de trabalhadores sem-terra.

Se eu pudesse votar nessas eleições , provavelmente votaria em Dilma Roussef, mas isso não me impede de considerar do maior interesse a entrevista com Plínio de Arruda Sampaio, da responsabilidade de Sérgio Lírio e difundida pela revista brasileira de grande circulação CartaCapital.


2. Eis o texto da entrevista:

"Após fortes embates internos, Plínio de Arruda Sampaio venceu a disputa com o grupo da ex-senadora Heloísa Helena e foi escolhido candidato à Presidência pelo PSOL. Dissidência do PT, o partido alcançou expressiva votação em 2006 ao apostar em um discurso moralista. Há mais de 60 anos na vida política, Sampaio garante que o tom de sua campanha será outro. “Quero discutir as coisas que importam.”

CartaCapital: Em 2006, Heloísa Helena chegou a 11% de intenção de voto baseada em um discurso udenista.[ Para ajudar a compreender a alusão, julgo que ela se reporta à UDN(União Democrática Nacional) um grande partido de direita que liderou a oposição ao Getúlio Vargas democraticamente regressado ao poder, muito baseada no combate à corrupção; e que tinha como máximo expoente mediático e político Carlos Lacerda, que viria a ser um dos mentores e incentivadores da posterior ditadura militar iniciada em 1964]] Qual vai ser o tom da campanha do PSOL neste ano?

Plínio de Arruda Sampaio: Esse foi um ponto de discussão nas prévias do partido, pois não tenho esse tipo de discurso. E tenho medo de que esse tipo de discurso distorça o problema real do País. Há, sem dúvida, um problema de corrupção e essa corrupção precisa ser denunciada e combatida, mas, na verdade, esse combate não pode obscurecer o confronto principal, a contradição desse regime capitalista selvagem. Peguemos o caso da tragédia no Rio de Janeiro. Se houve corrupção ali, é necessário denunciar, mas o importante é debater a especulação imobiliária, o peso que ela tem no desenvolvimento das cidades. Por que aquela população está lá, mal alojada em favelas, morros? Por falta de uma reforma agrária. Por que há 80 mil imóveis estocados em áreas melhores do Rio de Janeiro para serem alugados durante as Olimpíadas? O objetivo da minha campanha é fazer um diagnóstico real dos problemas do Brasil.

CC: Por que não avançaram as conversas com o PV de Marina Silva?

PAS: O PV é uma proposta ecológica muito limitada. A ideologia dele é “salvar a natureza” e isso escamoteia o verdadeiro debate. O verdadeiro debate é que o capitalismo, enquanto tal, não tem condições de preservar a natureza, pois a solução para o problema teria como consequência limitar o lucro. Tanto é verdade que, apesar de todo o discurso, o ataque à natureza só cresce, não reduz. Para se preservar a natureza é preciso outro tipo de economia, uma economia que não se baseie no lucro infinito, sem limites. Sem uma perspectiva claramente socialista, é impossível preservar.
CC: Como é possível, nas próximas eleições, escapar da polarização PT-PSDB?
PAS: O PT e o PSDB são dois partidos da ordem. A divergência entre eles é menor porque o modelo de desenvolvimento é o mesmo. Vamos fazer outra proposta. Defendemos uma economia muito mais voltada para as necessidades da população, capaz de resolver, por exemplo, o problema da habitação, da educação, da terra. Forçar mesmo a mão na reforma agrária. Nem o (José) Serra nem a Dilma (Rousseff)- farão um discurso real sobre o problema agrário. Ambos vão louvar o agronegócio, a monocultura. E a monocultura e o agronegócio atingem a natureza.

CC: Que avaliação o senhor faz dos oito anos de Lula?

PAS: Há uma realidade que, na superfície, parece tranquila. De certa maneira existe uma melhora em relação ao governo Fernando Henrique, que foi um terror. Mas isso escamoteia a verdade. A educação brasileira está em um nível inacreditavelmente ruim. Outro dia mencionei Getúlio Vargas em uma palestra. Notei que a plateia, cerca de 40 jovens entre 20 e 30 anos, não entendeu bem. Perguntei quem já tinha ouvido falar do Getúlio Vargas. Só quatro levantaram a mão. A saúde vai pelo mesmo caminho. A desnacionalização da nossa indústria é um fato patente. Estamos regredindo ao estágio de uma economia primária, exportadora de quatro produtos: soja, cana-de-açúcar para fazer etanol, carne bovina para não ter colesterol e celulose para fazer papel higiênico. É um absurdo.

CC: O senhor foi um dos autores de um plano engavetado pelo governo Lula de assentar 1 milhão de famílias. É esse o tamanho da reforma agrária necessária?
PAS: A pobreza no campo é um problema do poder. A concentração da terra concede poder a uma capa que domina o camponês. Por isso ele é pobre, miserável. É preciso quebrar esse poder e ele só pode ser quebrado se for criado outro poder para o camponês. Uma reforma agrária precisa ter certo impacto para provocar desequilíbrios em cadeia que permitam à massa camponesa alcançar um mínimo de conforto. A reforma agrária é uma proposta capitalista. Caso me pergunte qual a minha visão do campo, direi que não é essa. Tenta-se reformar o capitalismo porque falta força para erguer outra organização da agricultura. No início, acreditei que o governo Lula tinha força para fazer. Estava equivocado. Era colocar 1 milhão de pessoas na terra em quatro anos. Isso criaria um entusiasmo na população rural. Era o que se pretendia, sobretudo, se fosse realizada de uma maneira estratégica, não jogando pontualmente um assentamento aqui, outro ali. Era preciso se concentrar em pontos focais do território, como aconteceu no noroeste do Paraná. Como lá foi implantado um número grande de assentamentos, os trabalhadores ganharam o poder de eleger prefeitos, vereadores etc.

CC: O presidente Lula não sofreu do mesmo mal da conciliação em excesso?

PAS: Florestan Fernandes dizia que o militante socialista tem três deveres: não se deixar cooptar, não se deixar liquidar e obter vitórias para o povo. Lula deixou-se cooptar. O poder burguês, da ordem, o fascinou. Fui um dos cinco coordenadores da primeira campanha presidencial de Lula, em 1989. Tínhamos um projeto de reforma radical do capitalismo. Em 2002, não. Ele aderiu à ordem. Por que o fez? Não sei. O PT inteiro o fez.

CC: Mesmo assim essa elite não o aceita?

PAS: Ah, bom, pois ele é inconfiável. Para o mundo capitalista, confiável é quem detém capital. E Lula não tem capital. De transfusão de sangue que passou a ser aceito mesmo só conheço o caso de Fernando Henrique Cardoso. Mas esse era filho de general, originário da elite. FHC passou a ser encarado como alguém que teve seus devaneios na juventude, depois criou juízo e seguiu as regras. Lula não. Ele é perigoso por ser um líder popular. Mas, sejamos claros, nem essa burguesia o combate mais com tanta ferocidade. Você é jovem e não viu o que fizeram com João Goulart. Eles estrangularam Jango. Quando eles atacam, Nossa Senhora, é terrível! Eu vivi isso. Atrás, não dá muita colher de chá para ele, mas não ataca. Quando ataca, meu filho, Nossa Senhora, é terrível. Eu vivi isso.

CC: O senhor tinha mais esperanças nos anos 60 ou agora?

PAS: Se não acreditasse no Brasil não seria candidato à Presidência. Tenho enorme convicção das nossas condições de superar as adversidades, de construir uma nação mais justa. Mas acho que o caminho hoje é mais pedregoso. Celso Furtado publicou, em 1992, um livro pequeno de uma lucidez espantosa. Chama-se Brasil, a Construção Interrompida. Naquele tempo, ela estava mesmo interrompida. Veio a empresa de demolição de Fernando Henrique e demoliu o que havia. E Lula terminou o trabalho do antecessor. A construção interrompida virou uma construção destruída.

5 comentários:

OLC disse...

Você é mesmo um grande totó. Leu o Marx num curso nocturno sr professor? rsrsrsrs

OLC disse...

O Garcia Pereira anda a precisar de apoiantes, tente, e não envergonhe os socialistas!

Rui Namorado disse...

Senhor OLC:

Vossa Excelência ou é um crâneo muito acima dos pobres mortais, ou é um imbecil.

Faço votos para que seja a primeira hipótese a verdaeira.

RN

RN disse...

Verdadeira

Ferreira disse...

Acho revigorante o aparecimento de mais um candidato para a esquerda Brasileira. No entanto, quanto ao esperado vencedor, a sabedoria taxística leva-me a colocar todas as minhas expectativas no gelo.

O que a seguir transcrevo foi baseado no que escutei e ouvi como opinião de indivíduos que à partida podem ser considerados como “isentos”, são pessoas com níveis de formação distintos entre si (alguns espantosamente altos), de serem provenientes de círculos sociais diferentes apesar de nenhum pertencer a uma classe “média alta” (senão não estariam a conduzir um táxi)... bom, adiante...

Mas vamos à sabedoria taxística e comecemos pelo senso comum. Dizem eles, então: os impostos são demasiado altos (fala-se em cargas de cerca de 50% para produtos importados, sobre a elevada carga fiscal à facturação das empresas, etc), da corrupção, da inacção da lei, a pobreza, a falta de apoio à terceira idade, a baixa escolarização, escassez dos recursos para quem atinge a idade da reforma, as elevadas taxas de juro praticadas pela banca, etc...

Sobre os candidatos é interessante observar que neste momento parece haver um “empate técnico” que será “decidido ao cabaz” “lá no Norte interior”, onde muitos nem ler sabem, onde a palavra eleições significa uma ajuda de 4 em 4 anos para viver melhor durante uns dias, e votar é em quem o senhor Doutor veio, com fotografias, dizer, (estes exemplos não são meus, mas achei curioso transcrevê-los).

O que dizem sobre o actual presidente: o caminho seguido por Lula e o sucesso demonstrado são apenas fruto das políticas iniciadas pelo anterior PR. Outros disseram que ele assentou o crescimento do país no endividamento interno, que a longo prazo esse modelo nao tem futuro pois implica um custo insuportável para o erário do Estado brasileiro. Houve quem criticasse a falta de aposta na educação como a grande falha deste Presidente. Dizem, quanto a certos programas como o programa de aquisição de habitação própria ou a redução da pobreza, que se trata de publicidade enganosa para subir a cotação do país no exterior. Que o fomento ao consumo (carro, casa, televisão, frigorífico, etc) serve apenas para vender a “alma” do povo à banca que cobra taxas astronómicas aos que menos possibilidades de pagamento têm. Lula, dizem, é o anti-herói, que prega contra o capitalismo mas que assenta as suas políticas no consumismo e recurso à banca pelos privados.

Dilma, disseram-me, é uma mulher com uma carreira política pouco significativa, sem grande obra feita mas que conta com o apoio de um peso pesado como é Lula. Por outro lado, foi também mencionado que ela é a candidata certa pois conhece os cantos à casa e sabe como prosseguir o caminho actual. Dilma, dizia um, "subiu muito rapidamente e muito cedo", colando-se a Serra, o que pode ser comprometedor visto as eleições ainda estarem distantes.

Serra, disse-me outro taxista, é um homem que representa uma direita sem ideias mas que é também o rosto da fractura com o actual governo e com os vícios estabelecidos. “Eu nao gosto do Serra mas também nao quero que a Dilma ganhe, quero renovacao!” ou “Se o Serra ganhar o Brasil vai tremer, porque o Serra, vai mudar todas as políticas do Lula”.

No computo geral todos os taxistas com quem falei mostraram a sua relutância em escolher um vencedor para as próximas eleições, preferindo aguardar com suspense pelos resultados.

Sem querer entrar em contenda com o Dr. Rui Namorado, quis apenas mostrar o ponto de vista de quem vive e trabalha sem uma ligação aos jornais e às televisões...

Quanto ao novo candidato de quem se fala, Plínio de Arruda: independentemente de ter à partida menos hipóteses de alcançar uma vitória que os outros dois candidatos que têm vindo a ser mais badalados (Dilma e Serra), Arruda poderá tornar-se numa variável importante para resultados finais. Onde irá conseguir os seus votos? À esquerda cansada de Lula ou à direita sem confiança em Serra?