terça-feira, 1 de dezembro de 2009

As palavras e os campos


Um descendente do Sr. D. Miguel, fautor da mais prolongada e sangrenta guerra civil por que Portugal já passou, na qual foi derrotado e na sequência da qual lhe foram formalmente retirados todos os direitos de suceder na coroa portuguesa, veio à superfície, na alegada qualidade de sucessor de tão sombria personagem.

Fruindo as liberdades públicas que, e muito bem, a República lhe concede, esse descendente, o Sr. Duarte Pio, arrasou a conjuntura republicana e ergueu com o seu fraco verbo uma estátua imaginária a uma monarquia, que como projecção da alegada aura, nunca existiu.

Teria preferido ter tido notícia de que esse Senhor erguera, alguma vez, a sua voz, quando foi preciso sob o consulado do ”monárquico “ Salazar, antes de 1974, resistir a um poder ditatorial e obscurantista. Não foi isso que aconteceu. Durante todo esse tempo, ele e o seu progenitor, ronronaram mansamente no aconchego da complacência salazarenta.

Diz o referido senhor que o rei, que ele imagina poder ser, estaria, por natureza, acima de todas as tendências políticas. Não sei se é ingenuidade se desfaçatez que, quem ostenta publica e repetidamente uma posição ideológica que o situa dentro da direita mais reaccionária, pretenda exprimir desse modo a sua “pairância” por sobre as ideologias políticas de todos os portugueses. Sei que objectivamente estamos perante uma grosseira mistificação. Seria como se a uma tendência política, fracamente presente nas preferencias dos portugueses, fosse dado o prémio anti-democrático de lhe ser concedida uma vitória repetida, num rosário de eleições que a dispensariam de enfrentar.

Mas, na página de internet do periódico que o acolheu, há pelo menos uma boa notícia a seu respeito: ele é engenheiro agrónomo. Talvez, por erro meu, isto não seja uma notícia a não ser para mim próprio. Mas a verdade é que eu fazia fé num amigo meu que foi colega do Sr. Duarte Pio na Faculdade e que sempre me garantiu que o referido senhor apenas conseguira fazer a custo uma cadeira, concedida aliás por um professor que era monárquico dos quatro costados.

Vejo agora que apenas o equívoco desse meu amigo, ou o seu hipotético sectarismo republicano, conduziram a essa minha desinformação. A não ser que esse meu amigo estivesse certo, tendo afinal nós pela a frente, um exemplo feliz do programa das novas oportunidades, à sombra do qual o descendente do Sr. D. Miguel realizou o sonho da sua vida, ser um verdadeiro engenheiro agrónomo. Ou ainda, hipótese improvável, termos pela frente uma manifestação ilustrativa da grande aceleração e simplificação dos percursos universitários tão brilhantemente conseguida pelo manhoso Processo de Bolonha.

Seja como for, ou apenas subjectivamente ou mesmo objectivamente, eis uma boa notícia. É que , seguramente, o Sr. Duarte Pio poderá ser muito mais útil ao nosso país como engenheiro agrónomo do que como ocioso pretendente a um trono que deixou de existir, quando o seu antepassado D. Miguel perdeu a guerra civil contra os liberais.

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