sábado, 4 de abril de 2009

A Drª Verdades Ferreira Leite



A Dama de Cinza é uma mulher de convicções: o que ela pensa é a verdade. O que for pensado de diferente é a mentira. Daí que, para ela, a luta política seja um combate entre os paladinos da verdade ( o seu séquito) e os mentirosos ( os seus adversários).

É por isso que a sua célebre “gaffe” dos seis meses de intervalo ditatorial, como remédio para as mazelas do nosso rectângulo, não o foi realmente. De facto, não foi uma “gaffe”, foi um desejo, ditado pela sua profunda convicção de que a única verdade limpa e inteira é a sua. Por isso, bem no seu íntimo, meter na ordem os “mentirosos”, durante seis meses, não seria um atropelo à democracia, seria um sobressalto de justiça, a favor da sua verdade, que permitiria, aliás, lançar no abismo do esquecimento as perniciosas ideias dos “mentirosos”. Generoso desígnio!

E como a sua “verdadezinha” neoliberal tem vindo a ser pulverizada pela “mentirosa” realidade, a Dama de Cinza tem-se acendido numa exacerbação de fúria, tonitroando ferozmente contra os seus adversários, com palavras que cada vez mais gostariam de ser balas.
Com a questão da segurança social, a Senhora efervesceu de vez. Tricotara o PSD pacientemente uma teia, que deixasse ao Estado o ónus dos possíveis prejuízos e aos suados capitalistas, donos das seguradoras, o sacrifício de auferirem lucros fáceis, quando, inopinadamente, veio a crise, essa “mentirosa” contumaz, perversa devastadora de tão “boas” ideias, deixar insuportavelmente a nu a natureza íntima da proposta laranja. E os augustos cérebros de tão denodada proposta sentiram-se como os meninos traquinas que são apanhados a pilhar rebuçados. Mas, a Dama não se deixou impressionar. Foi directa e decidida: "Essa verdade é mentira!"

Mas o rilhar de dentes foi ainda mais raivoso. Se a Dama de Cinza tivesse o poder de transformar o governo de Sócrates e o próprio PS, em estátuas de sal, certamente que a teríamos visto, num gesto rápido, lançar a impiedosa maldição. Mas não pode: apenas pode desferir frases de chicote, erguendo-se como maldição contra uma “mentira” tão real, como o fantasma cansado do neoliberalismo perdido.

Vai daí, sai mais uma campanha da cartola da propaganda que se tem esfalfado sem êxito, para a fazer subir nas sondagens. E, ó milagre da criatividade política e do pensamento laranja, qual vai ser o eixo da campanha ? Adivinhem. Isso mesmo: a verdade. Uma verdade entaremelada e pesadona, repetitiva e trivial, esparramada em cartazes de parede ou ostentada nas ruas como um ruído ansioso.

Há, no entanto, um pequeno problema suplementar que pode somar-se perigosamente a algumas das pequenas dificuldades, acima sugeridas. É que a Senhora Drª Verdades Ferreira Leite (é justo chamá-la assim), vai iniciar esta nova cruzada conta a “mentira”, sob a bandeira de um partido político, que tem no seu código genético uma mentira fundadora.

De facto, à luz dos critérios por que se regem os alinhamentos internacionais das famílias políticas, entre si diferenciadas, o Partido Social-Democrata não é um partido social-democrata. E, sublinhe-se, eu não estou aqui a pretender ser eco de um qualquer rigorismo ideológico que pudesse, por exemplo, sustentar que o PS não é verdadeiramente socialista, que o PCP não é verdadeiramente comunista, que o Bloco de Esquerda nem sempre é de esquerda e que o CDS/PP está bem longe de ser democrata cristão. É certo que dificilmente se pode sustentar que o PSD português seja ideologicamente social-democrata, mas não é disso que se trata aqui. A questão é outra; e é esta diferença que é objectivamente significativa.
O PSD português pediu a adesão e foi admitido no Partido Popular Europeu, que claramente nada tem a ver a social-democracia, mas nem por isso achou necessário mudar de designação internamente. Aliás, todos os partidos europeus que usam a designação de sociais-democratas estão integrados no Partido Socialista Europeu.

Portanto, do que se trata não é de discutir a natureza politico-ideológica de um partido. Trata-se de uma mentira, esta sim real: O PSD português, quando se integrou, por vontade própria, numa família política que não era a que abrangia os sociais-democratas, assumiu que já o não era, mas não quis adequar a sua designação nacional, à sua efectiva identidade europeia, uma identidade que expressamente assumiu.

Por isso, se pode dizer que, do ponto de vista da transparência politico-ideológica, o PSD, enquanto não adequar a sua designação nacional ao nome da família política europeia a que pertence, é uma verdadeira”mentira” ambulante.

Assim, a Drª Verdades Ferreira Leite, se quiser fazer jus ao seu novo nome, conquistado aliás com toda a justiça, tem que começar por promover a mudança de nome do PSD. Se não for esse o caso, podemos ser levados a pensar que, também aqui, o que mais se grita como nosso é aquilo de que se sente mais falta.

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