quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Democracia e poder judicial


Quem aposta na judicialização da política, acabará por conseguir a politização da justiça.

E quando esta for evidente, pressupondo-se a continuidade da democracia, os cidadãos hão-de perguntar-se a que título alguém aplica a justiça em nome do povo , sem ter passado pela sua escolha.

É que, como diz a Constituição, e é ela o único título de legitimidade jurídica de todos eles:"Os tribunais são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo". E a Constituição diz também que: "Os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei".
Reparem: a independência dos tribunais, está limitada pela sua expressa sujeição à lei. E a lei é feita pelo legislador. O legislador dominante é a Assembleia da República, estando os seus membros obrigados a cumprir as leis que eles próprios fizeram e submetendo-se os seus membros periodicamente ao juízo de mérito dos eleitores. A competência legislativa do Governo resulta do mandato revogável a todo o tempo que para isso recebeu da Assembleia da República.

O Presidente da República, ele próprio também eleito pelo povo, pode suscitar a renovação do Governo pela Assembleia da República , mas não pode invadir as suas competências, nomeadamente, não pode fazer qualquer lei. Pode , em casos muito limitados, dissolver a Assembleia para dar ao povo a possibilidade de a renovar, mas não pode exercer, por si próprio, as competências da Assembleia.

E os tribunais podem escrutinar e avaliar o mérito das leis ? Em geral, não podem. Pode um deles, o Tribunal Constitucional, pronunciar-se sobre o respeito da Constituição pelas outras leis, mas não lhe cabe avaliar o mérito dessas leis ou da Constituição. E aos outros tribunais nem essa pequena fatia de avaliação das leis , em última instância, lhes compete.

E podem os ocupantes circunstanciais dos tribunais, os juízes, assumindo essa qualidade e com base nela, pronunciarem-se publicamente sobre o mérito das leis ? Não podem, sob pena de estarem a subverter, como se pode ver pela citação que fiz, a própria CRP. De facto, não podem escolher na Constituição a parte que os institui como órgão de soberania e esquecer as autolimitações constitucionais que a isso correspondem.

Por isso, os juízes devem compreender que se deixam resvalar o seu protagonismo para esfera pública, envolvendo-se no debate político, serão mais cedo ou mais tarde confrontados, com a incomodidade crescente dos cidadãos, cada vez menos dispostos a aceitar que administre justiça em seu nome quem não tenha sido democraticamente escolhido por eles para isso. O canudo obtido numa Faculdade de Direito e a passagem por um centro especializado de formação profissional, não são suficientes para dispensarem o voto popular.

É por isso que, quanto mais os juízes se intrometem no espaço mediático numa ostentação de protagonismo, mais minam os alicerces da sua credibilidade estrutural, mais abrem a porta ao questionamento da legitimidade democrática dos poderes que exercem.

Quanto aos magistrados do Ministério Público, o caso é ainda mais nítido. Cabe-lhes, no essencial,nos termos da Constituição, "participar na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania". Carecem por isso, enquanto magistrados do MP, de qualquer legitimidade para escrutinarem o mérito dessa política criminal. Participam na sua execução, mas não partilham a responsabilidade pela sua definição.

Por isso, aqueles que do interior do MP encaram a sua autonomia em termos absolutos, devem dizer-nos a que tipo de escolha popular pretendem ser submetidos. Ou acharão que devem ser por completo independentes do poder político, dispensando também qualquer legitimação eleitoral que torne democraticamente aceitável essa pretendida independência?
Que fique claro, uma vez mais : um canudo dado por uma Faculdade de Direito e um curso especializado de formação profissional, por si sós, não são bases legítimas suficientes para o exercício de poderes de Estado autónomos, se de facto vivermos numa democracia.

1 comentário:

Anónimo disse...

Inteiramente de acordo. Grande parte dos juízes são muito ciosos da sua independência, invocando o princípio da separação de poderes. Mas, para eles, esse princípio só funciona unilateralmente a favor deles próprios, pois não se coibem de interferir constantemente na esfera dos outros poderes, tanto
do legislativo como do executivo, denegrindo violentamente as leis e os actos que estes - eles sim legitimamente mandatados pelo povo - fazem no legítimo exercício dos seus poderes constitucionais. Os sindicatos de magistrados - aliás de duvidosa legitimidade - não fazem outra coisa.
Mais lhes valia estar caladinhos, senão os cidadãos - como RN neste post - poderão começar a interrogar-se: mas por que raio de diabos é que estes senhores administram justiça em nome do povo pelo simples facto de serem licenciados em direito e terem frequentado uma espécie de "madrassa" chamada CEJ?
E ainda por cima se fartam de protestar pelo facto de o actual Governo ter nomeado directora desse CEJ uma Ilustríssima Professora Universitária e não um juiz! No seu entender, eles acham que têm o direito de pura e simplesmente se cooptarem!