sexta-feira, 30 de novembro de 2007

O PS em Coimbra - entrevista a Luís Marinho



Tem-se agravado a irrelevância do PS de Coimbra, quer no contexto do distrito, quer no quadro do PS como organização nacional. A sua credibilidade política reduziu-se, parecendo ter atingido níveis preocupantes. Aproximam-se de novo eleições internas. Na última pugna, houve uma candidatura liderada pelo Luís Marinho que apresentou um balanço crítico do primeiro mandato de Vítor Baptista à frente da Federação, tendo protagonizado uma alternativa ao caminho até então seguido.
O que aconteceu desde então, mostra que os vencidos de há dois anos estavam certos, quando puseram em causa o acerto desse caminho e ao fazerem um prognóstico muito negativo sobre o que aconteceria se a maioria conseguisse manter a liderança.
Por isso e pelo seu conteúdo, tem o maior interesse a entrevista feita a Luís Marinho, pelo jornalista Rui Avelar e publicada ontem no “ Campeão das Províncias”, da qual com a devida vénia nos permitimos transcrever os aspectos mais significativos.


Campeão das ProvínciasO estado das coisas no PS/Coimbra está a mobilizá-lo para se (re)candidatar à presidência da Federação? Porquê?

Luís Marinho – O “estado das coisas” não me afecta particularmente (a mim). Atravessa hoje o distrito uma onda de mal-estar e desconforto, fundada na consciência ética dos socialistas, a qual desencadeará, certamente, uma mudança. O PS/Coimbra já viveu melhores dias e eu não sou imune a esse sentimento generalizado de angústia e desalento. Impõe-se uma ruptura, que nos devolva o orgulho da pertinência ao Partido Socialista e o bem-estar da militância. Sou um dos que estão nessa dinâmica recuperadora, disposto a assumir as responsabilidades que a vontade de muitos e a minha consciência me impuserem. De resto, o PS não me mobiliza de agora. Mobiliza-me há mais de 30 anos…

CP – Disse, há ano e meio, que “o confronto de ideias (...) está enredado numa teia de fidelidades clientelares, de cumplicidades e troca de favores que anula, quase por completo, a fecundidade política do colectivo partidário”. Qual a origem desta situação e que caminho preconiza para operar a ruptura sugerida?

LM – Disse-o, mas nem todos me acreditaram. Infelizmente. Hoje, não tiraria uma vírgula ao que foi dito. A situação que ora se vive é o resultado dessa maleita que sintomaticamente diagnostiquei nessa frase. E a que ninguém quis pôr cobro. Ninguém, na larga maioria política de que dispõe a direcção distrital teve uma palavra, um gesto, para cortar as amarras de uma rede que hoje não é uma figura de retórica, mas uma realidade que a todos nos enrodilha. Mesmo os que sorrateiramente saíram da maioria para dinamizarem uma crítica surda, nunca antes, ou mesmo hoje, levantaram a voz contra as práticas de diluição entre os interesses privados e a função de serviço público que atravessou o PS. Foi nessa tolerância e nesse silêncio que esteve o erro. Que aumenta sempre, à medida das cumplicidades desculpabilizantes, que tornam politicamente impunes os actos e irresponsáveis políticos os seus agentes. Aí não estou, nem estive nunca. Fui a primeira pessoa, no PS/Coimbra, a afirmar politicamente que negócios não se misturam com a política. Até já me disseram que a minha afirmação de então me fez perder o Congresso…
Como se opera a ruptura? Pela exigência de declarações de interesses, públicas, publicadas e registadas a quem exerce funções de decisão política. Chegou o tempo de eliminar a desconfiança popular que acompanha os mandatos políticos. Podem errar, certamente, mas há muita gente honesta e limpa na vida política, e, no PS, as excepções conhecidas só confirmam a regra, um partido de gente séria!

CP – Também afirmou ser necessário que, no PS/Coimbra, se faça “política, transparentemente, e nada mais do que política”…

LM – Quem quiser fazer comércio, ser empresário ou gestor de interesses abre uma loja, monta uma empresa ou um gabinete de consultoria. Uma ficha partidária não é alvará para nenhum desses negócios privados.

CP – Que falta acontecer para se assumir como candidato?

LM – Falta-me saber se a crise não se esgota num protesto, num desalento ou até numa desistência, tudo fugas à realidade sem sentido construtivo. Falta-me saber se da emoção se passa a acção, se os militantes querem participar num esforço de mudança ou já não acreditam e se resignaram. Mas não só. Falta-me saber, também, se uns certos que criticam a direcção da Federação só o fazem por frustração face a promessas não cumpridas de lugares e outros meios de promoção social. Esses só aspiram a uma mudança de pessoal que lhes volte a prometer o que o anterior falhou, porque acreditam que a nova aposta tem os meios do Estado à disposição para os satisfazer. Sinceramente, não se faz uma alternativa com angustiados, nem vale a pena lutar por quem tão levianamente muda de santo, mas não de devoção…
Se me convencer, porém, que o descontentamento é sinónimo de determinação e que a frustração é o patamar da energia, assumir-me-ei, no momento oportuno, como candidato para ganhar sem nenhum receio de perder. Assim, o meu esforço é compensado pela razão. Será uma luta de causas, com vitória certa no futuro.

CP – Caso se perfile para a liderança distrital do PS/Coimbra, qual o seu projecto?

LM – Será um projecto de mudança, no respeito por todos. De ruptura quanto às fragilidades éticas, de combate às perversões aparelhísticas e antidemocráticas, de inovação quanto aos conteúdos programáticos e de renovação quanto aos protagonistas políticos. Ao fim e ao cabo, um instrumento eficaz para ajudar o PS nas lutas que vai travar nos próximos meses e anos contra a Direita e os que se dizem à nossa Esquerda. Não é com um PS comprometido, mole, que acredita mais no aparelho do que nos cidadãos, que venceremos os próximos desafios. Em concreto, será um programa que já está em elaboração e que será sufragado pelos militantes que nele queiram depositar contributo e o assumam, individualmente, como seu. Será um programa multilateral e multifacetado nas ideias e nas participações que executarei, escolhendo os melhores do nosso distrito, sem descriminações.

CP – É expectável o aparecimento de duas candidaturas – a de Victor Baptista (para terceiro mandato) e a de Mário Ruivo. Ainda assim, vislumbra espaço para protagonizar uma?

LM – O que separa Victor Baptista de Mário Ruivo é o desamor entre o criador e a criatura. O primeiro sente-se ferido com o segundo a quem estendeu a passadeira para as suas ambições de hoje, perante a surdina de críticas pessoais, de quem lhe quer tirar o lugar. Acresce que o segundo invoca hipotéticos apoios da mais alta instância do PS, que o primeiro não pode admitir, face à sua história, de fidelidade a José Sócrates. Mas do ponto de vista programático e da concepção do partido, não há diferenças entre eles, repetindo os expedientes e os discursos que levaram o PS ao estado em que está.
Por isso, uma alternativa de mudança tem todo o imenso espaço que é necessário para remoralizar, reconstruir e reconciliar o PS de Coimbra. Sem o que não há vitórias políticas, à vista, sobre os nossos adversários.

CP – Em 2006, Luís Marinho propunha-se “fechar a página triste de um consulado autoritário” na Federação. Há razão para manter o desígnio?

LM – Em parte. Se Victor Baptista fosse tão autoritário e determinado face a Luís Vilar como foi contra mim até eu teria de me calar e não dar esta entrevista…”


As próximas eleições internas no PS de Coimbra podem ser decisivas. Como em todos os momentos cruciais, é enorme a diferença entre prosseguir-se o caminho que tem vindo a ser trilhado ou mudar-se de rumo. De facto, chegou-se a um ponto em que o cansaço dos militantes e a frustração dos eleitores podem aproximar-se do ponto de ruptura, correndo o PS o risco de ficar longe dos níveis de apoio social e eleitoral que lhe deram consistência histórica e perenidade.

Este não é, por isso, um tempo em que se possa transigir com a sombra das pequenas ambições, com o cuidado pelas pequenas carreiras, nem com o oculto comércio de ameaças e favores, que degradam a vida política e apoucam as organizações que com ele se conformam. É um tempo que tem que ser de liberdade e de responsabilidade, para quem tenha o direito de escolher. E, muito particularmente, para os que se não conformaram, tendo já antes enfrentado a actual maioria, para os que, estando já então inscritos no PS, não votaram, para os que, tendo apoiado a actual maioria, mudaram realmente de opinião.

No horizonte perfila-se uma luta política dura, exigente e decisiva. Por isso, é compreensível que se queira ver a liderá-la alguém que já tenha dado provas de coragem política e determinação, no confronto com a actual maioria na Federação de Coimbra do PS. Alguém que possa com naturalidade significar objectivamente um tipo de liderança e um protagonismo diferentes, alguém que, quando outros se encolheram temerosos ou conformados, aceitou liderar a resistência.

Pelo contrário, não se compreenderia que aqueles que já antes se dispuseram a enfrentar o poder instituído na Federação, aceitem agora ser reduzidos a uma massa de votos politicamente vazia, com o simples objectivo de servirem de combustível para ambições políticas de um qualquer suave dissidente de última hora. Um suave dissidente que levou anos a descobrir que Vítor Baptista não servia para Presidente da Federação; ou, o que seria pior, sempre tenha tido sobre ele essa opinião, não a tendo deixado transparecer, por conveniência ou pusilanimidade, ao longo de vários anos.
O PS, muito especialmente em Coimbra, precisa de uma luta política de ideias e não de uma esgrima entre fulanismos; precisa de oferecer ao sufrágio dos militantes alternativas claras e frontais e não do empastelamento de cálculos e intrigas.

Sem comentários: