sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Itália: O Partido Democrático em seu labirinto



Está a nascer na Itália um partido político que é, em si próprio, uma novidade: o Partido Democrático.

Mas se é uma novidade, quanto ao processo que o fez nascer e até quanto ao modo como parece ir funcionar, vai por um caminho que nada tem de novo no que diz respeito à linha e ao posicionamento políticos.


Seria estulto fazer previsões de médio prazo, vaticinar antecipadamente desgraças ou êxitos. Seria precipitado prospectivar os seus reflexos na União Europeia, ou na esquerda europeia, em particular. Mas pode ser esclarecedor, respigar memórias e sistematizar dados de facto.


O PD é fruto de um processo radicado na decisão política dos dois maiores partidos da actual Coligação de Esquerda que governa a Itália, ao aceitarem dissolver-se no novo sujeito político. Mas essa decisão foi apenas o ponto de partida para um processo aberto, cujo momento alto foi a eleição de um leader para o novo partido num plebiscito nacional, onde votaram milhões de italianos. Nesse sentido, o PD é bem mais do que a soma desses dois partidos. Walter Veltroni foi de muito longe o candidato mais votado, rondando os 75% de votos expressos. Actual presidente da Câmara de Roma, era um dos principais expoentes dos DS ( democratas de esquerda) com os quais convergiram no PD os democratas-cristãos de esquerda congregados num partido conhecido como " Margherita", numa alusão ao seu emblema, centrado nessa flor.

Deve no entanto dizer-se que ficaram fora do PD diversos partidos da Coligação, a começar pelas duas tendências minoritárias dentro dos DS, que em conjunto corresponderam a 22% dos delegados presentes no Congresso em que os DS resolveram dissolver-se, para darem origem ao PD. Desses, 15% são liderados pelo actual Ministro das Universidades, Fábio Mussi; e 7% pelo Senador , Gavino Angius.
Mas ficaram também fora do PD,diversas forças políticas de menor expressão, tais como,os Verdes, a Itália dos Valores (do ex-juiz Di Pietro), os Radicais, os liberais de esquerda, os cristãos-democratas da UDC e os pequenos grupos do velho PSI, que alinhavam com a Coligação. E claro, ficaram também de fora os dois Partidos Comunistas (a Refundação Comunista o Partido dos Comunistas Italianos), ambos membros da Coligação no poder.


O PD tem sido cotado, nas sondagens mais optimistas, como podendo atingir os 29%, num momento em que a popularidade do Governo Prodi parece fraca. Alguns analistas defendem que ele pode ter uma margem de crescimento até aos 35% e o seu leader assumiu recentemente a possibilidade de atingir os 40%. Mas em concreto, nas sondagens até hoje realizadas, nunca chegou aos 30%, o que significa que pouco mais vale do que a soma dos dois partidos que mais concorreram para a sua criação ( DS e "Margherita").


Com esta força eleitoral, o PD está posto perante a necessidade de assumir uma política de alianças, para poder ser Governo. E aí são já claras duas sensibilidades: a dos que defendem uma continuidade da política de alianças à esquerda; e a dos que defendem uma abertura ao centro que, diga-se em abono da verdade, é, por enquanto, mais virtual do que real, já que, fora da Coligação de Esquerda actualmente existente, a oposição de direita está também, toda ela coligada, na "Casa das Liberdades". Entre ambas, há apenas alguns resíduos políticos inexpressivos.


Por outro lado, o novo PD nasce com uma ambiguidade genética que lhe pode trazer dificuldades. De facto, durante o processo até agora decorrido, não ficou clara qual a família política internacional e, desde logo, europeia, onde se pretende situar. Uma parte entende que ele só pode integrar-se no Partido Socialista Europeu, do qual aliás faziam parte os DS; mas nos sectores oriundos da democracia-cristã, sustenta-se que, no plano europeu, o PD só pode criar um grupo autónomo exterior ao Grupo Socialista. Não é um problema menor, tendo sido uma das causas que levou à recusa do PD, por parte de significativos sectores dos antigos DS.


O nascimento do PD parece ter frustrado um outro projecto há muito sugerido, em surdina: a reunificação dos democratas-cristãos oriundos quer da direita, quer da esquerda, quer dos tais resíduos centristas, de modo a procurar o protagonismo que a democracia-cristã italiana já teve.

Em contrapartida, parece ter encorajado uma dinâmica simétrica na direita italiana com o partido de Berlusconi ( Forza Itália) a assumir-se como eixo da criação de um grande partido de direita que faça frene ao PD.


Mas as dinâmicas de convergência no âmbito da esquerda italiana não se limitam ao PD. De facto, os dois partidos comunistas e a facção dissidentes dos DS, liderada por Fábio Mussi ( Sinistra Democratica), estão a preparar formas de cooperação permanente que podem levar a um processo de federação que origine um novo sujeito político. No plano parlamentar, essa cooperação é já uma realidade.


Com uma dimensão mais reduzida, mas com uma margem de crescimento maior, está o processo de reconstituição do do Partido Socialista Italiano, no qual se integraram já todas as facções significativas que haviam resultado da fragmentação do PSI, aquando da operação "Mãos Limpas". O novo partido assume-se como continuador do PSI, cuja expressão eleitoral nos seus últimos anos não excedia muito os 10%, mas não se reduz a aos seus antigos membros, como se pode ver pelo facto da e a dissidência dos DS, liderada por Gavinio Angius se ter associado ao processo. Ao contrário do PD, o novo PSI assume-se como membros do Partido Socialista Europeu, abrindo assim um foco de pressão acrescida contra a indefinição internacional do PD. Diga-se aliás que também a Sinistra Democratica de Fábio Mussi se assume como parte do Partido Socialista Europeu.


Como se vê, o cenário político italiano está longe de ser linear. Para além deste complicado xadrez da recomposição política, pesa a fragilidade do actual governo, com risco de queda e de eleições antecipadas, com esta ou outra lei eleitoral. Está por determinar como se repercutirá no plano sindical toda esta recomposição, sendo certo que tem havido alguma crispação entre alguns sectores sindicais relevantes e o actual governo, com o qual , naturalmente, se identifica muito o PD. Falta analisar o factor Igreja, em Itália particularmente relevante, o que exigiria um outro texto .


Num relance perpectivador, pode olhar-se para o PD como desenlace longínquo da linha do compromisso histórico assumida, em plena guerra fria, pelo velho Partido Comunista Italiano e dirigido à Democracia-Cristã, talvez para curto-circuitar o velho PSI, bem como todo o pólo republicano laico de que ele era a força agregadora. O PCI transformou-se em PDS, depois em DS, para agora desaparecer no Partido Democrático. Saiu do movimento comunista rumo à Internacional Socialista, parecendo agora sentir-se pouco confortavelmente dentro dela. O desaparecido PSI ameaça reemergir e à esquerda do PD há um pólo de que pode ganhar consistência.


Será que o PD verá as suas limitações compensadas e corrigidas pelo sopro saudável da sua democraticidade e da sua inovação? Ou limitar-se-á a ser um cartel de sensibilidades moderadas com força eleitoral para contar institucionalmente , mas sem vigor para levar a Itália para novos horizontes? Os dados estão lançados. Quem ganhará o jogo?


2 comentários:

Anónimo disse...

Trancrevo o comentário de um amigo italiano e dirigente sindical "...Certo Joao che concordo con quanto scritto. Il problema per me è uno ma importante perchè il partito Democratico non fa parte del PSE? Io sono e sarò sempre socialista quindi non aderire al PSE mi da molto fastidio. Sto pensando seriamente di iscrivermi di nuovo al partito Socialista.
Joao un grande abbraccio da tutti noi.
Ass: Angelo Di Cristo
JR

Anónimo disse...

Esta hesitação do Partido Democrático é um sinal da sua ambiguidade genética.

Mas é talvez também um reflexo da hipocrisia intelectual de alguns dos expoentes da ala moderada do socialismo europeu: como desisitiram de ser fieis ao partido que represntam, em vez de arrepiarem caminho, mudam o nome do partido.