Em Coimbra, navegações
políticas
1.Coimbra não é um absoluto a-histórico sobre o qual possam recair utilmente todas as imaginações. Não é um espaço mágico imune aos problemas e aos sofrimentos do mundo e do país. Mas é suscetível de ser valorizada pelas imaginações que em cada circunstância possa acolher como benefícios. Pode ser valorizada por decisões municipais, nacionais, europeias ou internacionais. Há decisões que podem ser tomadas utilmente em cada um destes planos e há decisões, cuja viabilidade depende da conjugação de vontades oriundas de dois ou mais de entre eles. Mas não há decisões que caibam a uma nuvem de distintas entidades ou que possam ser tomadas indiferentemente por várias delas.
Numa
campanha eleitoral autárquica é, por isso, importante que a avaliação de cada
mandato e das propostas apresentadas seja encarada tendo em conta as reais atribuições
das autarquias ou a possibilidade da sua cooperação com outras entidades,
quando legalmente admitida. Aliás, os municípios, estando naturalmente
subordinados à lei, serão sancionados se agirem fora dela.
Um
outro plano é o que envolve a pressão que as autoridades municipais possam fazer
sobre as instâncias nacionais, europeias ou internacionais para, no quadro das
respetivas competências, tomarem decisões que beneficiem Coimbra. O resultado
dessa pressão persuasiva depende muito menos de quem a faz do que dos seus
destinatários
Misturar
todos os planos mencionado,
responsabilizando o poder autárquico pelo que se passa em todos eles é, não só
um fator de confusão, mas também uma imputação injusta.
Pode
ainda ser legalmente admissível uma cooperação institucional, envolvendo não só
um município como outras entidades, no quadro de uma parceria contratualizada. Neste
caso, cada autarquia tem sobre a matéria em causa uma responsabilidade
partilhada com as entidades com quem contratou. E se cada autarquia é
naturalmente responsável pelos resultados do exercício dos seus poderes, já não
o pode ser quanto aos resultados inscritos em esferas de competência alheias,
mesmo que eles se reflitam no território municipal.
2. Lembrar tudo isto ajuda-nos a avaliar e compreender melhor o que valem e significam as críticas e as promessas feitas no decurso de uma campanha eleitoral autárquica. Nesta medida, vale a pena lembrar que uma grande parte das críticas feitas à atual liderança do PS na Câmara de Coimbra, protagonizada por Manuel Machado, enferma de uma nítida confusão quanto ao âmbito das competências municipais.
Nas
hipóteses mais benignas, é alegada insuficiência do protagonismo municipal na pressão
sobre outras instâncias, como se a decisão destas últimas fosse um resultado
automático da simples pressão sobre elas exercida pelo município de Coimbra. Na
pior hipótese, é acusada a autarquia por omissões ou ações que apenas podem ser
imputadas a outras entidades.
Todo
esse ruído produzido pelas oposições à atual maioria camarária é, na maior
parte dos casos, pouco mais do que propaganda. Propaganda eventualmente
destinada a disfarçar a falta de propostas verdadeiramente integráveis numa
visão futurante de Coimbra. Uma visão que dê centralidade ao município de
Coimbra como parcela relevante do desenvolvimento nacional e que valorize realmente
a qualidade de vida das pessoas concretas que aqui vivem.
3.
Neste contexto, vale a pena comentar um dos aspetos que caracterizam a oposição
de direita protagonizada, quer por “Mais Coimbra” (os partidos da troika), quer por “Somos Coimbra” (a
direita dissimulada). Refiro-me à obsessão quantitavista e numerológica,
envolvida na imputação à atual liderança municipal das várias desgraças que
essa visão segrega.
São
desgraças centradas no ranking
demográfico nacional, no qual Coimbra estaria mal situada. Desgraças imaginárias
que se invocam como se fosse esse o critério absoluto de aferição quanto à
qualidade de vida dos habitantes de Coimbra. Ora, nem a qualidade de vida de
quem vive em Coimbra depende do número de habitantes que aqui residam, nem os
vários fatores de atratividade de que beneficie dependem de um hipotético
“ranking” demográfico.
Haverá
alguém que decida visitar ou ir viver para uma cidade, neste ou num outro país,
por causa do lugar que ela ocupe no “ranking” populacional do respetivo país? A
qualidade de vida dos cidadãos que vivem num município depende, do modo como se
organizem entre si e dos recursos de que disponham, não do seu número. O
aumento do número de habitantes não é em si um fator objetivamente
qualificante, mas se aumentar exponencialmente pode tornar-se num elemento
negativo. Basta olharmos para a qualidade de vida nas grandes metrópoles
mundiais para vermos isso.
É
certo que a densidade demográfica à escala de um país ou de uma cidade não é
uma problemática inócua, mas não é única nem decisiva. E, seguramente, que não depende
nem exclusiva nem principalmente de políticas autárquicas.
Seja
como for, esta questão deve ser olhada à luz da dimensão e da densidade e
evolução demográficas de Portugal, à luz da identidade humana e simbólica de
Coimbra e à luz de uma imaginação de futuro que se não conforme com a incompletude
da sociedade presente. Se assim fizermos, insisto, facilmente perceberemos que
a valorização de Coimbra não tem como questão central a sua evolução
demográfica, especialmente se tivermos apenas em conta os seus aspetos
quantitativos globais.
Do
mesmo modo, não faz qualquer sentido seguir o economês neoliberal que aponta
como grande desígnio municipal uma tosca miniatura das medidas inscritas no
modelo que afundou o país. Aliás, é verdadeiramente estranha a preocupação
afixada quanto aos mais desfavorecidos, quanto aos injustiçados e excluídos,
pelos que nesta campanha ostentam as cores dos partidos “troikistas”.
Por
um lado, defendem um modelo de sociedade que gera excluídos, por outro,
prometem preocupar-se muito com eles. Defendem um modelo de sociedade e uma
linha política que gera desemprego e degrada a condição social dos
trabalhadores, mas afixam como grande desígnio a luta contra o desemprego. Um
desígnio, aliás, quanto ao qual todos sabemos que o papel direto das autarquias
é claramente menor.
4. Genericamente,
para além desta confusão estrutural que inquina grande parte dos programas
autárquicos das oposições, há algumas observações que devem ser feitas. Desde
logo, eles ignoram quase por completo o funcionamento quotidiano da autarquia, as
questões que a envolvem no plano administrativo, relacional e financeiro. E
assim mostram que, quanto ao funcionamento quotidiano das estruturas municipais,
ou não encontram razões para crítica, ou não conhecem suficientenmente a
realidade para poderem opinar sobre ela, ou nem se apercebem da importância
desse aspeto da vida do município.
Muitas
vezes, fica claro no que dizem desconhecerem o detalhe da vida da autarquia,
uma vez que propõem como novidades iniciativas que já estão em marcha, sugerem
caminhos que já estão a ser percorridos ou apontam para a necessidade de serem lançadas
parcerias que afinal já estão instituídas. Quando seria demasiado chocante esse
tipo de equívoco, ficam-se modestamente pelo reparo quantitativo, dizendo que
se devia fazer mais. Dizem, mas não dizem quanto, como, nem dão sinais de que
seriam capazes de pôr em prática a aceleração que propõem.
Mas
tal como atrás alvitrei, um dos aspetos mais mistificatórios das campanhas das
oposições está no facto de fazerem propostas e fixar objetivos que transcendem claramente
a esfera de competências de um município. Quase se podia aplicar, ao essencial
das propostas feitas pelas oposições ao PS nesta campanha autárquica, uma
observação crítica que fez história a outro propósito: as coisas novas não são
boas e as coisas boas não são novas.
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