quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Em Coimbra, navegações políticas


 
 


Em Coimbra, navegações políticas


1.Coimbra não é um absoluto a-histórico sobre o qual possam recair utilmente todas as imaginações. Não é um espaço mágico imune aos problemas e aos sofrimentos do mundo e do país. Mas é suscetível de ser valorizada pelas imaginações que em cada circunstância possa acolher como benefícios. Pode ser valorizada por decisões municipais, nacionais, europeias ou internacionais. Há decisões que podem ser tomadas utilmente em cada um destes planos e há decisões, cuja viabilidade depende da conjugação de vontades oriundas de dois ou mais de entre eles. Mas não há decisões que caibam a uma nuvem de distintas entidades ou que possam ser tomadas indiferentemente por várias delas.
Numa campanha eleitoral autárquica é, por isso, importante que a avaliação de cada mandato e das propostas apresentadas seja encarada tendo em conta as reais atribuições das autarquias ou a possibilidade da sua cooperação com outras entidades, quando legalmente admitida. Aliás, os municípios, estando naturalmente subordinados à lei, serão sancionados se agirem fora dela.
Um outro plano é o que envolve a pressão que as autoridades municipais possam fazer sobre as instâncias nacionais, europeias ou internacionais para, no quadro das respetivas competências, tomarem decisões que beneficiem Coimbra. O resultado dessa pressão persuasiva depende muito menos de quem a faz do que dos seus destinatários
Misturar todos  os planos mencionado, responsabilizando o poder autárquico pelo que se passa em todos eles é, não só um fator de confusão, mas também uma imputação injusta.
Pode ainda ser legalmente admissível uma cooperação institucional, envolvendo não só um município como outras entidades, no quadro de uma parceria contratualizada. Neste caso, cada autarquia tem sobre a matéria em causa uma responsabilidade partilhada com as entidades com quem contratou. E se cada autarquia é naturalmente responsável pelos resultados do exercício dos seus poderes, já não o pode ser quanto aos resultados inscritos em esferas de competência alheias, mesmo que eles se reflitam no território municipal.

2. Lembrar tudo isto ajuda-nos a avaliar e compreender melhor o que valem e significam as críticas e as promessas feitas no decurso de uma campanha eleitoral autárquica. Nesta medida, vale a pena lembrar que uma grande parte das críticas feitas à atual liderança do PS na Câmara de Coimbra, protagonizada por Manuel Machado, enferma de uma nítida confusão quanto ao âmbito das competências municipais.
Nas hipóteses mais benignas, é alegada insuficiência do protagonismo municipal na pressão sobre outras instâncias, como se a decisão destas últimas fosse um resultado automático da simples pressão sobre elas exercida pelo município de Coimbra. Na pior hipótese, é acusada a autarquia por omissões ou ações que apenas podem ser imputadas a outras entidades.
Todo esse ruído produzido pelas oposições à atual maioria camarária é, na maior parte dos casos, pouco mais do que propaganda. Propaganda eventualmente destinada a disfarçar a falta de propostas verdadeiramente integráveis numa visão futurante de Coimbra. Uma visão que dê centralidade ao município de Coimbra como parcela relevante do desenvolvimento nacional e que valorize realmente a qualidade de vida das pessoas concretas que aqui vivem.
3. Neste contexto, vale a pena comentar um dos aspetos que caracterizam a oposição de direita protagonizada, quer por “Mais Coimbra” (os partidos da troika), quer por “Somos Coimbra” (a direita dissimulada). Refiro-me à obsessão quantitavista e numerológica, envolvida na imputação à atual liderança municipal das várias desgraças que essa visão segrega.
São desgraças centradas no ranking demográfico nacional, no qual Coimbra estaria mal situada. Desgraças imaginárias que se invocam como se fosse esse o critério absoluto de aferição quanto à qualidade de vida dos habitantes de Coimbra. Ora, nem a qualidade de vida de quem vive em Coimbra depende do número de habitantes que aqui residam, nem os vários fatores de atratividade de que beneficie dependem de um hipotético “ranking” demográfico.
Haverá alguém que decida visitar ou ir viver para uma cidade, neste ou num outro país, por causa do lugar que ela ocupe no “ranking” populacional do respetivo país? A qualidade de vida dos cidadãos que vivem num município depende, do modo como se organizem entre si e dos recursos de que disponham, não do seu número. O aumento do número de habitantes não é em si um fator objetivamente qualificante, mas se aumentar exponencialmente pode tornar-se num elemento negativo. Basta olharmos para a qualidade de vida nas grandes metrópoles mundiais para vermos isso.
É certo que a densidade demográfica à escala de um país ou de uma cidade não é uma problemática inócua, mas não é única nem decisiva. E, seguramente, que não depende nem exclusiva nem principalmente de políticas autárquicas.
Seja como for, esta questão deve ser olhada à luz da dimensão e da densidade e evolução demográficas de Portugal, à luz da identidade humana e simbólica de Coimbra e à luz de uma imaginação de futuro que se não conforme com a incompletude da sociedade presente. Se assim fizermos, insisto, facilmente perceberemos que a valorização de Coimbra não tem como questão central a sua evolução demográfica, especialmente se tivermos apenas em conta os seus aspetos quantitativos globais.
Do mesmo modo, não faz qualquer sentido seguir o economês neoliberal que aponta como grande desígnio municipal uma tosca miniatura das medidas inscritas no modelo que afundou o país. Aliás, é verdadeiramente estranha a preocupação afixada quanto aos mais desfavorecidos, quanto aos injustiçados e excluídos, pelos que nesta campanha ostentam as cores dos partidos “troikistas”.
Por um lado, defendem um modelo de sociedade que gera excluídos, por outro, prometem preocupar-se muito com eles. Defendem um modelo de sociedade e uma linha política que gera desemprego e degrada a condição social dos trabalhadores, mas afixam como grande desígnio a luta contra o desemprego. Um desígnio, aliás, quanto ao qual todos sabemos que o papel direto das autarquias é claramente menor.
4. Genericamente, para além desta confusão estrutural que inquina grande parte dos programas autárquicos das oposições, há algumas observações que devem ser feitas. Desde logo, eles ignoram quase por completo o funcionamento quotidiano da autarquia, as questões que a envolvem no plano administrativo, relacional e financeiro. E assim mostram que, quanto ao funcionamento quotidiano das estruturas municipais, ou não encontram razões para crítica, ou não conhecem suficientenmente a realidade para poderem opinar sobre ela, ou nem se apercebem da importância desse aspeto da vida do município.
Muitas vezes, fica claro no que dizem desconhecerem o detalhe da vida da autarquia, uma vez que propõem como novidades iniciativas que já estão em marcha, sugerem caminhos que já estão a ser percorridos ou apontam para a necessidade de serem lançadas parcerias que afinal já estão instituídas. Quando seria demasiado chocante esse tipo de equívoco, ficam-se modestamente pelo reparo quantitativo, dizendo que se devia fazer mais. Dizem, mas não dizem quanto, como, nem dão sinais de que seriam capazes de pôr em prática a aceleração que propõem.
Mas tal como atrás alvitrei, um dos aspetos mais mistificatórios das campanhas das oposições está no facto de fazerem propostas e fixar objetivos que transcendem claramente a esfera de competências de um município. Quase se podia aplicar, ao essencial das propostas feitas pelas oposições ao PS nesta campanha autárquica, uma observação crítica que fez história a outro propósito: as coisas novas não são boas e as coisas boas não são novas.

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