domingo, 10 de setembro de 2017

Coimbra – ruídos locais, objetivos nacionais



Coimbra – ruídos locais, objetivos nacionais

1.As eleições autárquicas são competições políticas, cuja principal incidência são os municípios e as freguesias, mas que não deixam de ter reflexos importantes na política nacional. Reflexos especialmente marcantes a partir do que ocorra quanto às Câmaras Municipais. Não fazendo, naturalmente, qualquer sentido o menosprezo pela dimensão local dessas pugnas, seria pura miopia política ignorar a repercussão na política nacional dos seus  resultados. Aliás, um simples exercício de memória nos fará lembrar casos concretos em que esses resultados suscitaram quedas de governos centrais, para além de terem tido repercussões menos ostensivas em muitas outras ocasiões.

Quanto a este tipo de eleições, não está instituído um critério, objetivo e consensual, para distinguir uma vitória de uma derrota. E é certo que considerar um resultado bom ou mau depende em larga medida da comparação com resultados anteriores de cada força política em cada local. Pode valorizar-se o total do número de votos obtidos, o total de Presidências de Câmara ou de Juntas de Freguesia conquistadas, os resultados das principais cidades ou das capitais de distrito ou dos municípios mais populosos. A experiência mostra que neste caso tem especial significado a imagem política global projetada pelos resultados das eleições, não sendo predetermináveis os tipos de combinações de resultados que lhe darão origem. Mas há municípios quanto aos quais é inequívoco que os resultados neles ocorridos contribuem especialmente para projetarem uma imagem de derrota, de empate ou de vitória.

Coimbra, sem margem para dúvidas, é um desses casos. E, na atual conjuntura, o principal efeito político nacional destas eleições será o reforço ou o enfraquecimento do Partido Socialista; e, indiretamente, o reforço ou o enfraquecimento do atual governo e, consequentemente, do acordo político que lhe dá suporte. Simetricamente, ocorrerá um reforço ou um enfraquecimento dos partidos da troika (PSD e CDS).

Compreende-se, por isso, que este pano de fundo tenha que estar bem presente, quando se participa em Coimbra na luta política autárquica, nomeadamente, aqueles que hesitem quanto à opção a tomar.


2. À luz o que se acaba de dizer, vale a pena refletir sobre a repercussão nacional da campanha autárquica que está a decorrer em Coimbra. Entre as alternativas a Manuel Machado, atual Presidente da Câmara que lidera a candidatura do Partido Socialista, três delas têm um especial significado político. Refiro-me às duas candidaturas de direita, “Mais Coimbra” e “Somos Coimbra” e à candidatura dos “Cidadãos por Coimbra”.

Todas elas desempenham, objetivamente, o papel de dispositivos de combate político ao governo do PS liderado por António Costa. Na verdade, como já se disse, os resultados que se verificarem em Coimbra não deixarão de pesar na relação de forças nacional. A vitória do PS reforçará o atual governo, melhorando as condições e as virtualidades da sua ação; um mau resultado para o PS não deixará de fazer aumentar os obstáculos à ação do governo.


3. Por isso, os partidos da troika, representados em Coimbra pela coligação “Mais Coimbra”, embora tornando tão pouco ostensiva quanto possível a sua pertença ao séquito de Passos Coelho e de Cristas, são um dispositivo muito importante na estratégia nacional de combate do PSD  e do CDS contra o atual governo. Se eles vencessem em Coimbra, estariam a oferecer um precioso balão de oxigénio ao radicalismo austeritário de Coelho e Cristas, que o bom funcionamento e os resultados positivos da atual solução governativa têm vindo a desacreditar crescentemente.

E isso acontece, quer porque Coimbra é um município com alto valor simbólico, quer porque tem à sua frente o Presidente da Associação Nacional de Municípios. Dir-se-á que, nas atuais circunstâncias, a hipótese de uma vitória da direita em Coimbra é muito remota. É verdade. Mas foi a esperança nisso que levou os partidos da troika a unirem-se e é esse o verdadeiro conteúdo da candidatura “Mais Coimbra”. O resto é meramente instrumental.


4. “ Somos Coimbra” visa o mesmo objetivo, mas opta por outro caminho. Também entende que as eleições autárquicas são uma importante oportunidade para enfraquecer o atual governo do PS e iniciar a reversão do predomínio institucional das esquerdas, mas pensa que se o fizesse em campo aberto e de rosto descoberto, apostando na continuidade das atuais lideranças da direita, teria reduzidas hipóteses de êxito. Por isso, recorreu à liderança de alguém cuja notoriedade não estava predominantemente radicada na política (ainda que consabidamente oriundo da área política do PSD), para montar a ficção e tentar produzir a ilusão de uma candidatura independente "acima" dos partidos.

Adotou uma velha consigna mistificatória (a que a direita sub-reptícia sempre recorre quando se quer disfarçar) ao afirmar-se nem de direita nem de esquerda. Dotou-se de três ou quatro vultos universitário-empresariais, para ostentar uma patine mais aliciante, embrulhou tudo isso num discurso holístico previsível e arredondado, distribuiu alguns anátemas de circunstância, promoveu uma certa ressonância mediática, e sentiu-se suficientemente irresistível para avançar.

Foi, no entanto, prudentemente tomada por uma discreta pulsão cautelar. Receando que o ilusionismo fosse tão completo que iludisse alguns dos próprios eleitores da direita, deixou transparecer publicamente o apoio explícito de uma das principais liderança do PSD de Coimbra nas últimas décadas que, aliás, já ocupou a Presidência da Câmara de Coimbra, durante mais de um mandato no início deste século. É um outro tipo de tentativa de enfraquecer o atual Governo, mas não deixa de o ser.


5. Pelo seu lado, os Cidadãos por Coimbra deixaram-se aprisionar num dramático dilema: ou subordinam a sua intervenção municipal à sua identificação genérica com a solução política nacional vigente e desvitalizam-se; ou privilegiam e radicalizam a sua intervenção municipal e combatem-se a si próprios no plano nacional, ao vulnerabilizarem o governo do PS e a solução política que o viabiliza (com a qual ao que parece concordam).

É um dilema com duas raízes principais. Em primeiro lugar, os CPC surgiram em 2013 como uma subtil “frente de massas” do Bloco de Esquerda, revestida pela aura de uma intenção frustrada de unidade à esquerda, mas principal e objetivamente dirigida a evitar uma vitória do PS em Coimbra. Falhado o objetivo, ao contrário da CDU, assumiram sempre uma oposição agressiva à Presidência do PS. Uma oposição  assente mais em resmungos e detalhes do que numa serena divergência de horizontes e de projeto.

As eleições legislativas de 2015 impulsionaram a criação do Livre/Tempo de Avançar, novo partido que absorveu a quase totalidade dos CPC exteriores ao BE. Na prática, os CPC transformaram-se assim numa coligação não assumida. A solução de governo saída das eleições teve no PS o protagonista liderante. Englobando o BE, correspondia também no essencial ao preconizado pelo Livre/Tempo de Avançar que só não participou nela por não ter elegido qualquer deputado. Mas esta mudança nacional da conjuntura política não suscitou no comportamento dos CPC qualquer mudança de atitude no plano autárquico. A coligação implícita dos CPC que era favorável ao governo do PS no plano nacional continuou a hostilizá-lo em Coimbra no plano autárquico.

Recentemente, houve uma cisão nos CPC. Um grupo de algumas dezenas de membros, onde se incluía a maior parte dos seus eleitos municipais e várias das suas figuras públicas mais conhecidas, abandonou publicamente os CPC. Os dissidentes pertenciam em grande parte ao Livre/Tempo de Avançar. Duas versões da clivagem percorreram a murmuração política e pairaram nas entrelinhas das posições publicadas. Os que saíram acusam os que ficaram de completa subalternidade e dependência em face do BE, cujo alegado controleirismo vituperam. Os que ficaram acusam os que saíram de almejarem integrar uma aliança política mais ampla e fortemente inclinada à direita. Os que ficaram escolheram para os encabeçar um político com experiência autárquica que pouco antes se desfiliara do Partido Comunista. O tom da campanha que têm vindo a fazer parece dar continuidade à acrimónia habitual quanto à candidatura do PS, dando assim corpo ao dilema atrás referido. Politicamente, pode assim dizer-se que em parte se combatem a si próprios; autarquicamente procuram enfraquecer o mais possível aquilo que defendem nacionalmente.

Para dramatizar o dilema, o atual coordenador dos CPC, pública e simultaneamente, demarcou-se energicamente da candidatura do PS, mas afixou a intenção de convidar o candidato por si rejeitado, para que em conjunto com os CPC e a CDU, logo após as eleições, liderasse um bloco de poder. Ou seja, após as eleições, a exceção de Coimbra desaparecia, reproduzindo-se uma solução paralela à nacional. Isto é, os CPC fazem tudo para impedir o PS de eleger o seu candidato como Presidente (o que significa dar inevitavelmente a Presidência à direita), mas, se o não conseguirem, querem aliar-se com ele.


6. Em contraponto, a candidatura do Partido Socialista liderada por Manuel Machado, tem tornado cada vez mais claro que o seu modo de Valorizar Coimbra respeita realmente a sua densidade simbólica e solidariza-se profundamente com a sua vocação futurante que se propõe incentivar. Não o faz contudo, encerrando-se num bairrismo estéril, mas assumindo por completo a ideia de que valorizar Coimbra é um contributo insubstituível para valorizar Portugal. A contribuição de Coimbra não é substituível por outra qualquer, pelo que sendo naturalmente um desígnio municipal é também necessariamente um desígnio nacional.

Assim, a sinergia entre o atual Governo de Portugal e a atual maioria na Câmara Municipal de Coimbra que se começou a instituir desde que a atual solução governativa iniciou funções há menos de dois anos, abre horizontes muito esperançosos para os próximos anos. O atual governo terá em Coimbra um parceiro que lhe permitirá exercer aqui o seu mandato com plena fecundidade, o governo autárquico de Coimbra liderado por Manuel Machado terá no poder central um parceiro que lhe permitirá valorizar Portugal através da valorização de Coimbra.

Há assim dois tipos de repercussão nacional dos resultados autárquicos de Coimbra. Uns procuram instrumentalizá-los para enfraquecer a atual solução governativa na esperança de trazerem de volta as políticas da troika. Outros procuram reforçar sinergias virtuosas entre os poderes democráticos autárquicos e centrais, em benefício de Coimbra e de Portugal.


Há ainda  os que parecem estar a disparar sem ter uma ideia clara quanto ao alvo a atingir. Por isso, quanto a estes últimos, o que de melhor se pode esperar é que não façam muitos estragos.

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