Coimbra
– ruídos locais, objetivos nacionais
1.As eleições
autárquicas são competições políticas, cuja principal incidência são os
municípios e as freguesias, mas que não deixam de ter reflexos importantes na
política nacional. Reflexos especialmente marcantes a partir do que ocorra
quanto às Câmaras Municipais. Não fazendo, naturalmente, qualquer sentido o
menosprezo pela dimensão local dessas pugnas, seria pura miopia política
ignorar a repercussão na política nacional dos seus resultados. Aliás, um simples exercício de
memória nos fará lembrar casos concretos em que esses resultados suscitaram
quedas de governos centrais, para além de terem tido repercussões menos
ostensivas em muitas outras ocasiões.
Quanto a este tipo de
eleições, não está instituído um critério, objetivo e consensual, para
distinguir uma vitória de uma derrota. E é certo que considerar um resultado
bom ou mau depende em larga medida da comparação com resultados anteriores de
cada força política em cada local. Pode valorizar-se o total do número de votos
obtidos, o total de Presidências de Câmara ou de Juntas de Freguesia
conquistadas, os resultados das principais cidades ou das capitais de distrito
ou dos municípios mais populosos. A experiência mostra que neste caso tem
especial significado a imagem política global projetada pelos resultados das
eleições, não sendo predetermináveis os tipos de combinações de resultados que
lhe darão origem. Mas há municípios quanto aos quais é inequívoco que os
resultados neles ocorridos contribuem especialmente para projetarem uma imagem
de derrota, de empate ou de vitória.
Coimbra, sem margem
para dúvidas, é um desses casos. E, na atual conjuntura, o principal efeito
político nacional destas eleições será o reforço ou o enfraquecimento do
Partido Socialista; e, indiretamente, o reforço ou o enfraquecimento do atual
governo e, consequentemente, do acordo político que lhe dá suporte.
Simetricamente, ocorrerá um reforço ou um enfraquecimento dos partidos da troika (PSD e CDS).
Compreende-se, por isso,
que este pano de fundo tenha que estar bem presente, quando se participa em
Coimbra na luta política autárquica, nomeadamente, aqueles que hesitem quanto à
opção a tomar.
2. À luz o que se acaba
de dizer, vale a pena refletir sobre a repercussão nacional da campanha
autárquica que está a decorrer em Coimbra. Entre as alternativas a Manuel
Machado, atual Presidente da Câmara que lidera a candidatura do Partido
Socialista, três delas têm um especial significado político. Refiro-me às duas
candidaturas de direita, “Mais Coimbra” e “Somos Coimbra” e à candidatura dos
“Cidadãos por Coimbra”.
Todas elas desempenham,
objetivamente, o papel de dispositivos de combate político ao governo do PS
liderado por António Costa. Na verdade, como já se disse, os resultados que se
verificarem em Coimbra não deixarão de pesar na relação de forças nacional. A
vitória do PS reforçará o atual governo, melhorando as condições e as
virtualidades da sua ação; um mau resultado para o PS não deixará de fazer
aumentar os obstáculos à ação do governo.
3. Por isso, os
partidos da troika, representados em
Coimbra pela coligação “Mais Coimbra”, embora tornando tão pouco ostensiva
quanto possível a sua pertença ao séquito de Passos Coelho e de Cristas, são um
dispositivo muito importante na estratégia nacional de combate do PSD e do CDS contra o atual governo. Se eles vencessem
em Coimbra, estariam a oferecer um precioso balão de oxigénio ao radicalismo
austeritário de Coelho e Cristas, que o bom funcionamento e os resultados
positivos da atual solução governativa têm vindo a desacreditar crescentemente.
E isso acontece, quer porque
Coimbra é um município com alto valor simbólico, quer porque tem à sua frente o
Presidente da Associação Nacional de Municípios. Dir-se-á que, nas atuais
circunstâncias, a hipótese de uma vitória da direita em Coimbra é muito remota.
É verdade. Mas foi a esperança nisso que levou os partidos da troika a unirem-se e é esse o verdadeiro
conteúdo da candidatura “Mais Coimbra”. O resto é meramente instrumental.
4. “ Somos Coimbra”
visa o mesmo objetivo, mas opta por outro caminho. Também entende que as
eleições autárquicas são uma importante oportunidade para enfraquecer o atual
governo do PS e iniciar a reversão do predomínio institucional das esquerdas,
mas pensa que se o fizesse em campo aberto e de rosto descoberto, apostando na
continuidade das atuais lideranças da direita, teria reduzidas hipóteses de
êxito. Por isso, recorreu à liderança de alguém cuja notoriedade não estava predominantemente
radicada na política (ainda que consabidamente oriundo da área política do
PSD), para montar a ficção e tentar produzir a ilusão de uma candidatura
independente "acima" dos partidos.
Adotou uma velha
consigna mistificatória (a que a direita sub-reptícia sempre recorre quando se
quer disfarçar) ao afirmar-se nem de direita nem de esquerda. Dotou-se de três
ou quatro vultos universitário-empresariais, para ostentar uma patine mais
aliciante, embrulhou tudo isso num discurso holístico previsível e arredondado,
distribuiu alguns anátemas de circunstância, promoveu uma certa ressonância
mediática, e sentiu-se suficientemente irresistível para avançar.
Foi, no entanto,
prudentemente tomada por uma discreta pulsão cautelar. Receando que o
ilusionismo fosse tão completo que iludisse alguns dos próprios eleitores da
direita, deixou transparecer publicamente o apoio explícito de uma das
principais liderança do PSD de Coimbra nas últimas décadas que, aliás, já
ocupou a Presidência da Câmara de Coimbra, durante mais de um mandato no início
deste século. É um outro tipo de tentativa de enfraquecer o atual Governo, mas
não deixa de o ser.
5. Pelo seu lado, os
Cidadãos por Coimbra deixaram-se aprisionar num dramático dilema: ou subordinam
a sua intervenção municipal à sua identificação genérica com a solução política
nacional vigente e desvitalizam-se; ou privilegiam e radicalizam a sua
intervenção municipal e combatem-se a si próprios no plano nacional, ao
vulnerabilizarem o governo do PS e a solução política que o viabiliza (com a
qual ao que parece concordam).
É um dilema com duas
raízes principais. Em primeiro lugar, os CPC surgiram em 2013 como uma subtil
“frente de massas” do Bloco de Esquerda, revestida pela aura de uma intenção
frustrada de unidade à esquerda, mas principal e objetivamente dirigida a
evitar uma vitória do PS em Coimbra. Falhado o objetivo, ao contrário da CDU,
assumiram sempre uma oposição agressiva à Presidência do PS. Uma oposição assente mais em resmungos e detalhes do que
numa serena divergência de horizontes e de projeto.
As eleições
legislativas de 2015 impulsionaram a criação do Livre/Tempo de Avançar, novo
partido que absorveu a quase totalidade dos CPC exteriores ao BE. Na prática,
os CPC transformaram-se assim numa coligação não assumida. A solução de governo
saída das eleições teve no PS o protagonista liderante. Englobando o BE,
correspondia também no essencial ao preconizado pelo Livre/Tempo de Avançar que
só não participou nela por não ter elegido qualquer deputado. Mas esta mudança
nacional da conjuntura política não suscitou no comportamento dos CPC qualquer
mudança de atitude no plano autárquico. A coligação implícita dos CPC que era
favorável ao governo do PS no plano nacional continuou a hostilizá-lo em
Coimbra no plano autárquico.
Recentemente, houve uma
cisão nos CPC. Um grupo de algumas dezenas de membros, onde se incluía a maior
parte dos seus eleitos municipais e várias das suas figuras públicas mais
conhecidas, abandonou publicamente os CPC. Os dissidentes pertenciam em grande
parte ao Livre/Tempo de Avançar. Duas versões da clivagem percorreram a
murmuração política e pairaram nas entrelinhas das posições publicadas. Os que
saíram acusam os que ficaram de completa subalternidade e dependência em face
do BE, cujo alegado controleirismo vituperam. Os que ficaram acusam os que
saíram de almejarem integrar uma aliança política mais ampla e fortemente
inclinada à direita. Os que ficaram escolheram para os encabeçar um político
com experiência autárquica que pouco antes se desfiliara do Partido Comunista.
O tom da campanha que têm vindo a fazer parece dar continuidade à acrimónia
habitual quanto à candidatura do PS, dando assim corpo ao dilema atrás
referido. Politicamente, pode assim dizer-se que em parte se combatem a si
próprios; autarquicamente procuram enfraquecer o mais possível aquilo que defendem
nacionalmente.
Para dramatizar o
dilema, o atual coordenador dos CPC, pública e simultaneamente, demarcou-se
energicamente da candidatura do PS, mas afixou a intenção de convidar o candidato
por si rejeitado, para que em conjunto com os CPC e a CDU, logo após as
eleições, liderasse um bloco de poder. Ou seja, após as eleições, a exceção de
Coimbra desaparecia, reproduzindo-se uma solução paralela à nacional. Isto é,
os CPC fazem tudo para impedir o PS de eleger o seu candidato como Presidente
(o que significa dar inevitavelmente a Presidência à direita), mas, se o não
conseguirem, querem aliar-se com ele.
6. Em contraponto, a
candidatura do Partido Socialista liderada por Manuel Machado, tem tornado cada
vez mais claro que o seu modo de Valorizar Coimbra respeita realmente a sua
densidade simbólica e solidariza-se profundamente com a sua vocação futurante
que se propõe incentivar. Não o faz contudo, encerrando-se num bairrismo
estéril, mas assumindo por completo a ideia de que valorizar Coimbra é um
contributo insubstituível para valorizar Portugal. A contribuição de Coimbra
não é substituível por outra qualquer, pelo que sendo naturalmente um desígnio
municipal é também necessariamente um desígnio nacional.
Assim, a sinergia entre
o atual Governo de Portugal e a atual maioria na Câmara Municipal de Coimbra
que se começou a instituir desde que a atual solução governativa iniciou funções
há menos de dois anos, abre horizontes muito esperançosos para os próximos anos.
O atual governo terá em Coimbra um parceiro que lhe permitirá exercer aqui o
seu mandato com plena fecundidade, o governo autárquico de Coimbra liderado por
Manuel Machado terá no poder central um parceiro que lhe permitirá valorizar
Portugal através da valorização de Coimbra.
Há assim dois tipos de repercussão
nacional dos resultados autárquicos de Coimbra. Uns procuram instrumentalizá-los
para enfraquecer a atual solução governativa na esperança de trazerem de volta
as políticas da troika. Outros
procuram reforçar sinergias virtuosas entre os poderes democráticos autárquicos
e centrais, em benefício de Coimbra e de Portugal.
Há ainda os que parecem estar a disparar sem ter uma ideia clara quanto ao alvo a atingir. Por isso, quanto
a estes últimos, o que de melhor se pode esperar é que não façam muitos estragos.