quinta-feira, 9 de abril de 2015

UM LIVRO, UM POEMA - 6


“Poemas” de Bertolt Brecht é o livro que hoje me vai servir de apoio. Vou transgredir de novo a regra de um livro- um poema. Vou recordar vários poemas. É uma transgressão compreensível, quando temos pela frente um livro de 667 páginas, com tantos poemas que vivamente ainda hoje nos interpelam. A edição em causa é organizada e prefaciada por António Sousa Ribeiro, correspondendo à versão portuguesa dos poemas da autoria de Paulo Quintela. Foi publicada em 2007, pelas edições ASA.

Bertolt Brecht nasceu na Alemanha em 1898 e faleceu na República Democrática Alemã em 1956, depois de em 1950 se ter naturalizado austríaco. Exilou-se em 1933, por causa do nazismo, tendo vivido em vários países. Regressou à Alemanha (RDA – Berlim Leste), em 1949. Comunista, resistente ao nazismo, não deixaria de assumir alguma distância crítica em face do regime pró-soviético da RDA, como se pode depreender do primeiro poema transcrito. Foi um dos maiores dramaturgos do século XX e foi também um grande poeta.

 


Poemas de Bertolt Brecht

 
A (DIS) SOLUÇÃO

 
Depois da revolta de 17 de junho
Mandou o secretário da Associação de Escritores
Distribuir panfletos na Stalinallee
Nos quais se podia ler que o Povo
Perdera levianamente a confiança do Governo
E só a poderia reconquistar
Trabalhando a dobrar. Pois não seria
Então mais fácil que o Governo
Dissolvesse o Povo e
Elegesse outro?


MAS QUANDO CAMINHAVA PARA O CEPO


Mas quando caminhava para o cepo onde o iam matar
Caminhava para um cepo que fora feito pelos seus iguais
E também o machado que agora o esperava
Fora feito pelos seus iguais. Apenas eles tinham partido
Ou tinham sido expulsos, mas estavam sempre ali
E presentes na obra das suas mãos. Nem mesmo a luz
Nos corredores por onde passava para a morte
Haveria sem eles. Nem a casa
Donde era levado, nem qualquer outra casa.
Porque é que
Tem ele de estar sozinho, ele que falou por tantos?
Por isto:
Os opressores juntam-se
Mas os oprimidos andam desunidos.



QUEM É O TEU INIMIGO


Ao faminto, que te tirou
O último pão, olha-lo como inimigo.
Mas ao ladrão que nunca passou fome
Não lhe saltas às goelas.


LOUVOR DO REVOLUCIONÁRIO


Quando a opressão aumenta
Muitos se desencorajam
Mas a coragem dele cresce.


Ele organiza a luta
Pelo tostão do salário, pela água do chá
E pelo poder no Estado.


Pergunta à propriedade:
Donde vens tu?
Pergunta às opiniões:
A quem aproveitais?


Onde quer que todos se calem
Ali falará ele
E onde reina a opressão e se fala do Destino
Ele nomeará os nomes.


Onde se senta à mesa
Senta-se a insatisfação à mesa
A comida estraga-se
E reconhece-se que o quarto é acanhado.


Pra onde quer que o expulsem, para lá
Vai a revolta, e donde é escorraçado
Fica ainda lá o desassossego.

 

1 comentário:

b m disse...

Excelente escolha,Rui.