sábado, 4 de abril de 2015

UM LIVRO, UM POEMA - 4


Publico hoje o último poema  do Livro das Ignorãças,  do qual é autor Manoel de Barros, poeta brasileiro nascido em 1916 e falecido em 2014.  Advogado, fazendeiro e poeta, é um dos expoentes da poesia brasileira do século XX, mas a sua criatividade ousada transbordou  para o século atual e prepara-se para ocupar um lugar de relevo no futuro da poesia e da língua portuguesa.

 

AUTO-RETRATO  FALADO

                                   -Manoel de Barros

 Venho de um Cuiabá garimpo e de ruelas entortadas.
  Meu pai teve uma venda de bananas no Beco da

            Marinha, onde nasci.
  Me criei no Pantanal de Corumbá, ente bichos do

            chão, pessoas humildes, aves, árvores e rios.
Aprecio viver em lugares decadentes por gosto de

 estar entre pedras e lagartos.
Fazer o desprezível ser prezado é coisa que me apraz.

Já publiquei 10 livros de poesia; ao publicá-los me
           sinto como que desonrado e fujo para o

            Pantanal onde sou abençoado a garças.
Me procurei a vida inteira e não me achei --- pelo

            que fui salvo.
Descobri que todos os caminhos levam à ignorância.

Não fui para a sarjeta porque herdei uma fazenda de
              gado. Os bois me recriam.

Agora eu sou tão ocaso!
Estou na categoria de sofrer do moral, porque só

            faço coisas inúteis.
No meu morrer tem uma dor de árvore.

 

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