Nóvoa mergulhou formalmente na sua aventura
presidencial. Falta saber se chegará á outra margem. Parece suficientemente robusto
e apoiado, para não soçobrar na difícil terra de ninguém das primeiras
braçadas. Se o xadrez de candidatos da primeira volta for o previsível e não
emergir um candidato surpresa que, em maior ou menor grau, perturbe o esperado,
Nóvoa tem boas hipóteses de ir à segunda volta. Mas quanto a ser eleito
Presidente já as perspetivas são bem diferentes. Aqui a sua candidatura está
marcada por um grande ponto de interrogação.
É que Nóvoa tem que esperar que a direita não
consiga gerar um candidato unificador, para ela consensual, que seja envolvente
e que resulte de um processo de escolha que satisfaça os padrões médios atuais
da decência. Pelo contrário, basta que isso aconteça para que as suas
dificuldades aumentem muito.
Mas Nóvoa tem também que concitar o apoio de todas
as esquerdas. O apoio e quiçá o entusiasmo mobilizador. Tem que desse modo
receber o apoio dos partidos com uma maior base eleitoral, PS, PCP e BE. Mas
tem que receber esse apoio de modo a que ele se possa converter, natural e
eficazmente, no apoio dos respetivos eleitorados.
No caso do PCP, sabe-se que costuma ser forte a
capacidade para as instâncias dirigentes do partido projetarem as suas escolhas
no respetivo eleitorado. No caso do BE, essa capacidade, sendo aparentemente
menor, é ainda relevante. Mas quanto ao PS as coisas são bem diferentes. A
obediência do eleitorado às indicações do partido está longe de ser
incondicional e resulta de diversos fatores: o prestígio do candidato no seio
do partido, o grau de afetividade do povo socialista para com ele, a
intensidade com que seja apoiado pelas estruturas partidárias, o nível de
democraticidade do processo de escolha e a existência ou não de outros
candidatos que sejam pelos eleitores socialistas sentidos como próximos e
relevantes. Nos últimos anos, tem ganho terreno a defesa de eleições primárias
para escolha de todos os candidatos do PS às diversas eleições. Recordem-se as
primárias para escolha do candidato a primeiro-ministro. Cresce a convicção de
que, se nas duas últimas eleições presidenciais o candidato apoiado pelo PS
tivesse sido escolhido em primárias, Cavaco não teria ganho.
Perfilam-se assim algumas nuvens de incerteza quanto
à medida em que o eleitorado socialistas seguirá a orientação do partido se a
escolha recair em Nóvoa. O problema é
que esta parcela do eleitorado é mais do que o dobro do conjunto das parcelas
correspondentes às outras esquerdas.
Mas somam-se indícios de que a candidatura em causa
se está deixar envolver em algumas ambiguidades estruturais. Por exemplo,
afirma-se como impulso regenerador da vida politica e sente-se confortável com
o apoio do PS, mesmo que ele não seja resultado de primárias; afixa uma imagem
de independência, mas coloca-se na fila dos ex-presidentes que são militantes
do PS como se fizesse parte dela; tenta sugerir-se como fator de congregação
das esquerdas, mas revela-se cético quanto à perenidade da clivagem esquerda direita;
omite no seu discurso qualquer tonalidade crítica do sistema capitalista, mas
assume objetivos que entram em colisão com a perenidade desse sistema; afixa
uma independência altaneira em face dos partidos, mas esforça-se por sugerir o
apoio tácito do PS. Enfim, parece prisioneiro de uma incongruência, mais ou
menos visível, entre alguns objetivos gerais populares , especialmente á
esquerda, e a imagem estrutural que a
sua candidatura projeta.
De momento, o PS parece apostar na tática de deixar que
pensem que vê Nóvoa com bons olhos, sem contudo se comprometer formalmente com
ele. Corre vários riscos. Se a candidatura ganhar asas, pode aparecer como pouco
relevante para esse começo de êxito, sendo-lhe no entanto muito difícil deixar
de a apoiar. Se a candidatura se atolar na irrelevância, terá muita dificuldade
em patrocinar um candidato sucedâneo. Podendo parecer subtil, o PS parece
ter-se deixado apanhar numa ratoeira. Deixa que pareça ter tido que engolir um candidato
que veio de fora e não pode assumir o ónus de suscitar outro.
Por outro lado, é natural que se procure aumentar a energia
eleitoral das candidaturas do PS nas legislativas, através da sinergia com um
candidato presidencial suficientemente forte para ser capaz de ter esse efeito
político. Ora, se o PS realmente vier a apostar em Nóvoa, parece claro que
estamos muito longe de poder esperar desse apoio um qualquer impulso favorável
ao PS nas legislativas.
Tudo isto faz recear que uma opção pelo candidato
Nóvoa , tomada por uma decisão formal do PS, daqui a algum tempo, não seja
seguida por uma parte do seu eleitorado, incomodada pelo método autocrático
da escolha e pouco identificada afetivamente com ela. Se isso acontecer, perde
Nóvoa como candidato, perde o PS e ganha a direita. Se isso acontecer, fica à mostra
o erro político cometido. Melhor, seria evitá-lo.