quarta-feira, 15 de maio de 2013

CALINADAS 8: Porra Aníbal ! Ainda se fosse o Relvas...



Começo esta insólita história, pelo fim. A meu lado, no carro onde vinha a ouvir a RDP, de uma leve nuvem quase imaterial soltou-se i inesperadamente uma voz forte e indignada.
“Porra, Aníbal ! Cidadões!?!? Essa é demais. Nem o Relvas com as suas equivalências- relâmpago, está autorizado a uma tal calinada”.
Travei bruscamente, mas o esfumar ligeiramente turbulento da nuvem que acabara de falar ainda me deixou adivinhar o perfil  irritado do Luís Vaz. Sim. Esse mesmo em quem estão a pensar: o de Camões.
Mas o que  teria sido espanto, não chegou afinal a sê-lo. Logo percebi tudo. De facto, momentos antes, do alto da sua pose presidencial, cada vez mais acaciana e mais atraída pelo mimetismo em face de  um finado almirante, o Presidente Cavaco Silva espraiava a sua trôpega retórica em terras de Melgaço.
 E quando se aprestava  a subir com energia o tom, numa sonoridade próxima da épica, o grande Aníbal viu-se enredado numa modesta subtileza da língua portuguesa: o plural da palavra “cidadão”. E, quando os respeitosos ouvidos da assistência esperavam indolentemente ouvir falar nos vulgares “cidadãos”, Aníbal (o que raramente se engana), trovejou inesperadamente uma enorme dentada na língua portuguesa: ao referir-se uma e outra vez, com grande e calorosa energia,  aos “cidadões”.
Tenho que reconhecer que o nosso poeta teve toda a razão. Andou ele a moldar com os seus versos os alicerces da modernidade de uma língua, para alguns séculos depois, um pequeno  chefe de Estado, confessadamente tradicionalista e conservador, vir solenemente estropiar em público essa  Pátria simbólica..
Por isso, concordo plenamente com o Camões. “Porra Aníbal!  Ainda se fosse o Relvas…”

1 comentário:

b m disse...

Supunha com a m/ já provecta idade que tinha ouvido mal, mas não!
Afinal sempre era verdade, não sabe quantos cantos tem " Os Lusíadas " nem sabe o plural dos nosso léxico.
Como dizes, e bem :

“Porra Aníbal! Ainda se fosse o Relvas…”